“Nenhuma empresa investe num país que está deliberadamente destruindo seu mercado interno”, diz o jornalista Leonardo Attuch, editor do 247. “E não adianta culpar o custo do trabalho no Brasil, porque Henry Ford defendia trabalhadores bem-pagos para que todos pudessem comprar seus automóveis”
12 de janeiro de 2021, 08:31 h Atualizado em 12 de janeiro de 2021, 08:41
(Foto: Reuters)
Depois de 103 anos, a Ford decidiu fechar todas as suas fábricas no Brasil. Para algumas vozes da direita, como a do general Mourão, a empresa é a vilã da história, porque abandona o País depois de muitos anos lucrando no Brasil (especialmente durante aquela “década” de ouro). Para setores da esquerda, a montadora também tem culpa no cartório, porque só investiu no Brasil enquanto conseguiu extrair incentivos fiscais.
Comecemos por Mourão, cuja fala revela total desconhecimento sobre o que é a atividade empresarial. Nenhuma empresa, no Brasil e no mundo, vive das glórias do passado. Só se investe ou se mantém algo em atividade, mesmo quando há prejuízos transitórios, quando se confia no dia de amanhã. Se a Ford está saindo do Brasil depois de 103 anos, isso significa que a empresa não enxerga futuro algum no País. É esta uma visão acertada ou equivocada? A julgar pela “ciência” econômica de um país cuja elite que promove golpes de estado para reduzir salários e seu próprio mercado interno, faz todo o sentido ir embora. Basta lembrar da lógica de Henry Ford, que defendia trabalhadores bem-pagos para que todos pudessem comprar seus automóveis. Se no Brasil as reformas trabalhistas visam empobrecer trabalhadores e a política econômica destrói o mercado interno, qual é a lógica de permanecer nesta terra arrasada?
Passemos agora ao discurso de setores da esquerda. Em vez de atacar a ausência de governo federal e a destruição econômica produzida por Jair Bolsonaro e Paulo Guedes, muitos estão preferindo fazer um acerto de contas em relação ao passado. O motivo é o fato de o ex-governador gaúcho Olívio Dutra, do PT, não ter aceito a faca no pescoço da Ford, que acabou investindo na Bahia - o que acabou custando a reeleição de Dutra, em 2002, quando ele foi derrotado por Germano Rigotto, do MDB, após intensa campanha midiática.
Dutra tinha razão? Certamente, sim. Empresas privadas são predatórias, extorquem governos em busca de incentivos fiscais, mas, ainda assim, geram ganhos econômicos colaterais. E quem mais se beneficiou do ciclo Ford na Bahia foram justamente os governos progressistas de Jaques Wagner, que foi sucedido pelo atual governador Rui Costa, ambos do PT. Como Rui sabe da importância de se manter um polo automotivo, e de seu efeito multiplicador na economia, ele já corre atrás de uma montadora chinesa para instalar na fábrica de Camaçari (BA). O mesmo esforço será feito pelo governador cearense Camilo Santana, também do PT, que buscará investidores para a fábrica da Ford/Troller em Horizonte (CE).
A realidade é uma só: desde o golpe de 2016, articulado pelo PSDB e pelo MDB, sob o beneplácito das instituições e com apoio das forças armadas, o mercado interno brasileiro vem sendo deliberadamente destruído. Já se foram as empresas de engenharia, a indústria naval e agora a Ford começa a puxar a fila das montadoras. Enquanto esse processo de destruição nacional não for contido, não adianta culpar empresários malvados.
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