sábado, 23 de maio de 2015

Cientistas políticos detonam o “distritão” de Cunha

Brito: Cunha quer um sistema eleitoral onde só quem tem milhões pode concorrer com chances.

O Conversa Afiada reproduz artigo de Fernando Brito, no Tijolaço, com o posicionamento da Associação Brasileira de Ciência Política:


Embora, sob o comando da dupla Eduardo Cunha-Renan Calheiros, o Congresso Nacional esteja virando a Casa Verde imaginada por Machado de Assis em seu maravilhoso “O Alienista”, os Simão Bacamarte parlamentares, duvido eu, terão força para implantar o “distritão” que pretende o primeiro deles, que chegou a dar um “passa-fora” no seu pupilo escalado para cumprir a tarefa de relatar o projeto da forma que havia sido mandado fazer.

Cunha, é claro, quer um sistema eleitoral onde só quem tem milhões para sustentar esquemas de cooptação de prefeitos e vereadores e, assim, obter votações estrondosas – das quais só se excetuam, em geral, as chamadas “celebridades” – pode concorrer com chances.

E que dá margem a situações, sobretudo em estados de bancada mais reduzida, ao absurdo, por exemplo, de um partido ter 25 ou 30% dos votos e não eleger nenhum deputado, porque não teve nenhum candidato entre os “top” de votação individual, por conta de votos equilibrados entre diversos deles. Ou seja, 25, 30 ou mais até dos votos vão, literalmente, para o lixo.

Mas a grande maioria da Câmara não foi eleita assim, com um caminhão de votos. E mão é suicida.

Nessa, Cunha não arrasta o “baixo-clero”.

Mas vale, como registro da decência e da correção de quem estuda a política como ciência e forma de exercer a democracia, registrar o manifesto dos cientistas políticos brasileiros, feito através da Associação Brasileira de Ciência Política, contra esta monstruosidade.


Ao Excelentíssimo Senhor Deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Presidente da Câmara dos Deputados (Brasília, DF)

Nós, estudiosos da ciência política brasileira, vimos por meio desta manifestar posição contrária à adoção do modelo de sistema eleitoral denominado “distritão”, que será objeto de votação no plenário da Câmara dos Deputados, no dia 26 de maio de 2015.

A introdução do distritão nas eleições para a Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores representará um verdadeiro retrocesso institucional. Com o fim do voto de legenda e da transferência de votos dentro das agremiações partidárias, os candidatos correrão por conta própria, a título individual, enfraquecendo os partidos políticos e potencializando o personalismo na corrida eleitoral. Além disso, diferentemente do atual modelo, milhões de votos serão jogados fora, visto que somente serão válidos os votos dos eleitos.

Ao que tudo indica, o distritão acarretará o aumento dos custos das campanhas eleitorais, pois, sem incentivo algum para a cooperação dentro dos partidos, os candidatos necessitarão de maior exposição individual. Ademais, facilitará o renascimento de oligarquias regionais e contribuirá para a diminuição da qualidade da representação política, ao proporcionar maiores condições de vitória a concorrentes sem experiência parlamentar.

Se a necessidade de uma reforma política surge do diagnóstico de que os partidos são frágeis, a adoção do distritão parece ter como objetivo fragilizá-los ainda mais, interessando a certos segmentos da classe política profissional, em particular àqueles com maior facilidade para dispor de vultosos recursos para suas campanhas. Nesse sentido, observamos com preocupação a possibilidade de sua implantação e reiteramos nossa posição contrária à sua propositura.

Em tempo: assinam o documento (até o momento):

Adalberto Cardoso (IESP-UERJ), Adriano Codato (UFPR), André Luiz Coelho (ECP-UNIRIO), Armando Boito (DCP-UNICAMP), Bernardo Ricupero (DCP-USP), Bruno Pinheiro Wanderley Reis (DCP-UFMG), Carolina de Paula (pós-doutoranda no IESP-UERJ), Carlos Melo (INSPER), Carlos Pereira (FGV-Rio), Cláudio Gonçalves Couto (FGV-SP), Clayton Mendonça Cunha Filho (pós-doutorando no IREL-UnB), Emerson Urizzi Cervi (UFPR), Fabiano Guilherme Mendes Santos (IESP-UERJ), Fabrício Pereira da Silva (ECP-UNIRIO), Filomeno Moraes (UNIFOR), Guilherme Simões Reis (ECP-UNIRIO), Jawdat Abu El-Haj (DCS-UFC), João Paulo Saraiva Leão Viana (DCS-UNIR), José Maurício Domingues (IESP-UERJ), Josênio Parente (UECE; UFC), Katiuscia M. Galhera (doutoranda em Ciência Política na UNICAMP), Leonardo Avritzer (DCP-UFMG), Luciana Veiga (ECP-UNIRIO), Manoel Leonardo Santos (DCP-UFMG), Manuel Domingos Neto (UFF), Marcia Ribeiro Dias (ECP-UNIRIO), Maria do Socorro Braga (UFScar), Maria Hermínia Tavares de Almeida (USP; CEBRAP), Marcelo Borel – (doutorando em ciência política no IESP-UERJ)
Oswaldo E. do Amaral (DCP-UNICAMP), Paulo Roberto Neves Costa (UFPR), Rachel Meneguello (DCP-UNICAMP), Vinicius Valentin Raduan Miguel (DCS-UNIR)

Fonte:Conversa afiada

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