1. No dia 16/7/15, em Curitiba, o juiz Moro ouvia novamente o lobista e delator Julio Camargo e, de repente, (mais) uma surpresa: ele confirmou que foi pressionado porEduardo Cunha para lhe dar uma [monstruosa] propina de 5 milhões de dólares, em 2011, durante encontro que mantiveram em um prédio comercial na zona Sul do RJ (no Leblon). Isso está gerando uma enorme controvérsia jurídica, pelo seguinte: por força de várias decisões do STF, os processos do caso Lava Jato foram desmembrados. Quem tem foro privilegiado (deputados e senadores) deve ser investigado e processado pelo STF. Quem não tem foro privilegiado, deve ser processado em primeiro grau (na 13ª Vara Federal de Curitiba, dirigida por Moro). Podem ser questionados vários atos desse juiz, mas sua competência (para o caso) já foi reconhecida pelo próprio STF.
2. Poderia ele investigar e processar Eduardo Cunha? Não (porque este conta com foro especial no STF). Mas, e se no curso de um processo alguém menciona que deu parte do nosso dinheiro público para o parlamentar? Muito simples: extrai-se cópia de tudo e manda-se para o STF, que o está investigando. Na feliz e certeira frase de Teori Zavascki, na Lava Jato é assim: “Onde se puxa uma pena, vem uma galinha”. Youssef já tinha feito referência ao Eduardo Cunha beneficiário de corrupção. Teria também havido um requerimento nebuloso na Câmara, subscrito por uma deputada aliada de Eduardo Cunha. De acordo com o lobista Julio Camargo, esse requerimento é uma das provas das várias manobras [acrobáticas] praticadas pelo parlamentar.
3. Levando em conta as últimas previsões dos horóscopos (ninguém sabe o que sai da cabeça dos juízes), podemos afirmar que o desejo de Cunha (que chega a ser freudianamente voluptuoso) de retirar o juiz Moro dos processos da Lava Jato, pelos motivos indicados não tem nenhuma chance de prosperar. Em março/15, logo depois que Youssef incriminara Eduardo Cunha, o réu Fernando Baiano já fez a mesma tentativa no STF e perdeu. No caso mensalão (AP 470), no princípio, tentou-se desmembrar o processo, mas no final todos os réus (com e sem foro) foram julgados conjuntamente. Seis meses de julgamento. O restante da pauta do STF parou. Ninguém mais suporta a repetição desse erro. De qualquer modo, cuidado: o humano é o único animal que tropeça duas vezes na mesma pedra.
4. Numa ação penal que tramita no STF (n. 863) contra o deputado Paulo Maluf, o STF (ministro Lewandowski) desmembrou o processo: somente o deputado por lá ficou; todos os demais 10 réus serão julgados em outras instâncias.
Luiz Flávio Gomes |
5. Em junho de 2014, como bem sintetizou o Migalhas, “ao julgar questão de ordem em ações penais (871 a 878), a 2ª turma do STF seguiu o voto do relator, ministro Teori, para manter no Supremo apenas e tão somente as investigações contra parlamentares Federais decorrentes da Lava Jato. Passados seis meses, em dezembro, novamente a 2ª turma reafirmou a competência da 1ª instância, ao julgar improcedentes outras duas reclamações (188.75 e 189.30). Na ocasião, o ministro Teori lembrou que a alegada usurpação de competência já havia sido debatida no julgamento da questão de ordem, quando foi reconhecida a validade dos atos até então praticados por Moro. Já antevendo as coisas, Teori observou que “eventual encontro de indícios de envolvimento de autoridade detentora de foro privilegiado durante os atos instrutórios subsequentes, por si só, não resulta em violação da competência da Suprema Corte”. Ou seja, s. M. J., a reclamação de Cunha deverá ter a mesma solução”.
6. Eduardo Cunha, um dos políticos profissionais mais experientes do País, está usando legitimamente o seu direito de espernear (ius sperniandi). Se cumpridos, no entanto, aqueles 10 passos que mencionamos em artigo anterior assim como as regras do Estado de Direito vigente, ele não vai escapar da cadeia (ou em regime semiaberto ou em regime fechado, conforme a quantidade da pena). É bem verdade que nem os possíveis habitantes de Plutão sabem quando isso vai ocorrer. Mas, seguramente, vai acontecer (para o bem do País e da nação). É chegada a hora de nos livrarmos da pecha de Republiqueta cleptocrata (corrupta).
Luiz Flávio Gomes, jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).
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