Correio do Brasil24/5/2014 14:15
Cientistas do mundo inteiro pesquisam vacinas para combater a malária
Anticorpo age contra protozoário nos glóbulos vermelhos, impedindo sua liberação na corrente sanguínea. Enquanto maioria das vacinas propostas tenta impedir a entrada do parasita, esta tenta mantê-lo dentro das células.
O que não se consegue manter do lado de fora, deve-se tentar trancar do lado de dentro. Essa é a ideia por trás da descoberta feita por cientistas americanos que estudam a malária. Um anticorpo que age contra a proteína antigênica PfSEA-1 é o candidato promissor à vacina antimalária que eles estão desenvolvendo.
Os parasitas da malária – protozoários do gênero Plasmodium – precisam dessa proteína para sair dos glóbulos vermelhos humanos, após terem se reproduzido dentro deles. Essa ruptura, resultando no aumento do número de parasitas na corrente sanguínea, costuma vir acompanhada de febre.
Ao identificar o gene PfSEA-1 e a proteína correspondente no mais letal parasita da malária, o Plasmodium falciparum, os pesquisadores do Hospital Rhode Island, em Providence, Estados Unidos, descobriram que, se essa proteína é bloqueada por um anticorpo, o ciclo vital do protozoário é interrompido.
- É como se trancássemos o parasita da malária numa armadilha dentro da ‘casa incendiada’. Ele não tem como sair, não pode causar mais danos – relata o coordenador da pesquisa, Jonathan Kurtis.
O ciclo de vida do parasita da malária dentro do corpo humano é complexo. Ao picar, a fêmea do mosquito Anopheles transmite o parasita, que entra na corrente sanguínea. Primeiro, ele se reproduz nas células do fígado, a seguir, nos glóbulos vermelhos, onde cada protozoário se multiplica de oito a 24 vezes.
A forma que o parasita da malária toma, antes de a célula se romper, é chamada de esquizonte. No estudo publicado na revista científica Science, os pesquisadores revelam que todo esquizonte produz a proteína PfSEA-1 (Plasmodium falciparum schizont egress antigen-1).
Resultados “chocantes”
A equipe de Kurtis mostrou em laboratório que anticorpos contra a PfSEA-1 podem impedir a reprodução do parasita da malária. Além disso, injetados como vacina, os anticorpos podem prolongar a vida de ratos de laboratório infectados com um tipo extremamente letal da malária de roedores, semelhante ao que é geralmente fatal em crianças pequenas.
Até agora, nenhuma vacina conseguiu proteger o rato dessa forma fatal, diz Kurtis. Entretanto, o promissor antígeno PfSEA-1 ocorre naturalmente em humanos, tornando-os resistentes à malária. “O diferencial do nosso trabalho é que começamos com seres humanos. Enquanto uma parte de pesquisa foi feita em ratos, os experimentos que de fato levaram à descoberta da vacina foram conduzidos em amostras humanas. Portanto, acreditamos que o resultado se aplicará efetivamente a seres humanos”, antecipa Kurtis.
Os cientistas estudaram 785 crianças de regiões de alto risco na Tanzânia. Algumas delas haviam desenvolvido resistência à malária aos dois anos de idade, ou seja: portavam o parasita, mas sem adoecer.
“Fizemos em laboratório o que eu chamo de ‘ginástica de DNA’: usamos uma biologia molecular sofisticada para identificar os genes e as proteínas do parasita. Eles são reconhecidos apenas pelos anticorpos das crianças resistentes, mas não pelas suscetíveis”, relata o cientista.
Os pesquisadores descobriram a PfSEA-1 e, após experimentos no laboratório e com animais, retornaram à Tanzânia para novas pesquisas de campo. E aí chegaram ao que Kurtis define como um resultado “chocante”. “As crianças que apresentavam anticorpos detectáveis contra essa proteína antigênica, nunca contraíam malária grave. O número de casos era zero.”
Em outro estudo com um grupo de meninos e homens do Quênia, os cientistas americanos descobriram que humanos com esses anticorpos também têm contagem menor do Plasmodium no sangue. “Nosso próximo passo é testar a vacina em macacos. Em seguida virá a primeira fase de testes em humanos”, revela Kurtis.
Vacinas múltiplas podem ser solução
Essa descoberta pode ser fundamental para o desenvolvimento de uma vacina eficaz. O pesquisador especializado em malária Thomas Jacobs, do Instituto Bernhard Nocht de Medicina Tropical de Hamburgo, considera o resultado “excitante” e “espetacular”. “Parece bem convincente”, comenta, ressalvando que ainda é preciso verificar se o método funcionará como vacina para seres humanos.
No momento, cientistas do mundo inteiro trabalham em cerca de cem diferentes vacinas contra a malária. A candidata mais avançada é a RTS,S, desenvolvida como vacina infantil pela farmacêutica GlaxoSmithKline, em parceria com universidades e institutos de pesquisa, e com financiamento da Fundação Bill e Melinda Gates.
A RTS,S age nas células do fígado, impedindo a reprodução dos protozoários. Sua terceira fase de testes acaba de ser concluída. A vacina poderia ser distribuída no mercado assim que aprovada pelas autoridades de saúde. No entanto, sua eficácia é de apenas cerca de 50%, ou seja: metade das crianças vacinadas ainda poderia contrair a doença e morrer em consequência.
Deste modo, é provável que seja necessária mais de uma vacina para a malária, estima Jacobs. Talvez a solução seja até mesmo combinar diversas substâncias, a fim de atacar diferentes estágios do ciclo vital do Plasmodium.
Deste modo, é provável que seja necessária mais de uma vacina para a malária, estima Jacobs. Talvez a solução seja até mesmo combinar diversas substâncias, a fim de atacar diferentes estágios do ciclo vital do Plasmodium.
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