quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Jornalista inglês, sobre coletiva de generais: “Nenhuma pergunta da imprensa estrangeira foi respondida”


Viomundo, 27/02/2018 às 16h56

O interventor federal na segurança pública do Rio de Janeiro, general Walter Braga Netto, concede entrevista coletiva à imprensa e apresenta o chefe do Gabinete de Intervenção Federal, o general Mauro Sinott. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Militares: Brasil se encontra com o passado na sombra de um governo indecente


Não poderia ser pior o reencontro dos militares com a imprensa, para tratar de assuntos que dizem respeito à vida civil: a segurança pública.


O interventor militar Walter Souza Braga Netto encerrou a entrevista com uma repreensão aos jornalistas que, por dever de ofício, faziam mais perguntas:

“Senhores, no grito não funciona.”

Não havia grito, apenas o interesse por respostas, mas, pelas regras impostas pelo general para a entrevista, não houve tempo para todos os esclarecimentos.

A entrevista durou 30 minutos, houve número determinado de perguntas e algumas foram feitas por escrito.

Foi como ser obrigado a rever um filme ruim.

Em alguns momentos, lembrou o triste episódio de 1983, em que um repórter, depois de desistir de uma entrevista em que o general Newton Cruz não respondia às suas perguntas, desligou o gravador e saiu.

O general o perseguiu, o segurou pelo braço e, diante de todos, o obrigou a pedir desculpas (vídeo abaixo). Eram os últimos meses da ditadura militar, diferentemente de agora, quando se inicia um ciclo estranho, do tipo em que todos sabem como começa, mas ninguém sabe exatamente como termina.

O general Braga Netto disse que a intervenção no Rio é um laboratório — sim, local onde se faz experiência. Se der certo, se espalha pelo Brasil.

Houve reação foi imediata. “Cada vez mais preocupante para a democracia. A militarização avança sem pudores”, disse Guilherme Boulos, através do Twitter.

O general, com sua grosseria e aparente incapacidade de se relacionar com a imprensa, foi para um dos assuntos mais comentados do Twitter na manhã de hoje, ao mesmo tempo em que, em Brasília, tomava posse do Ministério da Defesa o general Joaquim Silva e Luna, o primeiro militar a assumir a pasta desde que ela foi criada, em 1999.

O Brasil assume outra cara, e ela feia, e preocupante.

O que estava ruim piorou.

O Ministério da Defesa foi criado no governo de Fernando Henrique Cardoso como uma tentativa de alinhar as forças armadas ao interesse estratégico do País, e em sua concepção a ideia era manter um civil para chefiá-lo.

O diplomata Ronaldo Sardenberg, então ministro dos Assuntos Estratégicos, participou da criação do Ministério, mas não pode assumi-lo, como era esperado, em razão da oposição dos militares.

“Recebi o Sardenberg, pessoa de quem gosto, homem ponderado, ele seria um bom ministro da Defesa, os militares não querem. Querem Élcio Álvares, porque é mais negociador e eles vão ter mais margem de manobra”, observou Fernando Henrique Cardoso em seu diário.

No dia em que assinou o decreto que criava a pasta, em 21 de novembro de 1999, enfrentou a cara feia dos chefes da Aeronáutica, Exército e Marinha.

“Assinei uma lei complementar para a criação do Ministério. Não estavam contentes, embora as informações que recebi do Clóvis tenham sido de outra natureza. Houve convergência, mas não me pareceu tanta alegria assim. Depois conversei com Sardenberg, que também estava na reunião, e ele disse que ele e o Clóvis, mais este do que ele, cederam muito e que não via razão para os ministros se preocuparem. A preocupação tem a ver, naturalmente, com esse fato histórico e importante que é a criação do Ministério da Defesa para substituir os ministros militares”, afirmou.

A rigor, os militares brasileiros sempre tiveram dificuldade de se submeter a um comando que não fosse militar.

Da revisão da lei de anistia à criação do Ministério da Defesa, sempre colocaram obstáculos, como se fossem uma casta intocável numa república.

Inadmissível.

O Brasil se encontrou com seu passado na sombra de um governo cujo melhor definição é: indecente.

O governo Temer não é fraco, é imoral, na justa medida da imoralidade: faz qualquer negócio para se manter.

E para se manter, abriu as portas da caserna, para colocar de volta nas nossas vidas servidores públicos que se comportam como se estivesse acima do bem e do mal, acima das leis.

E que se acham em condições de impor regras para prestar esclarecimentos:

“No grito, não funciona”, bradou o general.

Não demora muito e logo ele mandará jornalistas calar a boca.

PS do Viomundo: No twitter, o jornalista inglês Dom Phillips denunciou que, na coletiva dos militares da intervenção do Rio, foram respondidas apenas perguntas da Globo e do Estadão. As feitas por jornalistas estrangeiros e pela Folha, não.


Traduzindo:

Vale a pena anotar da conferência de imprensa da Intervenção Federal de intervenção de hoje com generais no Rio de Janeiro.

Somente perguntas por escrito; isso não foi anunciado previamente, somente esta manhã na chegada.

Várias perguntas para a Globo e o Estado. Nenhuma para a imprensa estrangeira. Nem para a Folha.

Baseado no Rio de Janeiro, Dom Phillips escreve para o The Guardian, The Financial Times. Também para o NY Times e o Washington Post.

Lindbergh diz que vai à Justiça contra Temer: se apropria do salário mínimo


Em vídeo publicado no Twitter, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) afirmou que Michel Temer "está se apropriando de parte do salário mínimo".

"O que diz a lei? Você tem que repor inflação do ano anterior e colocar mais o crescimento econômico. Como não houve crescimento econômico, ele teria que repor a inflação do ano anterior. Qual foi inflação do ano passado? 2.07% e ele deu aumento de 1.81%. Isso é um escândalo", disse.

"Vamos à Justiça contra este absurdo".

O percentual citado pelo petista foi a inflação para famílias com renda de até 2,5 salários mínimos, conforme o IPC - Classe 1

Vaccari reforça: Léo Pinheiro mentiu e triplex não é do Lula


247 - O ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto escreveu carta em que sai em defesa do e-presidente Lula e diz que o sócio da OAS Léo Pinheiro mentiu ao dizer que foi ele que intermediou o recebimento de apartamento tríplex em Guarujá para o petista.

O dirigente petista também refuta a declaração de Pinheiro de que o imóvel fez parte de um esquema de propinas na Petrobras.

A declaração de Pinheiro de que o tríplex supostamente presenteado a Lula fazia parte de um esquema de propinas da Petrobras foi usada pelo juiz federal Sergio Moro e pelos desembargadores do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) para condenar o ex-presidente. 

"Não é verdade o que declarou o Léo Pinheiro em depoimento e delação premiada, que as doações feitas pela empresa OAS ao PT estariam ligadas a supostos pagamentos de propinas relacionadas ao contrato desta empresa com a Petrobras. Nunca tive qualquer tratativa ou conversa com Léo Pinheiro para tratar de questões ilegais envolvendo o recebimento de propina", diz a carta.

Prossegue o texto: "Também não é verdade o que diz Léo Pinheiro, que eu teria intermediado, em nome do ex-presidente Lula, o recebimento do tríplex do Guarujá como pagamento de vantagens indevidas".

A carta, datada de 7 de fevereiro com firma reconhecida no último dia 22, foi usada pela defesa de Lula em recurso apresentado nesta segunda (26) ao TRF-4. Os advogados do ex-presidente afirmam que o fato de o juiz ter se recusado a ouvir Vaccari sobre as declarações de Pinheiro caracteriza "grave cerceamento de defesa", o que resulta em nulidade.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

STJ marca julgamento de habeas corpus de Lula para próxima quinta

Defesa entrou com solicitação preventivamente para afastar possibilidade de prisão

Folha, 27.fev.2018 às 13h28
Luiz Inácio Lula da Silva discursa em uma manifestação de campanha para lançar sua candidatura presidencial para as próximas eleições de outubro, na sede da Central de Trabalhadores da União (CUT) em São Paulo Nelson Almeida/AFP

Em janeiro, Lula foi condenado por lavagem de dinheiro e corrupção passiva em segunda instância, pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região). 

Em seguida, a defesa do ex-presidente entrou no tribunal com pedido de habeas corpus preventivo para afastar a possibilidade de antecipação de cumprimento da pena de 12 anos e um mês de prisão em regime fechado. 

O ministro Humberto Martins, vice-presidente do STJ, estava de plantão e negou o habeas corpus

Lula recorreu e, com o fim do recesso, o caso foi encaminhado para o relator da Lava Jato no STJ, ministro Felix Fischer. 

Agora, o habeas corpus será analisado pelo colegiado. 

Depois da condenação pelo TRF-4, o PT lançou Lula para presidente na eleição deste ano. 

No entanto, pela Lei da Ficha Limpa, o petista fica inelegível e não pode concorrer. 

De acordo com a defesa, a democracia brasileira sofrerá “prejuízo irreversível” se Lula ficar fora da corrida eleitoral. 

SUPREMO

A decisão do STJ em julgar o habeas corpus pode acelerar a análise do pedido do ex-presidente que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal). 

Relator da Lava Jato na corte, o ministro Edson Fachin negou o pedido em caráter liminar para evitar a prisão e remeteu o mérito ao pleno, composto pelos 11 ministros. 

A defesa de Lula havia pedido para que a ação fosse julgada pela segunda turma do STF, composta por Fachin e outros quatro colegas: Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Os quatro entendem que o réu deve recorrer em liberdade. 

Caberá à presidente Cármen Lúcia marcar a data do julgamento. Não há data prevista. 

De acordo com a assessoria de imprensa da presidente do STF, não há definição sobre exame do assunto. 

Quando Lula foi condenado em segunda instância na Lava Jato, Cármen Lúcia disse a interlocutores que pautaria outras ações relatadas que tratam sobre execução provisória da pena e, assim, unificar a jurisprudência do tribunal a respeito do tema. 

Depois, ela recuou e disse que o tribunal vai se “apequenar” se aproveitar a condenação do ex-presidente para rediscutir a prisão de condenados em segunda instância. 

A discussão pode provocar uma mudança na jurisprudência do STF sobre prisão após condenação em segunda instância.

Manifestoches querem viver em Portugal sob as asas do Partido Socialista

Pequena burguesia da Cloaca vive crise de identidade

Conversa Afiada,27/02/2018
(Reprodução/Facebook/Barbara Dias)


Em tempo: sobre a República Federativa da Cloaca, consulte o ABC do C Af

Dilma: crime de Wagner é ser do PT, amigo de Lula e comprometido com o Brasil


Em sequência de posts no Twitter, a presidente deposta Dilma Rousseff criticou o "aspecto político" da operação de busca e apreensão realizada pela Polícia Federal na casa do ex-governador da Bahia Jaques Wagner.

"Os objetivos midiáticos evidentes da operação de ontem mostram que a intenção não é a apuração dos fatos, mas a criação de factoides para atacar a reputação do ex-ministro e ex-governador Jaques Wagner", disse Dilma.

Wagner volta a questionar ação da PF: por que só agora, em ano eleitoral?

Ex-governador da Bahia, alvo de nova fase da Operação Lava Jato, deflagrada nesta segunda-feira 26 com forte visibilidade na mídia, lembra que o inquérito existe desde 2013.

"Por que só agora, em 2018, ano eleitoral, a polícia resolve fazer uma operação no âmbito de um inquérito que existe desde 2013 e com o qual venho colaborando voluntariamente?", questionou, no Twitter, lembrando que "uma equipe de TV que pertence a um adversário político chegou antes dos policiais".




Cai Segovia e Barroso prorroga investigação sobre Temer


Novo ministro da Segurança Pública, pasta para a qual a Polícia Federal irá responder, Raul Jungmann decide trocar o diretor-geral da corporação, Fernando Segovia, poucas semanas depois de uma entrevista em que ele indicou que blindaria Michel Temer no inquérito sobre os portos.

O novo diretor será o delegado Rogério Galloro.

Nesta mesma terça-feira 27, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo no STF, autorizou a prorrogação da investigação por 60 dias, atendendo a pedido da PF e do MPF.

Dilma diz que Moro deveria ter sido preso


Ao comentar sobre a autorização do juiz Sérgio Moro, confirmada pelo TRF-4, para gravação de uma conversa sua com o ex-presidente Lula, a presidente deposta Dilma Rousseff defendeu a prisão do magistrado.

"Veremos o golpe atingindo segmentos do Judiciário quando o TRF4 aprovou que eu, como presidente da República, tivesse sido gravada sem autorização do Supremo Tribunal Federal. Isso feria gravemente não só a Constituição, como a própria Lei de Segurança Nacional. Em qualquer país do mundo, dito de democracia avançada, uma pessoa que gravasse o presidente da República sem autorização seria presa", disse Dilma ao site Sul 21.

STJ julgará habeas corpus de Lula na quinta


O Superior Tribunal de Justiça marcou para esta quinta-feira 1º o julgamento do habeas corpus apresentado pela defesa do ex-presidente Lula; os advogados de Lula pedem para que seja evitada sua prisão imediatamente após o esgotamento dos recursos na segunda instância, como determinou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), de Porto Alegre.

O habeas corpus já foi negado de maneira provisória pelo STJ em 30 de janeiro, mas agora será analisado pela Quinta Turma da Corte.

'Intervenção não pode se resumir a envio de capitão do mato à senzala do século 21', diz ex-chefe da Polícia Civil

Júlia Dias Carneiro, Da BBC Brasil, no Rio de Janeiro, 27/02/2018

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Ex-delegado vê em intervenção possibilidade de atacar o problema da corrupção policial

Os diagnósticos incisivos de Hélio Luz, ex-chefe da Polícia Civil no Rio, ficaram marcados na memória de quem, há quase 20 anos, o assistiu no documentário "Notícias de Uma Guerra Particular", descrevendo uma polícia que foi "criada para ser violenta e corrupta" e teria papel de "garantir uma sociedade injusta".

"Como você mantém os excluídos todos sob controle, ganhando R$ 112 por mês? Com repressão", disse aos diretores João Moreira Salles e Kátia Lund, na época em que chefiava a Polícia Civil fluminense, entre 1995 e 1997, referindo-se ao valor do salário mínimo de então.

Aos 72 anos, Luz está aposentado, afastado da vida pública e vive com a família em Porto Alegre, onde nasceu. Mas continua acompanhando de perto as notícias da guerra particular que não acaba no Rio.

Em entrevista à BBC Brasil, ele faz o esforço constante de deslocar o foco das favelas, que têm sido objeto de operações policiais e militares, e apontar o espelho de volta para as elites, para a classe média e para as forças de segurança.

"Por que cercar a favela, se o crime não está ali? O cerne da questão da insegurança não está ali. Aquilo ali é o resultado", afirma, considerando que os "meninos que estão no tráfico" são produto da desigualdade social.

Luz considera que a intervenção federal pode trazer benefícios se deixar de lado ações ostensivas nas favelas - que equivalem a "enxugar gelo" e estigmatizam os moradores - e trabalhar para recuperar as estruturas policiais, neutralizando a ação de agentes corruptos e fazendo com que os "mocinhos" - integrantes do sistema de segurança - façam jus à designação popular.

"O problema do Rio não são os bandidos. O problema do Rio são os mocinhos. Se ele recuperar o quadro de mocinhos, ele pode dar uma atenção real ao quadro de bandidos", afirma.

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Como você mantém os excluídos todos sob controle, ganhando R$ 112 por mês? Com repressão', disse Luz em documentário há quase duas décadas | Imagem: Walter Carvalho

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil - Como o senhor se posiciona em relação à intervenção federal?

Hélio Luz - Eu entendo que a intervenção é constitucional. É inédita, mas é constitucional. A discussão está sendo muito reduzida ao oportunismo político de quem detém o poder. Foi uma medida oportunista? Foi, e nisso está longe de ser a primeira.

Mas acho que temos que ter uma discussão mais consequente. Estamos falando do problema de segurança da população do Rio. Há uma questão real e podemos ter uma conversa séria sobre isso.

Não vou falar no interventor, que é um cargo político, e sim no general Braga Netto, que manda no Comando Militar do Leste. O CML é o mais antigo e o mais completo arquivo de informações sobre os integrantes das polícias Civil, Militar e dos bombeiros do Estado do Rio. A troca de informação do Exército com as polícias é constante. A segunda seção das Forças Armadas sabe de tudo.

Outros comandantes do CML tiveram acesso a essas informações, mas não podiam fazer muita coisa. Agora o general tem acesso a essa inteligência e pode agir com base nela. Pode mudar o comando e mexer nas polícias. Isso é inédito.

BBC Brasil - Mas a intervenção tem data para acabar, dia 31 de dezembro. É possível resolver problemas estruturais na área de segurança?

Hélio Luz - Não, para isso, ele precisaria de mais tempo e de uma discussão mais ampla sobre um projeto de segurança. Mas ele pode recuperar a estrutura existente.

O grande problema que temos é quem executa a segurança pública. Os integrantes das polícias Militares e Civil. Se o general recuperar as estruturas internas, os agentes que provocam a insegurança ficarão limitados ao ambiente externo.

O problema do Rio não são os bandidos. O problema do Rio são os mocinhos. Se ele recuperar o quadro de mocinhos, ele pode dar uma atenção real ao quadro de bandidos.

BBC Brasil - O mocinho é o policial?

Hélio Luz - Não só o policial. São os integrantes do sistema de segurança que operam no Estado do Rio. Pode ser bombeiro, agente penitenciário, policial rodoviário. É preciso transformar o mocinho em mocinho.

Crime organizado pressupõe atuação a nível nacional, formação de um cartel e inserção nos poderes da República. O que denominam "bandidos" no Rio, e tenho ojeriza a isso, não é crime organizado. O tráfico no Rio não é cartelizado e disputa permanentemente a área geográfica. Não tem um exército ou integrantes constantes. Tem muitos problemas internos.

O pessoal não percebe que isso é um produto da sociedade. Esses meninos que estão no tráfico são um produto direto nosso, da classe média, dos detentores do poder desse país.

BBC Brasil - São um produto da desigualdade social?

Hélio Luz - São um produto da concentração de renda. E não venha me dizer que a Índia ou outros países com desigualdade não têm esse problema. Aqui é diferente, pô. O nosso nível de concentração de renda é muito alto e resulta nisso.

A favela é produto nosso. Como é que não é produto dos que detêm o poder? Como é que não é produto da classe média? É produto meu. Como é que eu tenho aposentadoria integral e não tenho responsabilidade sobre a favela? Para eu ter meus privilégios, tem que existir favela. Isso é óbvio. O dinheiro público é um só. Se eu abocanho uma maior parte, falta do outro lado. Não há saída para isso.

Ele (o general) tem condição de recuperar as estruturas policiais e beneficiar o segmento que mais sofre com essa parafernália toda, o favelado, que é estigmatizado.

Lógico que para isso ele vai precisar de um grupo de policiais civis e militares que não usem o tal do guardanapo da cabeça. Não pode. Polícia que gosta de botar guardanapo na cabeça não serve para recuperar.

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Constitucional, inédita e oportunista - assim ex-chefe da polícia civil vê intervenção federal na segurança do Rio

BBC Brasil - O senhor está falando do ex-governador Sérgio Cabral e do famoso jantar em Paris, com a farra dos guardanapos na cabeça.

Hélio Luz - É isso. Você pode ter um guardanapo para limpar a sua boca, com dinheiro privado. Na hora que você bota o guardanapo na cabeça, é dinheiro público.

Retirar a turma do guardanapo na cabeça é difícil, mas o general pode isolá-los, neutralizá-los. Não precisam ser todos. Na hora que neutraliza uma parte considerável, o restante se enquadra.

A partir disso, ele tem condições de reduzir as ações de vigilância ostensiva que essas GLOs (operações militares para Garantia de Lei e da Ordem) fazem, com tropas nas favelas estigmatizando essas áreas. Como se o problema estivesse dentro das favelas. Não está.

Como ele tem um comando inédito do sistema, ele pode priorizar investigações integradas e coordenadas para prender os agentes externos da insegurança.

Eu tenho muita dificuldade de chamar de bandido. Aqui no Brasil, chamar o pessoal que mora na favela de bandido é de uma incoerência tremenda. O bandido brasileiro usa terno e gravata.

Se ele (o general Braga Netto) quiser aprofundar as investigações, ele vai parar nas mesas de câmbio que operam na avenida Rio Branco (no centro do Rio).

Ninguém pode imaginar que o menino da favela tenha capital o suficiente para bancar os entorpecentes que circulam ali. Quem detém o capital que financia as drogas tem uma mesa que opera câmbio na Rio Branco e um filho que frequenta bons colégios. Se o general chegar lá, aí realmente vai estar combatendo o crime e melhorando as condições de segurança do Rio.

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Para Hélio Luz, desigualdade social é indissociável da violência no país

BBC Brasil - O senhor diz que o general pode reduzir a ação ostensivas nas favelas, mas a expectativa é que essas ações possam aumentar, e semana passada vimos operações militares inclusive com fichamento de moradores.

Hélio Luz - O problema é que até agora foram operações de GLO, e elas repetem o trabalho de vigilância que a polícia já fazia.

Se ficar operando nessa linha, só vai enxugar gelo. Vai ocorrer o mesmo de sempre. O pessoal (os traficantes) se afasta porque não quer confronto, mas depois retorna.

Por que fazer uma operação para cercar uma favela, se o crime não está ali? O cerne da questão de insegurança não está ali. Aquilo ali é resultado.

BBC Brasil - Em Notícias de Uma Guerra Particular, o senhor diz que a sociedade brasileira tem a polícia que quer, que garante uma elite com privilégios e uma lei que não vale para todos. O senhor acha que isso mudou?

Hélio Luz - Essa pergunta é difícil. Acho que o Brasil que vivemos na década de 60 mudou. Tivemos avanços. Naquela época não podia se falar nada sobre um senador (sobre ações ilícitas). Hoje em dia, um senador está vulnerável.

Mas um dos grandes problemas que temos nesse país é a tolerância com a ação à margem da lei. Vivemos em um tempo em que é admitido você ficar na franja. Os atos inconstitucionais estão se normalizando. A violação à lei está sendo admitida com muita tranquilidade.

Qual é a referência que se dá ao infrator que está lá na ponta? Quando a infração é praticada pelo excluído, você chama o Exército. Quando é praticada pela classe média e pelos detentores do poder, nada.

Se a lei é para ser cumprida na favela, é para ser cumprida por todo mundo. Ou a lei vale para todos ou não vale para ninguém.

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Fala de Hélio Luz em filme marcou debate sobre segurança pública Foto: Arquivo pessoal

BBC Brasil - No documentário, o senhor disse que a repressão policial evitava uma explosão social, mantendo o excluído sob controle. Essa lógica prevalece?

Hélio Luz - Sim. Na África do Sul, eles colocavam cerca de arame. Aqui não precisa colocar a cerca, porque cada um sabe o seu lugar. Então para quê você vai colocar uma operação dessas cercando a favela? O crime não está ali. Entende? O cerne da questão da insegurança não está ali. Aquilo ali é resultado.

Agora, a má distribuição de renda voltou a se acirrar, a polícia não deu mais conta e teve que chamar o Exército.

BBC Brasil - O senhor fala na concentração de renda, mas isso explica o fortalecimento das facções criminosas e as crescentes disputas por territórios?

Hélio Luz - Desculpe, mas isso é uma visão que só quem tem privilégios nesse país pode ter. Porque localiza a disputa lá na ponta. "Não, não somos nós que participamos disso. São eles." Eles quem? Os excluídos do patrimônio público. A guerra está entre eles, mas é sustentada pela turma de cima.

É preciso estabelecer uma relação entre o auxílio-moradia (benefício pago a juízes) e a parte considerável da população que não tem moradia. Essa relação causa-efeito existe nesta e em inúmeras questões.

Em todas elas, quem paga a conta no final é o favelado. Somos o país da desigualdade. E ficamos preocupados porque tem problema, entende, na senzala. Afrouxou a senzala, então agora tem que apertar de novo. Então chama o capitão do mato para dar uma solução na senzala do século 21.

O problema social está no centro da questão da favela, e a questão de segurança do Estado é uma decorrência. Quem financia a droga que está lá? É um deboche achar que o favelado tem capital suficiente para bancar a ida, vinda e perda de qualquer quantidade de entorpecentes.

BBC Brasil - Não seria o favelado que teria esse dinheiro, mas sim as facções criminosas.

Hélio Luz - Será que elas têm? Qual é a herança deixada por traficantes? Qual foi a herança deixada pelo Uê (Ernaldo Pinto de Medeiros, fundador da facção Amigos dos Amigos)? Qual é o acúmulo de todos esses chefetes que existiram?

BBC Brasil - Mas não é patrimônio acumulado, e sim de capital de giro do tráfico.

Hélio Luz - Eles não têm dinheiro acumulado. Como é que você acumula dólar? Vemos muitas simplificações quando se fala sobre o tráfico. Aí mostram a mansão do chefete que foi preso na favela. É ridículo isso. A cobertura dele é num terceiro andar com piscina na laje. Perto dos prédios que existem na Vieira Souto, na Delfim Moreira (na orla de Ipanema e Leblon). Qual é o conceito de mansão?

Fala-se que que eles acumulam dinheiro e estão bem organizados. Onde, se estão disputando boca por boca (de fumo)? Onde há crime organizado com disputa de território permanente? Não existe. Se o cara tivesse dois milhões de dólares disponíveis, ele saía da favela e ia ser rentista (risos).

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Meninos brincam de pipa no Alemão; Hélio Luz fala que ocupação do complexo foi 'ilusão'

BBC Brasil - Vemos sucessivos exemplos de traficantes presos que continuam a dar ordens de dentro da prisão, com o Nem da Rocinha. Como isso ainda acontece?

Hélio Luz - Essa condição quem dá é o sistema de segurança. O cara faz o controle por meio de agentes penitenciários. Ou é só o ex-governador (Sérgio Cabral) que tem acesso a uma comida especial (no presídio)? O mesmo caminho é usado no Rio, no Paraná ou em qualquer Estado. O sistema de segurança é vazado.

A classe média tem uma visão distorcida disso. Acha que a ponta está se organizando. Nada disso. É a desorganização do sistema penitenciário que permite que ordens saiam dos presídios.

Nós vivemos muito de ilusão. É muita ficção. A tomada do Alemão foi uma ilusão. O Complexo do Alemão nunca foi tomado. Mas por um momento aquilo (a operação de ocupação realizada por forças de segurança em 2010) gera uma sensação de segurança, e você se ilude.

Quem detém o controle? Quem recebe a corrupção ou o cara que paga? É o agente que recebe a corrupção. É quem recebe a grana. Se não pagar para a polícia, de duas uma, ou você se muda, ou vai para a vala.

Sem pagar a polícia, não se pratica crime no Rio de Janeiro.

BBC Brasil - Os problemas de segurança no Rio hoje não parecem muito diferentes da sua época à frente da Polícia Civil, nos anos 1990. Que perspectiva o senhor vê para o futuro?

Hélio Luz - Eu sou otimista. Acho que essas crises são crises de avanços. Não estamos em uma situação horrível. Quem viveu nos anos 60, 70 sabe que jamais se podia apontar o dedo para um senador.

Tudo que está acontecendo (os casos de corrupção) acontece há muito tempo nesse país. Sempre houve, mas agora nós sabemos. Agora vem a público. O Marcelo Odebrecht passar quase dois anos numa prisão é simbólico. A exposição do Judiciário com o caso do auxílio-moradia é simbólico.

(...)