domingo, 16 de agosto de 2015

Por que a denúncia contra o aeroporto do tio de Aécio foi arquivada?

Pista de mais de 13 milhões de reais em Claudio, uma cidade de 30 mil habitantes, nas terras da família Neves

Uma das razões que levaram o Ministério Público de Minas Gerais a arquivar a denúncia contra o senador Aécio Neves pela construção do aeroporto de Cláudio é a explicação dada pelo governo do Estado, durante a gestão do próprio Aécio, em 2009, de que o aeroporto de Cláudio fazia parte de um “amplo programa” de modernização dos aeroportos do Estado. Outra é o conteúdo de uma carta do prefeito de Cláudio, aliado de Aécio, que diz que a chave do aeroporto ficava com a prefeitura, não com um parente de Aécio.

No inquérito, não existe uma perícia sobre o preço do pista – quase 14 milhões de reais. Tampouco há um estudo independente sobre a real necessidade do aeroporto na cidade, já que Divinópolis, a menos de 50 quilômetros dali, tem um aeroporto que serve à região.

Quatro promotores que atuam na defesa do patrimônio público de Minas Gerais conduziram a investigação: Maria Elmira Evangelina do Amaral Dick, Fernanda Caram Monteiro, Tatiana Pereira e José Carlos Fernandes Júnior. Eles poderiam ter ouvido o ex-vereador do município de Cláudio Israel de Souza, o primeiro a denunciar o aeroporto como símbolo da utilização de dinheiro público para fins privados. Israel conhece toda a história.

Não há depoimentos no inquérito do Ministério Público, só documentos, e todos eles são dos órgãos oficiais, e ainda por cima emitidos no tempo em que Aécio Neves ou seu sucessor e aliado Antônio Anastasia governaram o Estado. Também foi colhida a manifestação dos advogados de Aécio.

Eu estive em Cláudio no ano passado, depois que a Folha de S. Paulo publicou a denúncia do aeroporto, e vi agora o inquérito civil sobre aeroporto, que pela segunda vez o Ministério Público mandou arquivar. Segunda vez? É isso mesmo.

A investigação começou em 2009, quando Aécio governava o Estado. A origem é um e-mail enviado à ouvidoria do Ministério Público, por um homem que se apresenta como João Guilherme (provavelmente nome fictício).

O denunciante questiona a necessidade de construção do aeroporto na cidade que tem cerca de 30 mil habitantes e é vizinha de Divinópolis, onde já existia um aeroporto regional.

O denunciante não cita o nome de Aécio, dono de uma fazenda perto do aeroporto nem cita o fato de que o aeroporto foi construído na terra do tio-avô de Aécio, Múcio Tolentino, mas, pelos termos que utiliza, tudo indica que é para Aécio que ele quer que os promotores olhem.

Quase cinco anos depois, em 14 de fevereiro de 2014, quando Aécio tinha sido anunciado pelo PSDB candidato a presidente (não tinha sido oficializado, mas fazia campanha), promotores encerraram a investigação, com a decisão de arquivá-la, pois consideravam o aeroporto de Cláudio não representava mau uso de dinheiro público.

O nome de Aécio ou de qualquer membro de sua família não aparecem no inquérito. O nome do ex-governador só vai ser relacionado ao aeroporto em julho do ano passado, cinco meses depois da decisão do primeiro arquivamento do inquérito. Aécio já estava em campanha para presidente, quando a Folha de S. Paulo publicou a reportagem.

Com a publicação, o Ministério Público reabriu a investigação, para apurar ato de improbidade administrativa (um dos tipos de improbidade é caracterizado quando governante ignora o princípio da impessoalidade). Construir aeroporto nas terras da família não seria propriamente atitude desprovida de interesse próprio.

Mas, no último dia 7 de julho, decorrido um ano da reabertura do inquérito, os mesmos promotores decidiram mais uma vez arquivar a denúncia, e mais uma vez o inquérito só traz a versão oficial – a do governo do Estado ao tempo em que Aécio governava o Estado, e a da prefeitura de Cláudio no presente, que diz que é mentira a denúncia da Folha de que a chave do aeroporto ficava com o tio de Aécio.


Quando estive em Cláudio, ouvi de mais de uma pessoa que no aeroporto só entrava quem o tio de Aécio deixasse. Inclusive, por generosidade dele, é que aficionados do aeromodelismo usavam o local para festivais. Também vi que o cadeado era diferente daquele mostrado em foto da Folha. Segundo um morador, a troca ocorreu depois da denúncia, supostamente pela recusa de Múcio de devolver as chaves.

Em uma conversa com o filho de Múcio Tolentino, Kedo, primo de Aécio, ouvi o que ele disse sobre a intenção de um industrial da cidade em relação ao aeroporto. “O Pedro Cambalau me disse que, se o Múcio deixasse, ele usaria o aeroporto”. Como assim, Múcio deixasse? Não era a prefeitura que tinha as chaves?

Para verificar que em Cláudio o aeroporto foi colocado na frente de muitas prioridades, não é preciso muito esforço. Nas ruas, qualquer pessoa diz que é absurdo construir aeroporto numa cidade que não tem um grande hospital.

A denúncia anônima que deu origem ao inquérito não cita o município mineiro de Montezuma, onde família de Aécio tem uma fazenda e outro aeroporto foi reformado. Mas os promotores incluem o nome Montezuma e estabelecem uma relação entre esta obra e a de Cláudio, sem mencionar que a família de Aécio também, em tese, se beneficiou com a obra em Montezuma. Os promotores preferem falar de uma suposta suspeita de superfaturamento e afastá-la por completo.

“Restou esclarecido que as obras no aeródromo do Município de Cláudio-MG referem-se à ampliação e ao aumento da capacidade, seguindo rigorosos requisitos técnicos, enquanto que as intervenções no aeródromo de Montezuma-MG referem-se apenas a duas pequenas intervenções visando à recuperação e o apoio à estrutura já existente”, escreveram os promotores.

O que vi nos dois inquéritos do Ministério Público não é o mundo real. Mas produziu efeitos na realidade política do Estado. O PSDB de Minas divulgou nota para dizer que a decisão “demonstra a exploração política injusta que o tema teve durante as eleições do ano passado”. Aécio não quis comentar. E precisava?

Fonte: DCM, 16/08/2015

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