Convicção de acordo com a lei não é prova
Por Miguel Dias Pinheiro, advogado
Portalaz, 15 de Setembro de 2016, 13:00
No Direito Penal e Processual Penal brasileiro, pode alguém ser denunciado e condenado sem que a prova do delito esteja devidamente demonstrada? Não! Corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha, crimes investigados pela Lava Jato, por exemplo, são delitos que deixam vestígios. Por isso, ninguém pode ser denunciado e condenado sem a demonstração inequívoca da prova, apenas por convicção do Ministério Público. O vulgarmente “por achar” que alguém possa ser culpado não pode!
Em um Estado Democrático de Direito, como salienta o juiz de Direito de Minas Gerais, Gilson Fonseca, a condição “sine qua non” para que a sanção penal seja imposta a alguém é que a materialidade da infração esteja cumpridamente provada, pois em nosso sistema ninguém pode ser condenado sem que haja prova da existência do crime. Primeiro, é a prova da própria existência do delito; segundo, a existência dos elementos objetivos do tipo penal, para constatar a existência do resultado de que depende a existência do crime.
“Material é aquilo que diz respeito à matéria, em seu aspecto físico e corpóreo. Materializar, portanto, é tornar material alguma coisa, isto é, tornar alguma coisa sensível, com um corpo que possa ser apreciado. Ela revela a “existência real das coisas, que se vêem, se apalpam, se tocam, porque se constituem de substância tangível”, como ensina De Plácido e Silva, em Vocabulário Jurídico, 10ª. edição, vol. II e III, pag. 163. Seguindo a linha, arremata o juiz Fonseca: “No caso de infração penal, a materialidade diz respeito à prova que traz a lume o corpo de delito, isto é, os elementos que caracterizam o tipo penal imputado ao acusado e que, portanto, tem de ser demonstrada pelo julgador, sob pena de absolvição do acusado por falta de prova da existência da infração (art. 386, II, do CPP).
Dito isso, é ilegal e arbitrário, por exemplo, o Ministério Público denunciar alguém apenas por convicção, ou por ilação, ou por conjectura. A convicção de que deve ter o “parquet” é em cima da prova. Nunca o contrário. Em outras palavras, no Direito Penal brasileiro não subsiste convicção sem prova. Primeiro, obtêm-se a prova; depois, a convicção. “Se se afirma que existe a materialidade, está-se dizendo que a existência do crime está provada, ou seja, a infração está evidenciada por elementos corpóreos capazes de serem observados ou apreciados sensorialmente”, leciona o juiz citado.
A denúncia apresentada contra o ex-presidente Lula chamou a atenção de todos os juristas do mundo, quando o procurador Roberson Henrique Pozzobom afirmou, literalmente, em uma entrevista coletiva para a imprensa mundial: “Não temos como provar, mas temos convicção”. Uma aberração jurídica? Sim! Há quem diga que foi uma arbitrariedade. Lula não é santo e nem tenho procuração para defendê-lo. Nem ele e nem o PT. Longe disso! Agora, denunciá-lo sem provar e unicamente por convicção, comete-se uma ignomínia contra o Estado Democrático de Direito, porque desmoraliza a primordial e mais relevante peça de sustentação do nosso Direito Penal: a prova.
No vigente sistema constitucional brasileiro a prova é que forma a convicção. Não o contrário. Com a prova, primeiramente denuncia-se o investigado. Com a prova, em segundo lugar, o juiz condena. Fora disso é arbitrariedade passível inclusive de crime de responsabilidade. Na esteira da melhor doutrina e da mais consentânea construção jurisprudencial, de nada serve uma denúncia que não seja embasada na prova; e insustentável será uma condenação divorciada da prova, malferindo a Carta Constitucional.
Tanto uma denúncia como uma sentença devem sempre resultar de prova certa, segura, tranqüila, coesa, firme e convincente. Sem a prova, denunciar e condenar quem quer que seja é puro ato de arbítrio. É bem verdade que a nossa lei processual penal permite que o Ministério Público ofereça denúncia com suporte em indícios produzidos no inquérito policial. Mesmo assim, apenas a convicção não se sobrepõe à prova, mesmo que com espeque nem que seja em um mínimo de vestígio.
Ao julgar, o juiz deve formar sua convicção pela livre apreciação da prova. Não na convicção do Ministério Público. Sem que o Ministério Público obtenha a prova da materialidade de um crime, fica de todo impossível a deflagração da respectiva Ação Penal contra alguém, restando, pois, impossível uma condenação jurisdicional.
Na vigente Constituição Federal existem regras específicas quanto às provas no processo penal. A prova sempre é importante para qualquer processo, mas no penal o seu valor é superior. A prova é tudo aquilo que comprove a existência de um fato ilícito. A imputação feita a qualquer pessoa ou a quaisquer pessoas envolve dois pontos cruciais: materialidade (um fato tido como ilícito penal) e autoria (quem é seu autor do crime).
O sistema da “livre convicção” ou “convencimento motivado” está insculpido no art. 157, do Código de Processo Penal, ao dispor que “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova”. Como se vê, a regra da livre convicção somente se aplica ao juiz. Mesmo assim, jungida à produção e à apreciação da prova. Sem isso, não há convicção. O juiz somente pode formar sua convicção a partir da prova, de forma livre, consciente e desprovido de caprichos, achismos ou arbítrios. A convicção vem da prova. Não do “achar”.
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