sábado, 9 de junho de 2012

Por uma economia sustentável e solidária

 
Luiz Cláudio Lopes da Silva (Mandela)Em todas as dimensões da vida, o jeito de fazer as coisas pode nos levar a um esgotamento. Basta ver o que fizemos com o planeta Terra, pela nossa forma de produzir e consumir. E se a economia é a base da vida, é por ela que precisamos iniciar uma grande mudança. Celebramos em 7 de julho o Dia Internacional do Cooperativismo, e a ONU estabeleceu 2012 como o ano especial sobre esse tema. É uma oportunidade para a consciência de que a economia, para ser justa e sustentável, precisa ser solidária. Somente na cooperação e na entreajuda, superando o individualismo e a competição, é que faremos um mundo melhor para todos. Com a palavra, o assessor da Cáritas Brasileira, Luiz Cláudio Lopes da Silva (Mandela).

  • O que é economia solidária? Economia solidária são experiências cujo pilar de toda uma estrutura de sociedade, a base dela, tenha como princípio fundante a perspectiva da solidariedade, do respeito à natureza, do respeito mútuo aos seres humanos. E, fundamentalmente, que a produção não vise ao lucro, mas que vise ao abastecimento, ao bem-viver das pessoas. Acho que isso é o que tem alimentado o movimento da economia solidária no mundo todo. Alguns intelectuais conseguiram sistematizar essas experiências, que muitas vezes estavam na perspectiva utópica ou de um ambiente muito restrito. E o que os intelectuais e as universidades têm conseguido é fazer com que essa utopia ou essas experiências se consolidem numa perspectiva inclusive de ciência. Mais ainda: que, a partir disso, essas experiências possam ser defendidas enquanto estruturação de sociedades.

  • É um movimento recente? Na verdade, algumas organizações da sociedade civil, algumas experiências de organizações sociais, de territórios ou de municípios já existiam há muitos anos. O que conceitualmente hoje se costuma dizer, enquanto um movimento que tem ramo na sociedade e na estrutura de Estado, é definir alguns princípios que fazem com que experiências organizadas por grupos, por famílias, por agrupamentos sociais sejam definidas como a construção de uma economia que venha a ser solidária. Esses princípios atingem aquilo que eles fazem das suas vidas, como organizam sua produção, sua economia, como organizam inclusive o beneficiamento de seus produtos e, fundamentalmente, como se organizam na erspectiva da comercialização e também do consumo.

  • Existem experiências concretas ou é mais uma utopia? Existem inúmeras experiências. Temos o exemplo do programa dos centros em formação de economia solidária, programas na perspectiva de fortalecimento da comercialização solidária. É um programa que o Senai desenvolve em parceria com a sociedade civil. Temos também o programa de agentes de desenvolvimento local, que já tem várias versões. Ele tem crescido em qualidade e é o mais recente, adotado por nós da Cáritas e também por muitas outras organizações que discutem as finanças solidárias. É o programa de levantamento do que existe no Brasil de fundo solidário, que tem relação nacional e nas regiões. Através da identificação dos fundos que existem e também do próprio processo da pesquisa, busca também demarcar que esses fundos possam se multiplicar e se fortalecer.

  • Os programas de governo que incentivam a economia solidária ajudam na sua expansão e qualificação? De um lado, o avanço do investimento do governo na economia solidária faz com que se ampliem as experiências e se amplie de forma satisfatória o processo de avanço da economia solidária no Brasil. Mas, de outro lado, o movimento também, quando passa a ser executor de ações governamentais, perde em mobilidade, em mobilização das redes e dos fóruns e do movimento da economia solidária como um todo. Mas é óbvio que o ano de 2012, que é o ano em que no mundo todo estamos debatendo em torno do cooperativismo, é um ano importante para o movimento cooperativista. Tais debates e atividades têm intensificado ações que buscam fazer com que a perspectiva cooperativista, como um ramo da economia solidária, possa demonstrar a sua contribuição para a garantia de uma vida mais digna às pessoas. Desde o fórum temático, que aconteceu em janeiro de 2012, até o final do ano, ocorre uma série de atividades do movimento da economia solidária, das organizações que trabalham com o cooperativismo solidário e também dos próprios órgãos governamentais, das redes de gestores.

  • Qual a contribuição da economia solidária e da agroecologia na produção de alimentos saudáveis? O movimento em torno das questões ecológicas e especificamente da agroecologia, em muitos casos, andou em separado, em trincheiras separadas. Mas tem avançado o debate em torno disso no movimento da economia solidária. E, recentemente, numa campanha em torno dos alimentos saudáveis e contra o uso de agrotóxicos, unificou o movimento da economia solidária, o movimento agroecológico e outros movimentos, sejam eles urbanos ou rurais, em torno da perspectiva de você fazer com o que o Brasil saia desse incômodo primeiro lugar entre os países que consomem e usam agrotóxicos. Portanto o movimento da economia solidária coloca essa pauta dos alimentos saudáveis e também do consumo consciente como uma pauta central. Inclusive lançou uma campanha em torno da necessidade de um projeto de lei da economia solidária. Queremos uma lei que regulamente a economia solidária e, com isso, chame a sociedade para debater a questão da necessidade de nós não só nos responsabilizarmos com aquilo que produzimos, que é o campo dos produ ores, mas também com aquilo que consumimos. Com isso se gera uma dupla mão de consciência em que quem consome vai buscar cada vez mais exigir de quem produz alimentos que sejam saudáveis, evitando consumir alimentos que, em vez de alimentar, venham a causar danos à saúde das pessoas.

  • Como se dá a relação da economia solidária com a juventude, com os jovens estudantes?
    Há algum tempo temos buscado debater com a juventude os conceitos, os princípios, os temas nos quais a economia solidária se baseia. Isto não é a mesma coisa do que dialogar com um camponês adulto ou idoso, ou com um adulto urbano. Inclusive, esses dois mundos de juventudes, o urbano e o rural, são diálogos e perspectivas diferenciadas quando se trata da economia solidária. Principalmente as juventudes urbanas, que são bombardeadas todos os dias com propagandas que estimulam a prática do consumismo. Mas eu diria que trabalhar com a juventude a economia solidária, especialmente em alguns pontos específicos, é um caminho muito importante. Um ponto relevante é questão do consumo solidário. Trata-se de abrir um caminho para trazer a juventude para esse debate. E ao mesmo tempo também levar para a juventude uma outra possibilidade de vida. Que os jovens, que agora estão entrando no mercado de trabalho, não sejam apenas braços e pernas para alimentar o mundo capitalista ou o neo-desenvolvimentismo. Esse mundo que está sendo alardeado aqui no Brasil como uma saída para possíveis e futuras crises. Também não se trata de criar uma disciplina a mais nas escolas sobre a economia solidária, ou apenas um curso de formação. Trata-se de introduzir a economia solidária como elemento e como pauta dos movimentos de juventude, ou dos movimentos que têm relação e diálogo com a juventude. A economia solidária pode ser uma perspectiva de horizonte, de outra economia. E ela já está acontecendo e pode acontecer cada vez mais.

    Fonte:Entrevista com Luiz Cláudio (Mandela), Mundo Jovem, edição nº 428, julho de 2012

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