quinta-feira, 25 de março de 2021

Ex-assessores de Bolsonaro sacaram 90% de salário pago por Flávio e Carlos

          O presidente Jair Bolsonaro, ao centro, e os filhos Flávio e Carlos Bolsonaro 
Imagem: Reprodução/Flickr 

Amanda Rossi, Flávio Costa, Gabriela Sá Pessoa e Juliana Dal Piva 
Do UOL, em São Paulo e no Rio 
25/03/2021 04h00 

Seis pessoas que tiveram cargos no gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, antes de 2007, sacaram pelo menos 90% dos salários que receberam quando se tornaram, anos depois, assessores de Flávio e Carlos Bolsonaro na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) e na Câmara Municipal do Rio, respectivamente. Receberam R$ 1,58 milhão e retiraram, em dinheiro vivo, pelo menos R$ 1,41 milhão.

Esses seis funcionários tiveram sigilo bancário quebrado pela investigação da "rachadinha" no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj. Como a quebra começa em janeiro de 2007, depois que essas pessoas já tinham saído da Câmara dos Deputados, não é possível saber o que fizeram com os salários que recebiam do gabinete de Jair Bolsonaro.

Procurado, o Planalto disse que não iria se manifestar. O advogado de Carlos Bolsonaro, Antonio Carlos Fonseca, disse que não irá se pronunciar porque os processos estão em sigilo.

Frederick Wassef, advogado de Flávio Bolsonaro, afirmou, por nota, que "ao contrário do que tenta induzir a reportagem, Flávio Bolsonaro nunca monitorou os hábitos financeiros e de consumo dos servidores que trabalharam em seu gabinete na Alerj. A forma como administravam as próprias contas era responsabilidade apenas deles. Seria no mínimo absurdo o parlamentar fazer tal tipo de controle e, portanto, não passa de fantasia a ideia de que houve rachadinha em seu gabinete".

Método da rachadinha

O UOL teve acesso às quebras de sigilo da investigação da suposta "rachadinha" no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj, em setembro de 2020, quando ainda não havia uma decisão judicial contestando a legalidade da determinação da Justiça fluminense, e veio, desde então, analisando meticulosamente as 607.552 operações bancárias distribuídas em 100 planilhas -uma para cada um dos suspeitos. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) anulou o uso dos dados resultantes das quebras de sigilos no processo contra Flávio, mas o Ministério Público Federal e o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) recorreram junto ao Supremo Tribunal Federal. O UOL avalia que há interesse público evidente na divulgação das informações que compõem estas reportagens.

Os cálculos do UOL consideram os saques que, com certeza, têm origens nos salários recebidos. Ou seja, não é possível que esses valores sacados sejam fruto de outras fontes de renda.

Na série de reportagens "Anatomia da Rachadinha", o UOL revelou que quatro assessores de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados sacaram 72% do que receberam.

Em seguida, esses mesmos assessores foram trabalhar com Flávio Bolsonaro na Alerj, onde continuaram a sacar a maior parte dos salários.

O uso constante de dinheiro vivo levanta suspeitas porque dificulta o rastreio pelos órgãos de controle, apontam especialistas no combate à corrupção e investigadores criminais.

Esse padrão foi identificado pelos investigadores do MP-RJ como parte do método usado durante a "rachadinha" na Alerj. A partir dos saques, os salários eram transformados em dinheiro vivo para entregas a operadores da "rachadinha": nome pelo qual é conhecido o esquema ilegal de devolução de vencimentos de assessores de um político. A prática configura crime de peculato — roubo ou mau uso de dinheiro público.

"O senador Flávio Bolsonaro não praticou qualquer tipo de ilegalidade em seus mandatos. Todos os servidores que passaram pelo gabinete do parlamentar foram nomeados de acordo com as regras da Assembleia Legislativa e cumpriam suas funções dentro das normas da casa", declarou Wassef, por nota.

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O uso constante de dinheiro vivo levanta suspeitas porque dificulta o rastreio pelos órgãos de controle, apontam especialistas no combate à corrupção e investigadores criminais.

Esse padrão foi identificado pelos investigadores do MP-RJ como parte do método usado durante a "rachadinha" na Alerj. A partir dos saques, os salários eram transformados em dinheiro vivo para entregas a operadores da "rachadinha": nome pelo qual é conhecido o esquema ilegal de devolução de vencimentos de assessores de um político. A prática configura crime de peculato — roubo ou mau uso de dinheiro público.

"O senador Flávio Bolsonaro não praticou qualquer tipo de ilegalidade em seus mandatos. Todos os servidores que passaram pelo gabinete do parlamentar foram nomeados de acordo com as regras da Assembleia Legislativa e cumpriam suas funções dentro das normas da casa", declarou Wassef, por nota.

A advogada Ana Cristina Siqueira Valle teve um relacionameto de 8 
anos com Jair Bolsonaro   Imagem: FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO

Mudança de padrão

Do grupo de seis ex-assessores, pelo menos quatro têm algum grau de parentesco com o presidente Jair Bolsonaro ou com uma de suas ex-mulheres.

Juliana Siqueira Guimarães Vargas, prima de Ana Cristina Siqueira Valle, segunda ex-mulher de Jair Bolsonaro, passou pouco mais de três anos na Câmara dos Deputados, entre 1999 e 2003. Imediatamente em seguida, foi trabalhar com Flávio Bolsonaro na Alerj, onde ficou por oito anos, até 2011.

Os dados mostram que, entre 2007 e 2011, Juliana recebeu R$ 326 mil da Alerj, entre salários e benefícios, e sacou pelo menos R$ 244 mil (75%).

A análise do UOL constatou uma mudança de padrão nos saques de Juliana. Até o começo de 2008, a prima de Ana Cristina sacava praticamente tudo o que recebia da Alerj. A principal forma de retirar o dinheiro era por grandes saques únicos.

Mas, a partir do segundo semestre de 2008, Juliana passou a fazer mais saques fracionados, especialmente no valor de R$ 500. Também começou a sacar menos, em torno de 70% do que recebia.

Juliana é casada com o coronel do Exército Maurício da Costa Vargas. Hoje, Vargas está lotado no gabinete do Comandante do Exército, em Brasília.

Um padrão semelhante de movimentação bancária ocorreu com Michelle Almeida dos Santos. Teve cargo no gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados por cerca de oito meses, entre 2002 e 2003.

Saiu do posto em Brasília para assumir uma vaga na Alerj, com Flávio Bolsonaro. Ficou três anos, passou um ano fora e voltou para mais quatro anos.

No período compreendido pela quebra de sigilo, Michelle recebeu R$ 374 mil da Alerj, entre salários e benefícios. Sacou pelo menos R$ 270 mil (72%).

Assim como Juliana, Michelle teve o hábito de sacar, de uma vez só, a maior parte do salário nos primeiros anos do cargo. Isso mudou em 2009, quando passou a fazer mais saques fracionados — principalmente nos valores de R$ 500, R$ 510 e R$ 550. Nos meses que antecederam sua exoneração, seu volume de saques despencou. O UOL procurou Juliana e Michelle por email, mas não obteve retorno.

O UOL procurou Juliana e Michelle por email, mas não obteve retorno.

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