16/6/2012 16:42,
Por Gilberto de Souza - do Rio de Janeiro
O ditado mineiro do ‘pau que bate em Chico também bate em Francisco’,
bem aplicado, oferece à administração da presidenta Dilma Rousseff a
oportunidade única de transmitir uma lição exemplar. Dilma deixou claro
que, para trabalhar na equipe dela, é preciso ter ‘ficha limpa’, como é
de gosto dos legalistas, e sequer merecer uma citação que seja nos meios
conservadores de comunicação, ainda que estes jornais, revistas e
canais de TV defendam, veladamente, a permanência dos esquemas
criminosos de contraventores, latifundiários escravagistas, corruptos
ligados à extrema-direita e outros bichos desta fauna. Fazem parte do
bioma político. Para combatê-los, felizmente, estabelece-se a blogosfera,
este organismo suprapartidário e independente, formado por centenas de
cabeças e cérebros brilhantes o suficiente para enfrentar os canhões dos
diários a serviço da selvageria, e seguir vencendo a batalha por marcos
regulatórios na mídia nacional.
Hoje, no país, não apenas o que concerne à parte física, os aparelhos
de trasmissão, torres, satélites, a infra-estrutura em si, essa
parafernália que mantém os celulares, a internet e os canais de TV no
ar, mas a quase totalidade da produção de notícias e entretenimento, o
conteúdo intangível dos meios de comunicação, a maior parte é de
propriedade da iniciativa privada. Até a privatização das teles, no
governo de Fernando Henrique Cardoso, o meio físico de transmissão de
dados estava disponível para qualquer cidadão brasileiro.
Obviamente, com o entulho autoritário que até hoje teima em
sobreviver na máquina pública, esse ‘qualquer cidadão’ não era bem
assim. Na ditadura, imposta para a defesa dos interesses capitalistas,
em linha com os EUA, uns cidadãos são mais cidadãos do que outros. Como
denuncia o best seller do jornalista Amaury Ribeiro, A Privataria Tucana,
diante o despejo inexorável nas urnas, na eleição do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, trataram de passar os bens públicos para as
corporações privadas, aliadas ao governo da época, e seguiram adiante,
ainda que esfacelados, no que restou de partidos como o DEM e o PSDB,
ora em fase de reorganização no PSD, do prefeito paulistano Gilberto
Kassab. Dinheiro, para essa turma, não falta.
Eleição após eleição, as agremiações partidárias apoiadas por aqueles donos da mídia perdem espaço político no Congresso. Mas o poder segue intocado no cartel dos veículos de comunicação liderado por Veja, principal título da Editora Abril; O Globo, expoente impresso das organizações de propriedade da família Marinho, dona também da Rede Globo mais uma teia de afiliadas e retransmissoras de sinais de rádio e TV; os paulistanos Folha e Estado de S. Paulo e mais meia-dúzia de três ou quatro grupos familiares, todos ligados entre si.
Titulares de uma fatia considerável das cadeiras no Parlamento, os grupos econômicos internacionais que sustentam o cartel da mídia
não têm nada de idiotas. Já perceberam o constante distanciamento dos
interesses públicos daquele ideal de Estado mínimo defendido até o ocaso
da Era FHC, já se vai uma década. De lá até agora, as mudanças têm
ocorrido de sorte que o avanço não signifique a ruptura do tecido social
e descambe para uma situação de conflito capaz de atingir, em cheio, o
atual quadro econômico favorável do país, em meio a uma grave crise
mundial. Isso é tudo o que os inimigos dos brasileiros querem.
Percebe-se, assim, que a presidenta Dilma pisa em ovos. Ainda mais
quando precisa quebrar alguns para manter o peso do seu governo bem
distribuído, de forma a não fazer uma gemada só. Por isso, difícil
acreditar que os mecanismos de inteligência do país sejam tão obtusos a
ponto de somente produzir arapongas para o esquema criminoso do bicheiro
Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, e nenhuma outra
informação relevante. Custa crer que, nos relatórios confidenciais
entregues durante o café da manhã presidencial não constasse uma linha
sequer sobre a ligação entre a mídia esgoto, que destila os piores
venenos contra a inquilina do Palácio do Planalto, e a quadrilha que
sangra os cofres públicos. A realidade, porém, é que se soube, se estava
por dentro, manteve o olhar de federalista alucinada e, refém do bullyng
midiático, continua até agora a liberar o apoio bilionário às
organizações mantidas pela força do capital internacional, com a
desculpa de que não há marcos regulatórios suficientes para romper a
barreira do cartel que comanda o setor das comunicações no Brasil. E,
assim, segue sustentando cada um deles com verba pública aos borbotões.
Páginas e mais páginas de publicidade. Anúncios de 30 segundos que são
uma beleza. A festa não para. Não enguiça.
Evidentemente, esta é uma situação ingrata, desconfortável para a
mulher que sustenta o discurso reto de quem apanhou muito na vida até
chegar ao posto mais alto da República. Da mesma forma, é de se
pressupor que alguém como o jornalista Franklin Martins, que durante
oito anos trabalhou para desvendar os meandros desse pântano do setor
midiático brasileiro e ramificações e efluentes, não teve todo o esforço
jogado no lixo, ainda que nada, ou pouco, tenha acontecido até agora
para se acreditar no contrário, em alguma mudança no horizonte da
regulamentação do uso de verbas públicas para o setor.
Mas a Justiça há de ser feita, se valer a sabedoria popular que
mineiros como a presidenta valorizam tanto. Se o pau cantou para as
bandas do então ministro dos Esportes, Orlando Silva, transformando-o no
‘Chico’ do noticiário que escorre a céu aberto, a ponto de ser tratado
como lixo na Operação Faxina, como foi batizada no bordão dos
espirratintas de aluguel, o mínimo agora é redimí-lo, após unanimemente
inocentado – por absoluta falta de provas – pela Corte que o julgou.
Está na hora, então, do pau cantar nos ‘Franciscos’ que o
prejulgaram. Nos representantes do cartel midiático que atiraram uma pá
de lama no nome de um cidadão honrado que, ao longo de um ano inteiro,
foi tratado como pária. A pancada mais séria, porém, muito mais do que
agilizar o trâmite dos marcos regulatórios da mídia, seria reconduzir
Orlando Silva ao cargo, do qual foi apeado pela calúnia, prática tão
comum no manual de redação dos militantes desse Partido da Imprensa
Golpista (PIG), que ainda deverá um solene pedido de desculpas ao
ex-ministro.
Gilberto de Souza é editor-chefe do Correio do Brasil, 17/06/12
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