PATRÍCIA CAMPOS MELLO/DE SÃO PAULO
Uma funcionária da gráfica do Senado ficou seis meses fora do trabalho em 2013 aprendendo a usar ferramentas básicas da internet e de computação. Seguiu, no período, recebendo salário de R$ 16.500 mensais líquidos.
Um consultor legislativo foi liberado por 90 dias para fazer dois cursos on-line. Um sobre o fenômeno do "bullying". Outro, sobre a nova ortografia da língua portuguesa. Durante os estudos, continuou recebendo do Senado seus R$ 18 mil mensais.
Escolas atestam carga horária que não é cumprida
Uma revisora da taquigrafia, com salário de R$ 19 mil, tirou 58 dias de licença no ano passado para fazer seu trabalho de conclusão de curso em filosofia e existência na Universidade Católica Virtual, em Brasília.
Os três foram beneficiados por um ato do Senado de 2011 que autoriza os servidores, a cada cinco anos, a tirar três meses de licença remunerada para fazer cursos de aperfeiçoamento profissional. Os cursos não são pagos pela Casa, mas o servidor recebe seu salário integral no período.
O Senado exige que os cursos tenham carga horária mínima de 16 horas semanais e tragam "conhecimentos relevantes" para a Casa. Também são autorizados cursos de língua estrangeira em país onde o idioma seja oficial e trabalhos de conclusão de curso de pós-graduação, desde que o curso tenha afinidade com a atuação do profissional no Senado.
REQUISITOS
Segundo dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, 143 servidores do Senado obtiveram licença para capacitação em 2013. Análise feita pela Folha encontrou indícios de fraudes, irregularidades e não cumprimento de requisitos em pelo menos um terço desses casos. Dos 143 servidores que ganharam folga para estudar, 39 fizeram cursos de idiomas em Brasília, apesar de as regras exigirem que esse tipo de curso seja feito no exterior.
É o caso de um funcionário que trabalha na edição de anais, com salário de R$ 18 mil. Ele ganhou 89 dias de licença para fazer um curso de espanhol em Brasília. Estudava duas horas por semana. Pelo menos 12 funcionários fizeram cursos com carga horária menor do que a exigida pelas normas do Senado.
Um deles, Adriano Laurentino de Araújo, que trabalha no serviço de publicações da Casa, afastou-se por 90 dias para aprender a usar um processador de texto, navegar na internet e consultar planilhas. "Claro que eu já sabia usar o Word, mas o curso foi um aperfeiçoamento. Eu não tinha um certificado. Agora tenho", diz Araújo, que ganha R$ 17 mil por mês, líquido.
Ele disse ter tido 20 horas de aula por semana durante três meses. Mas a escola Dytz Informática, onde ele se matriculou, nega que o curso tenha essa carga horária. Caso semelhante é o de Denise Dal Molin Izaguirre, a funcionária da gráfica do Senado que ficou seis meses afastada para aprender a usar programas de computador.
Segundo a escola Dytz, onde ela também se matriculou, o curso tem carga horária total de 80 horas, o que dá seis horas por semana no período, bem aquém das 16 horas exigidas pelo Senado. Procurada diversas vezes em seu celular e no de seu sobrinho, ela não respondeu às ligações.
AUTORIZAÇÕES
Alguns servidores se afastaram do trabalho para fazer cursos de relevância duvidosa na internet. Catorze usaram sua licença para estudar na EAD Virtual, uma escola de Goiânia que oferece cursos pela internet sobre assuntos como telemarketing on-line e etiqueta empresarial. A EAD é a escola onde dois servidores fizeram o curso de "bullying", a um custo de R$ 39 mensais. "O curso de 'bullying' tem boa saída, acho que por causa do boom que o assunto teve, e também o preço é bom", afirmou Werciley Silva, dono da EAD.
Márcia Vieira Pacheco, a revisora taquigráfica autorizada a se afastar para concluir o curso de filosofia e existência não foi encontrada para explicar como o curso seria útil para seu trabalho. Mas o Senado diz que a "produção e interpretação textual", que integrariam o currículo do curso, são relevantes.
A responsável por autorizar as licenças atualmente é a diretora-executiva do Instituto Legislativo Brasileiro (ILB), Elga Mara Teixeira Lopes, uma antiga funcionária do Senado. Ela chegou a dirigir a Secretaria de Comunicação do Senado, nomeada pelo senador José Sarney (PMDB-AP). Foi demitida em 2009, após vir a público que havia trabalhado em quatro campanhas eleitorais, para a família Sarney e para o PT, sem pedir afastamento das funções.
No mesmo dia de sua demissão, Elga foi readmitida no Senado, primeiro como assessora especial de Sarney. Depois, assumiu o ILB. Elga não respondeu aos pedidos de entrevista da Folha.
OUTRO LADO
O Senado afirma que todos os processos de licença para capacitação seguem a norma de carga horária mínima de 16 horas semanais. "Caso seja constatada alguma inadequação em relação à carga horária semanal mínima exigida, o Instituto Legislativo Brasileiro (ILB) toma as providências cabíveis", afirmou o Senado, em nota à Folha.
Em relação aos servidores que tiraram licença para fazer curso do pacote Office, o Senado afirma que o programa tem duração de 220 horas de aula. Segundo o site da empresa, a carga é de 140 horas somando Internet, Word, Windows, Excel, Power Point e Digitação para pessoas sem conhecimento prévio.
Cristina Dytz, dona da escola que ofereceu o curso, a Dytz Informática, afirmou que alguns alunos têm mais dificuldade e precisam de mais tempo, mas que a carga não chega a 16 horas semanais durante três meses.
"As licenças para cursos de Word não se restringem ao aprendizado do software em si, mas contemplavam outros aspectos importantes da tecnologia da informação", justificou o Senado.
No caso da servidora que é revisora taquigráfica e pediu licença para elaborar o trabalho de conclusão do curso de pós-graduação em filosofia e existência na Universidade Católica Virtual, o Senado afirma que suas atividades envolvem "supervisão, orientação e execução dos trabalhos de gravação, registro taquigráfico, interpretação, revisão e redação final de debates e pronunciamentos ".
Para o Senado, todas essas atividades são afeitas "à produção e interpretação textual", que seriam parte do currículo do curso. Afirmou ainda que, embora a norma interna da Casa preveja licença para "curso de língua estrangeira em país onde o idioma seja oficialmente praticado", ela não proíbe cursos em Brasília.
"O Senado Federal tem como política de recursos humanos o investimento contínuo no aprimoramento profissional dos seus quadros", disse o órgão. "Os pedidos são analisados, autorizados ou indeferidos pelo Instituto Legislativo Brasileiro (ILB), de acordo com a legislação e as normas internas vigentes."
Procurado, o Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal (Sindilegis) afirmou que não tem acesso aos processos dos servidores, e por isso não pode apontar se houve irregularidades. Por meio da sua assessoria, o sindicato disse que cabe aos órgãos competentes investigar eventuais irregularidades. "[Onde houver], que sejam apuradas e resolvidas pelos órgão competentes."
Colaborou Mariana Haubert, de Brasília.
Uma funcionária da gráfica do Senado ficou seis meses fora do trabalho em 2013 aprendendo a usar ferramentas básicas da internet e de computação. Seguiu, no período, recebendo salário de R$ 16.500 mensais líquidos.
Um consultor legislativo foi liberado por 90 dias para fazer dois cursos on-line. Um sobre o fenômeno do "bullying". Outro, sobre a nova ortografia da língua portuguesa. Durante os estudos, continuou recebendo do Senado seus R$ 18 mil mensais.
Escolas atestam carga horária que não é cumprida
Uma revisora da taquigrafia, com salário de R$ 19 mil, tirou 58 dias de licença no ano passado para fazer seu trabalho de conclusão de curso em filosofia e existência na Universidade Católica Virtual, em Brasília.
Os três foram beneficiados por um ato do Senado de 2011 que autoriza os servidores, a cada cinco anos, a tirar três meses de licença remunerada para fazer cursos de aperfeiçoamento profissional. Os cursos não são pagos pela Casa, mas o servidor recebe seu salário integral no período.
O Senado exige que os cursos tenham carga horária mínima de 16 horas semanais e tragam "conhecimentos relevantes" para a Casa. Também são autorizados cursos de língua estrangeira em país onde o idioma seja oficial e trabalhos de conclusão de curso de pós-graduação, desde que o curso tenha afinidade com a atuação do profissional no Senado.
REQUISITOS
Segundo dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, 143 servidores do Senado obtiveram licença para capacitação em 2013. Análise feita pela Folha encontrou indícios de fraudes, irregularidades e não cumprimento de requisitos em pelo menos um terço desses casos. Dos 143 servidores que ganharam folga para estudar, 39 fizeram cursos de idiomas em Brasília, apesar de as regras exigirem que esse tipo de curso seja feito no exterior.
É o caso de um funcionário que trabalha na edição de anais, com salário de R$ 18 mil. Ele ganhou 89 dias de licença para fazer um curso de espanhol em Brasília. Estudava duas horas por semana. Pelo menos 12 funcionários fizeram cursos com carga horária menor do que a exigida pelas normas do Senado.
Um deles, Adriano Laurentino de Araújo, que trabalha no serviço de publicações da Casa, afastou-se por 90 dias para aprender a usar um processador de texto, navegar na internet e consultar planilhas. "Claro que eu já sabia usar o Word, mas o curso foi um aperfeiçoamento. Eu não tinha um certificado. Agora tenho", diz Araújo, que ganha R$ 17 mil por mês, líquido.
Ele disse ter tido 20 horas de aula por semana durante três meses. Mas a escola Dytz Informática, onde ele se matriculou, nega que o curso tenha essa carga horária. Caso semelhante é o de Denise Dal Molin Izaguirre, a funcionária da gráfica do Senado que ficou seis meses afastada para aprender a usar programas de computador.
Segundo a escola Dytz, onde ela também se matriculou, o curso tem carga horária total de 80 horas, o que dá seis horas por semana no período, bem aquém das 16 horas exigidas pelo Senado. Procurada diversas vezes em seu celular e no de seu sobrinho, ela não respondeu às ligações.
AUTORIZAÇÕES
Alguns servidores se afastaram do trabalho para fazer cursos de relevância duvidosa na internet. Catorze usaram sua licença para estudar na EAD Virtual, uma escola de Goiânia que oferece cursos pela internet sobre assuntos como telemarketing on-line e etiqueta empresarial. A EAD é a escola onde dois servidores fizeram o curso de "bullying", a um custo de R$ 39 mensais. "O curso de 'bullying' tem boa saída, acho que por causa do boom que o assunto teve, e também o preço é bom", afirmou Werciley Silva, dono da EAD.
Márcia Vieira Pacheco, a revisora taquigráfica autorizada a se afastar para concluir o curso de filosofia e existência não foi encontrada para explicar como o curso seria útil para seu trabalho. Mas o Senado diz que a "produção e interpretação textual", que integrariam o currículo do curso, são relevantes.
A responsável por autorizar as licenças atualmente é a diretora-executiva do Instituto Legislativo Brasileiro (ILB), Elga Mara Teixeira Lopes, uma antiga funcionária do Senado. Ela chegou a dirigir a Secretaria de Comunicação do Senado, nomeada pelo senador José Sarney (PMDB-AP). Foi demitida em 2009, após vir a público que havia trabalhado em quatro campanhas eleitorais, para a família Sarney e para o PT, sem pedir afastamento das funções.
No mesmo dia de sua demissão, Elga foi readmitida no Senado, primeiro como assessora especial de Sarney. Depois, assumiu o ILB. Elga não respondeu aos pedidos de entrevista da Folha.
OUTRO LADO
O Senado afirma que todos os processos de licença para capacitação seguem a norma de carga horária mínima de 16 horas semanais. "Caso seja constatada alguma inadequação em relação à carga horária semanal mínima exigida, o Instituto Legislativo Brasileiro (ILB) toma as providências cabíveis", afirmou o Senado, em nota à Folha.
Em relação aos servidores que tiraram licença para fazer curso do pacote Office, o Senado afirma que o programa tem duração de 220 horas de aula. Segundo o site da empresa, a carga é de 140 horas somando Internet, Word, Windows, Excel, Power Point e Digitação para pessoas sem conhecimento prévio.
Cristina Dytz, dona da escola que ofereceu o curso, a Dytz Informática, afirmou que alguns alunos têm mais dificuldade e precisam de mais tempo, mas que a carga não chega a 16 horas semanais durante três meses.
"As licenças para cursos de Word não se restringem ao aprendizado do software em si, mas contemplavam outros aspectos importantes da tecnologia da informação", justificou o Senado.
No caso da servidora que é revisora taquigráfica e pediu licença para elaborar o trabalho de conclusão do curso de pós-graduação em filosofia e existência na Universidade Católica Virtual, o Senado afirma que suas atividades envolvem "supervisão, orientação e execução dos trabalhos de gravação, registro taquigráfico, interpretação, revisão e redação final de debates e pronunciamentos ".
Para o Senado, todas essas atividades são afeitas "à produção e interpretação textual", que seriam parte do currículo do curso. Afirmou ainda que, embora a norma interna da Casa preveja licença para "curso de língua estrangeira em país onde o idioma seja oficialmente praticado", ela não proíbe cursos em Brasília.
"O Senado Federal tem como política de recursos humanos o investimento contínuo no aprimoramento profissional dos seus quadros", disse o órgão. "Os pedidos são analisados, autorizados ou indeferidos pelo Instituto Legislativo Brasileiro (ILB), de acordo com a legislação e as normas internas vigentes."
Procurado, o Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal (Sindilegis) afirmou que não tem acesso aos processos dos servidores, e por isso não pode apontar se houve irregularidades. Por meio da sua assessoria, o sindicato disse que cabe aos órgãos competentes investigar eventuais irregularidades. "[Onde houver], que sejam apuradas e resolvidas pelos órgão competentes."
Colaborou Mariana Haubert, de Brasília.
Fonte: Folha de S Paulo, 12/01/14
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