Hermes Fernandes. Foto: Reprodução/Facebook
Publicado originalmente na fanpage do autor no Facebook
POR HERMES FERNANDES
CARTA ABERTA AOS PASTORES E IGREJAS QUE APOIAM BOLSONARO
Senhores (as) líderes evangélicos, graça, paz e discernimento!
As eleições se avizinham, e boa parte dos pastores de nosso país tem manifestado seu apoio à candidatura de Jair Bolsonaro. A maioria alega ser ele o que melhor representa os anseios do povo evangélico, principalmente devido ao seu discurso favorável à família tradicional e aos valores morais tão caros ao cristianismo.
De repente, sinto-me como se houvesse viajado no tempo e revivesse os dias da guerra fria, quando o mundo se via ameaçado pela eclosão de uma guerra nuclear envolvendo as duas potências mundiais: A União Soviética e os Estados Unidos. Colegas vociferam de seus púlpitos sobre o perigo do comunismo que ronda a nossa sociedade. Pergunto-me em que mundo estamos vivendo, afinal? Qualquer um que levante sua voz a favor do pobre, do excluído, do oprimido, logo é tachado de esquerdopata, comunista, “agente do inferno”, e coisa parecida.
Os senhores já pararam para se perguntar sobre o que estaria por trás deste discurso ultraconservador? Há uma onda conservadora varrendo a Europa e os EUA, suscitando velhos rancores contra os imigrantes, os homossexuais, as minorias, a classe operária, etc.
No meio desta avalanche de intolerância, eis que uma voz destoante se faz ouvir mundo afora. Não de um pastor como foi nos dias de Luther King nos EUA, ou de Bonhoeffer na Alemanha, mas de um Papa, líder da instituição mais conservadora do mundo. Por ironia, justamente o primeiro Papa latino-americano se levanta contra tudo e contra todos os que insistem em ressuscitar um discurso que há décadas parecia ter sido abandonado e enterrado. Enquanto isso, a igreja evangélica, que por tanto tempo esteve na vanguarda na luta pelos direitos humanos passa a se aliar com o que há de mais retrógrado e ultrapassado. Que vergonha! Tudo em nome de nossos escrúpulos moralistas.
Conseguiram a façanha de diluir o puro Evangelho da graça num discurso de ódio e intolerância.
Esquecemo-nos dos colegas que foram perseguidos, torturados, e, alguns até mortos e desaparecidos, durante o regime militar. Justificamo-nos no fato de que o tal candidato defenda os mesmos valores. Será que ser a favor da tortura soa menos cruel quando se é contrário ao aborto? Será que ser a favor do armamento da população condiz com o que foi ensinado por Jesus? Afinal, bem-aventurados são os pacificadores ou os que pretendem armar a população? Ser pela família tradicional abona a conduta de quem se revela contrário aos direitos trabalhistas conquistados a duras penas? Se você, pastor, é contra tais direitos, recomendo que não aceite mais dízimos de décimo-terceiro ou de férias de seus membros.
Não ajamos como o profeta Natan que encorajou a Davi a construir o templo, afirmando-lhe categoricamente que Deus o havia escolhido para aquela empreitada. Porém, o Senhor não o tinha autorizado a fazer tal coisa, de modo que, mesmo constrangido, teve que retornar ao rei e dizer-lhe a verdade. Por causa do sangue que havia em suas mãos, Deus não o designou para edificar Sua casa, ainda que já houvesse levantado todos os recursos para tal, e recebido do Senhor a planta, caberia ao seu sucessor tocar a obra.
Quem somos nós para abençoar o que Deus não abençoou? Quem somos nós para encorajar o que contraria frontalmente a Sua vontade?
Sei que muitos alegarão que tudo não passa de manipulação da mídia esquerdista. Mas basta assistir aos inúmeros vídeos de discursos e entrevistas do candidato para verificar que exatamente assim que ele pensa. Ele mesmo afirma que o trabalhador terá que escolher entre ter seus direitos assegurados ou o emprego. Ele é quem diz com todas as letras que o Estado não é laico, mas cristão e que as minorias terão que se dobrar à vontade das maiorias. Ele diz que seria incapaz de amar um filho homossexual e que a homossexualidade é falta de p*rrada na infância. Diz que não empregaria uma mulher, já que esta engravida. Diz que educou seu filhos para que jamais namorassem negras. Diz que em seu governo os índios não receberiam nem mais um centímetro de terra. Se ele é a favor da família tradicional, por que disse que usava o apartamento para “comer gente”? Como defender quem diz que uma mulher não merecia ser estuprada por ser feia? Como apoiar quem defende o uso da tortura se somos seguidores de um Cristo torturado e morto numa cruz? Como apoiar quem diz que ordenaria que helicópteros metralhassem uma favela se os criminosos não se rendessem? Será que na favela só mora bandido? Com que cara visitaremos os presídios para pregar o amor de Cristo depois de apoiar que tem como slogan “bandido bom é bandido morto”?
O sangue de toda uma geração poderá cair em nossas mãos!
Se você é pastor de uma pequena congregação, talvez esteja indo na onda de grandes líderes que já manifestaram seu apoio a Bolsonaro. Não seja ingênuo. Muitos deles o fazem, não por convicção, mas por conveniência, movidos por interesses nem sempre louváveis (alguns até sórdidos).
Lembre-se de quem nos considerou fiéis, pondo-nos em seu ministério (1 Timóteo 1:12), e que um dia, teremos que prestar contas (Hebreus 13:17).
Por isso, deixo aqui uma recomendação que deveria perturbar o sono de todos os que levam a sério o ministério pastoral:
“Pastoreiem o rebanho de Deus que está aos seus cuidados. Olhem por ele, não por obrigação, mas de livre vontade, como Deus quer. Não façam isso por ganância, mas com o desejo de servir. Não ajam como dominadores dos que lhes foram confiados, mas como exemplos para o rebanho.” 1 Pedro 5:2,3
Não compete a pastor algum dizer em quem seu rebanho deve votar. Mas compete-nos instrui-los a reconhecer os riscos por trás de todo discurso de ódio e intolerância.
Jesus disse que enquanto o bom pastor dá a vida pelas ovelhas, o ladrão, ao ver o lobo, foge e deixa suas ovelhas à mercê do perigo. Portanto, cumpramos nosso papel. Pois cuidar das ovelhas que nos foram confiadas é a melhor maneira de dizer: TU SABES QUE TE AMO, SENHOR.
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