Josias de Souza, Colunista do UOL, 02/02/2021 03h54
O primeiro ato de Arthur Lira como novo presidente da Câmara foi uma emboscada. Vitaminado por verbas e cargos já liberados ou prometidos por Jair Bolsonaro, o pajé do centrão obteve notáveis 302 votos. Prevaleceu de lavada sobre o rival Baleia Rossi, que amealhou 145 votos. Ao discursar, Lira soou como se desejasse estender a mão para Baleia e Rodrigo Maia, mentor da candidatura do seu rival. Decorridos menos de dez minutos, verificou-se que seria impossível apertar a mão de Lira. Ele trazia o punho cerrado.
Na canetada inaugural de sua gestão, Lira anulou o registro do bloco de apoio do adversário, que fora referendado por Maia. Fez isso para favorecer o seu próprio bloco partidário no rateio dos seis cargos da Mesa diretora da Câmara. Ao esmurrar o inimigo que já se encontrava na lona, Lira expôs um traço de sua personalidade. Ele é vingativo. Faz lembrar Eduardo Cunha, o ex-presidente da Câmara que a Lava Jato converteu em presidiário. Lira, aliás, foi um fiel aliado de Cunha.
O pretexto invocado por Lira para passar uma borracha no registro do bloco partidário do seu rival foi um atraso de seis minutos na inscrição do Partido dos Trabalhadores, um dos apoiadores de Baleia Rossi. A encrenca parecia superada. Estava entendido entre os líderes partidários que cada bloco ficaria com três dos seis cargos na mesa. O bloco vencedor, por majoritário, apenas teria preferência na indicação do primeiro vice-presidente. Ao PT caberia a primeira secretaria, que é o terceiro cargo mais importante na Mesa. Se prevalecer o arroubo de Lira, o petismo terá de ceder a poltrona para ao partido Republicanos. A encrenca deve subir ao Supremo Tribunal Federal.
A irascibilidade de Lira não chega a ser um exemplo para o neo-aliado Jair Bolsonaro, que também costuma estocar bílis no congelador. Mas o novo presidente da Câmara tornou-se um extraordinário aviso para o inquilino do Planalto.
Hoje, Lira esmurra adversários já nocauteados. Amanhã, desatendido nas demandas fisiológicas do centrão, Lira pode puxar da gaveta um dos mais de 60 pedidos de impeachment estocados na presidência da Câmara, como fez seu ídolo Eduardo Cunha com Dilma Rousseff.
Num ambiente pacificado, o governo já teria enormes transtornos para aprovar propostas do seu interesse no Legislativo, entre elas as reformas econômicas. Numa atmosfera envenenada, o pesadelo será maior. Lira parece interessado em produzir dificuldades para vender —com duplo sentido, por favor— facilidades.
Bolsonaro se encanta com a suposição de que passou a ter uma base congressual. Engano. O centrão é que tem um presidente —mais um.
"Não há um trono no plenário", disse o novo presidente da Câmara no discurso da vitória. "Não há, portanto, um soberano." De fato, Lira não é rei. É réu. Mas alguma coisa está fora do lugar quando uma autoridade precisa trombetear sua pretensa humildade.
Nelson Rodrigues, o célebre cronista, conta o caso de uma senhora brasileira que visitou o papa. Na hora da despedida, Sua Santidade inclinou-se e balbuciou um apelo: "Reze por mim."
Um papa, disse Nelson Rodrigues, pode ter essa modéstia. Arthur Lira, o papa do centrão, talvez cochichasse algo diferente para Bolsonaro: "Reze por si."
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