quinta-feira, 1 de março de 2018

'Não vou me matar nem fugir do Brasil. Vou brigar até o fim', diz Lula

Ex-presidente diz à Folha que está preparado para ser preso, mas acredita que será inocentado

Folha, 1.mar.2018 às 2h00

O ex-presidente Lula recebeu a Folha em sua sala no Instituto Lula, na terça-feira (27), para uma rara entrevista exclusiva.

Com a Justiça prestes a decidir se ele vai ou não preso por causa da condenação no processo do tríplex, o ex-presidente afirma que é “um homem muito tranquilo, que sabe o que está sendo traçado para ele”.

Ainda assim, Lula rechaça abrir qualquer discussão sobre uma candidatura alternativa à dele no PT. “Se eu fizer isso, minha filha, eu tô dando o fato como consumado.”


Entrevista com o ex-presidente Lula, realizada no Instituto Lula Marlene Bergamo/Folhapress

Antes de começar a entrevista, o petista passou os olhos por um sumário que a assessoria havia feito para ele sobre a entrevistadora.

“Busca esta entrevista faz anos, cercando amigos e conhecidos do presidente para isso. Ela tentará: interromper, questionar o discurso, apontar contradições, tentar que assuma erros e investir muito em plano B”, dizia o resumo.

Com o gravador já ligado, Lula disse: “A senhora pode perguntar tudo o que vossa excelência quer perguntar. Tá? Não tem pergunta sem resposta. A não ser que eu não saiba. Se eu não souber eu vou dizer ‘não sei’ e você vai perguntar para um candidato que sabe”.

A seguir, um resumo da conversa.

Folha - O ex-ministro Ciro Gomes (PDT-CE) fala em voz alta o que muita gente murmura e pensa: ninguém no Brasil acredita que o senhor poderá ser candidato a presidente. Quando chegará a hora de discutir o lançamento ou o apoio a um outro nome?

Lula - Se eu não acreditasse na possibilidade de a Justiça rever o crime cometido contra mim pelo [juiz Sergio] Moro, [que o condenou à prisão] e pelo TRF-4 [Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que confirmou a sentença], eu não precisaria fazer política.

Quem sabe eu virasse um moleque de 16 anos e fosse dizer que só tem solução na luta armada. Não. Eu acredito na democracia, eu acredito na Justiça. E acredito que essas pessoas [Moro e desembargadores] mereciam ser exoneradas a bem do serviço público.

Porque houve mentira na denúncia [feita pela] imprensa [que revelou a existência do tríplex], no inquérito da Polícia Federal, na acusação do Ministério Público Federal, na sentença do Moro e na confirmação do TRF-4.

Então o que eu espero? Que o Supremo Tribunal Federal [que deve julgar habeas corpus em que Lula pede para não ser preso] analise o processo, veja os depoimentos, as provas e tome uma decisão. Por isso tenho a crença de que vou ser candidato.

O STF não entrará no mérito da sentença. E não haveria nem tempo, caso isso ocorresse, para garantir a candidatura.

Eu vou dizer uma coisa: eu só posso confiar no julgamento se ele entrar no mérito.

A Justiça não é uma coisa que você dá 24 horas, 24 dias ou 24 meses. Ela tem o tempo necessário para fazer a investigação correta e punir quem está errado. E quem deveria ser punido era o Moro, o MPF, a PF e os três juízes que fizeram a sentença lá.

A segunda questão: não acho que ninguém acredita na possibilidade de eu ser candidato. Era mais fácil o Ciro dizer “tem gente que não quer que Lula seja candidato”. E ele quem sabe se inclui nisso. 

Só tem unanimidade hoje no meio político: as pessoas não querem que o Lula seja candidato. O Temer não quer, o Alckmin não quer, o Ciro não quer. Eles pensam: “ele [Lula] vai para o segundo turno e pode até ganhar no primeiro. Se ele não for candidato, em vez de uma vaga no segundo turno, podemos disputar duas”. Aumenta a chance de todo mundo.

Eu respeito que todo mundo seja candidato. Até o Temer resolveu ser! Qual é a aposta dele? É a de defender os seus três anos de mandato.

E é importante ter em conta que o Temer teve uma vitória quando derrubou o golpe que a TV Globo, o [ex-procurador-geral Rodrigo] Janot e o [empresário] Joesley [Batista] tentaram dar nele.

Aquele golpe tinha como pressuposto básico o Temer cair, o Rodrigo Maia [presidente da Câmara dos Deputados] assumir a presidência e o Janot ter um terceiro mandato [na PGR].

O senhor acha que a Globo tentou dar um golpe?

Acho. Eu acho. 

E por que isso ocorreria?

Porque era importante manter o Janot. Era importante tirar o Temer. E era importante colocar o Rodrigo Maia. Isso para mim tá claro.

Mas por que Rodrigo Maia se o Temer tem uma plataforma...

[Interrompendo] O Temer se prestou a fazer o serviço do golpe. Mas não era uma figura palatável, e houve uma tentativa de golpe. Senão, me explica o que aconteceu.

Não pode ser jornalismo simplesmente?

Jornalismo de quem?

Da Rede Globo.

Você acha que na Globo [que publicou a primeira reportagem sobre a delação da J&F] alguém faz jornalismo livre? O jornalista decide e faz uma denúncia como aquela que foi feita contra o Temer?
No mesmo dia já tinha jornalista apostando na renúncia do Temer. E já tava se discutindo quem ia assumir e o que ia acontecer.

Ora, o Temer resolveu enfrentar. Teve a coragem de desmascarar o Janot, o Joesley e ficou presidente. E ainda ganhou duas paradas no Congresso Nacional [para impedir que o processo contra ele no STF seguisse], não se sabe a que preço. A imprensa dizia que R$ 30 bilhões foram gastos, não sei quantos bilhões. Mas ganhou.

E o senhor o admira por isso?

Não. Eu continuo pensando o mesmo do Temer. Eu estou contando o fato. E o fato histórico não tem sentimentalismo. Tem uma fotografia.

O senhor hoje faz críticas à TV Globo mas, no governo, teve uma boa relação com a emissora.

Para não ser ingrato com os outros meios, eu vou olhar bem nos seus olhos e dizer: duvido que em algum momento da história desse país um presidente tenha tratado os meios de comunicação com a deferência e a “republicanidade” que eu tratei.

Eu tinha uma relação maravilhosa com o velho [Octavio] Frias [de Oliveira, publisher da Folha morto em 2007]. Eu tratei bem o Estadão. Eu tratei bem o Jornal do Brasil, a Globo, a Bandeirantes, o SBT, a Record. Você há de convir que tenho comportamento exemplar no meu tratamento com a imprensa brasileira.
Mas acho que eles não são honestos na cobertura.

A Folha, mesmo nos bons tempos, nos anos 70, 75, quando começou a ser um jornal mais progressista, quando o pessoal de esquerda começou a ler, mesmo assim a gente sentia [no jornal] uma espécie de ojeriza de falar bem de uma coisa boa.

É uma necessidade maluca de não parecer chapa branca. Ah, se fez uma matéria boa hoje, amanhã tem que fazer outra dando um cacete.

O senhor fala “eles não me aceitam”. Quem são eles?

Ah, não sei. São eles. Eu não vou ficar nominando.

Nesse sistema em que “eles” mandariam, o senhor foi eleito, reeleito, fez uma sucessora e a reelegeu. Tinha uma convivência boa com construtoras e bancos. Como dizer que a elite é contra o senhor? 

Eu não tive uma relação boa só com esse setor que você falou. Eu tive uma relação boa com todos os segmentos sociais desse país.

Eu tenho orgulho de dizer que o meu governo foi o período em que os empresários mais ganharam dinheiro, os trabalhadores mais ganharam aumento de salário, em que geramos mais empregos, em que houve menos ocupação no campo, na cidade, e menos greve. Eu trago comigo essa honraria de saber conviver com a sociedade brasileira.

E de repente eu vejo o tal do mercado assustado com o Lula. E eu fico pensando, quem é esse mercado?
Não pode ser os donos do Itaú. Não pode ser os donos do Bradesco, do Santander.

Uma coisa são os donos do banco. Outra coisa é um bando de yuppies, jovens bem aquinhoados que vivem ganhando dinheiro através de bônus, de não sei das quantas, para vender papel sem vender um produto.

Essa gente esteve no FMI durante a crise na América do Sul. Falaram o tempo todo mal dos países pobres. Quando a crise foi nos EUA parece que fizeram cirurgia de amígdalas e não falavam nunca. Eles sabem que, se eu voltar, o FMI não dará palpite na nossa economia.

Então, querida, quando eu digo eles...

...fica parecendo as famosas “forças ocultas” do ex-presidente Jânio Quadros [quando se referia a quem o tinha levado a renunciar, em 1961].

Quando eu falo “eles” e “nós”, é porque você tem lado na política brasileira. Quando ganhei as eleições, fiz questão de conquistar muita gente. Criei o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social [com representantes de empresários, trabalhadores e setores sociais]. Tinha gente que achava que eu queria criar uma fissura na relação entre Senado e Câmara com a sociedade. Eu falei “não, eu quero é estabelecer uma política de convivência verdadeira com a sociedade”.

Empreiteiras fizeram uma reforma no sítio de Atibaia porque o senhor o frequentava. Independentemente de a Justiça concluir se houve ou não crime, não foi no mínimo indevido, uma relação promíscua entre um político e uma empreiteira?

Não. Esse é um outro tipo de processo. Não é o processo do qual estou sendo vítima. 

É uma pergunta que estou fazendo ao senhor.

Essa pergunta eu espero que seja feita em juízo, pelo Moro. Porque primeiro disseram que o sítio era meu. Aí descobriram que ele tem dono. Então mudaram [para dizer que] me fizeram favor. Se fizeram, não me pediram. Eu fiquei sabendo desse sítio no dia 15 de janeiro de 2011.

Por que empreiteiras tinham que bancar a manutenção do acervo formado na presidência, por que tinham que reformar o sítio? Essa relação não passou do ponto?

Quando eu for prestar depoimento, eu espero que essas sejam as perguntas que eles me façam.

Mas eu estou fazendo agora.

Não, você não é juíza. Eu vou esperar o juiz. Porque se eu responder para você, o Moro vai fazer outras. Aí, quer discutir a questão da ética, vamos discutir. É um outro processo.

Eu quero saber onde eles vão chegar. Eu quero saber o limite da mentira.

Segundo uma pesquisa do Datafolha, 83% acham que o senhor sabia que tinha corrupção no governo. Era possível não saber?

É possível não saber até hoje. Você tem filho? Sabe o que ele está esta fazendo agora? Quando você esta na cozinha e ele no quarto, você sabe?

Outro dia vi o caso de venda de sentenças em gabinetes de juízes. E eles foram inocentados porque não eram obrigados a saber o que estavam fazendo do lado de sua sala. Deixa eu te falar uma coisa: ninguém é colocado no governo pra roubar. Ninguém traz na testa “eu sou ladrão”. Há um critério rigoroso de escolha [de diretores de estatais].

Muita gente pensa que eu sou contra a Operação Lava Jato. Eu tenho orgulho de pertencer a um partido e a um governo que criou os mecanismos mais eficientes de combate à lavagem de dinheiro e à corrupção nesse país.

Não foi ninguém de direita, não. Fomos nós.

O senhor manteria hoje o sistema de indicação dos procuradores-gerais, sempre os mais votado pela categoria?

Esse critério é herança minha do movimento sindical. Eu achava que era o mais acertado. Hoje eu analisaria o histórico da pessoa.

Veja, o que ocorreu com a Lava Jato? Ela virou refém da imprensa e vice-versa. 

E hoje eu estou convencido de que os americanos estão por trás de tudo o que está acontecendo na Petrobras. Porque interessa para eles o fim da lei que regula o petróleo, o fim da lei que regula a partilha. O Brasil descobriu a maior reserva de petróleo do mundo do século 21. E não se sabe se tem outra.
Não sei se você já tem uma compreensão sociológica de junho de 2013 [mês de grandes manifestações no país].

O Brasil virou protagonista demais. E ali eu acho que começava o processo de tentar dar um jeito no Brasil.

Como diria meu amigo [e ex-chanceler] Celso Amorim, eu não acredito muito em conspiração. Mas também não desacredito.

O senhor faz uma conexão entre tudo isso e o que acontece com o senhor agora?

Faço. E se estiver errado, vou viver para pedir desculpas.

Mas o senhor acha, por exemplo, que os procuradores da Lava Jato vão aos EUA e se reúnem com um mentor?

Eu acho. Agora mesmo o Moro está lá [no exterior] para receber um prêmio dessa Câmara de Comércio Brasil-EUA. Ele foi lá para ficar 14 dias. Eu já recebi prêmios. Você vai num dia e volta no mesmo dia.
Ô, querida, não me peça provas de uma coisa que eu não tenho. Eu estou apenas insinuando que pode ser, tal é a proximidade do Ministério Público com a Secretaria de Justiça dos EUA.

O senhor já deu muitas voltas por cima na vida. Enxerga agora um caminho de saída, depois de duas condenações?

É muito simplista essa pergunta. Você deveria estar perguntando é se eles vão conseguir juntar uma prova de cinco centavos contra mim. Esse é o dilema.

Mas, presidente, eles já condenaram o senhor.

Eu não tenho que encontrar saída. O que vocês da imprensa têm que pedir são provas. Vocês não podem retratar “ipsis litteris” [como está escrito] a mentira da Polícia Federal.

Essa gente está me acusando há cinco anos. Essa gente não sabe o mal que causou à minha família. Eu tenho todos os meus filhos desempregados. Todos. E ninguém consegue arrumar emprego.

Essa gente já foi na minha casa. Ficaram três horas, levantaram o colchão da minha cama, revistaram tudo e não encontraram nada.

Poderiam ter chamado a imprensa e falado “queríamos pedir desculpas”. Eles saíram com o rabinho no meio das pernas e não falaram nada.

Quando o Moro leva um Pedro Corrêa [ex-deputado do PP] para prestar depoimento contra mim, se ele entendesse um milímetro de política, ele não deixaria o Pedro Corrêa entrar naquele salão.

E o Palocci?

É uma pena. A história dele se esvaiu com isso. O Palocci demonstrou gostar de dinheiro. Quem faz delação quer ficar com uma parte daquilo de que se apoderou. Não vejo outra explicação.

Ou quer a liberdade?.

Se fosse só por liberdade o [ex-tesoureiro do PT João] Vaccari não tinha feito a carta que fez nesta semana [inocentando Lula no caso do tríplex]. Porque é o cara que está preso há mais tempo. E está demonstrando que caráter e dignidade não são compráveis.

Deixa eu te falar: você está lidando com um homem muito tranquilo, que sabe o que está sendo traçado para ele. Desde o impeachment eu dizia: eles não vão tirar a Dilma e dois anos depois deixar o Lula voltar gloriosamente nos braços do povo. Era preciso impedir o Lula. 

E isso está perto de ocorrer?.

Vamos aguardar, querida. Se eu acreditar que o jogo está definido, o que eu estou fazendo nesse país? Eu quero saber o seguinte: eu, proibido de ser candidato, na rua fazendo campanha, como eles vão ficar? Eles estão me transformando numa vítima desnecessária. 

O senhor diz que sabe o que está sendo traçado. Mesmo assim, não abre brecha para a discussão de uma outra candidatura?

Não abro. Não abro. Se eu fizer isso, minha filha, eu tô dando o fato como consumado. Eu vou brigar até ganhar. E só vou aventar a possibilidade de outra candidatura quando for confirmado definitivamente que não sou candidato.

Algumas correntes do PT já pensam em uma outra candidatura e alguns defendem o boicote das eleições.

Quando chegar o momento certo, o PT pode discutir todas as alternativas. Eu sou contra boicotar as eleições.

O ex-prefeito Fernando Haddad já falou que, mesmo sendo o maior partido, o PT não terá mais a hegemonia da esquerda.

Eu sou contra a tese da hegemonização. Em algum momento pode ter candidato de outro partido e o PT apoiar. Se o Eduardo Campos tivesse aceitado a proposta que eu fiz para ele e para a Renata em Bogotá, em julho de 2011, de ele ser o vice da Dilma [em 2014] e ser nosso candidato em 2018, a gente agora estaria gostosamente discutindo a campanha dele à Presidência da República. E não a minha.

O PT poderia apoiar Ciro Gomes? Ele tem feito críticas ao senhor e ao partido.

Eu não ando vendo o que o Ciro tá falando porque ele anda falando demais.

O Ciro ou vai para a direita ou não pode brigar com o PT.

Eu fico fascinado de ver como uma pessoa inteligente como o Ciro fala tão mal do PT. Não consigo entender.

Vamos ser francos: pela direita, ninguém será presidente sem o apoio dos tucanos. Pela esquerda, ninguém será presidente sem o PT.

Quem o senhor acha que tem chance de chegar ao segundo turno na eleição presidencial?

Eu, se entendo um pouco de política, vou dizer uma coisa: a disputa deverá ser outra vez entre tucanos e PT.

O senhor pode ser preso em breve, caso não obtenha um habeas corpus nos tribunais superiores. Não tem medo?

Sabe por que não tenho medo? Porque eu tenho a consciência tão tranquila. Sabe do que eu tenho medo de verdade? É se esses caras pudessem mostrar à minha bisneta que fez um ano no domingo que o bisavô dela roubou um real. Isso realmente me mataria.

O senhor está preparado?

Eu estou preparado. Estou tranquilo. E tenho certeza de que vou ser absolvido e de que não vou ser preso.

Há quem defenda que o senhor faça uma greve de fome caso vá para a prisão.

Eu já fiz greve de fome. Eu sou contra, do ponto de vista religioso. Eu não acho correto você judiar do próprio corpo. Quando eu fiz greve de fome [em 1980], dom Claudio Hummes foi à cadeia pedir para pararmos a greve.

O senhor já afirmou que se 10% dos que foram às ruas quando o presidente Getúlio Vargas morreu tivessem ido antes ele não teria se suicidado. O senhor teme que isso ocorra com o senhor? Eu não digo morte, mas...

Até porque não vou me matar. Eu gosto da vida pra cacete. E quero viver muito. Tô achando que eu sou o cara que nasceu para viver 120 anos. Dizem que ele já nasceu, quem sabe seja eu?

Tô me preparando. Levanto todos os dias às 5h da manhã, faço duas horas e meia de ginastica, tomo whey [complexo de proteínas] todo dia para ficar bem forte. E vou levando a vida assim. Eu não tenho essa perspectiva nem de me matar nem de fugir do Brasil. E vou ficar aqui. Aqui eu nasci, aqui é o meu lugar. Eu não tenho medo de nada. Só de trair o povo desse país. É por isso que eu estou aqui, fazendo a minha guerra.

E o povo na rua?

Você não leva o povo na rua para qualquer coisa. Mas também não duvidem do povo na rua porque ele pode vir.

Mas o senhor não esperava que ele já viesse, no seu caso?

Ele nunca foi chamado! Eu sou um homem tão civilizado, acredito tanto nas instituições que estou apostando nelas. Eu ando no Brasil, mas eu não ando chamando o povo numa pregação contra ninguém. Eu ando chamando o povo para ele acreditar que é possível esse país ser diferente. 

Eu não imaginei viver esse período. Eu me lembro do [ex-presidente da França Nicolas] Sarkozy querendo discutir a minha ida para a secretaria-geral da ONU. Eu lembro dele conversando com o [ex-primeiro-ministro espanhol] José Luís Zapatero, em 2008, e eu falava “para com isso, você não pode politizar a ONU, colocar um ex-presidente lá”.

O senhor imaginava outra coisa para a sua vida nessa fase.

Eu imaginei tranquilidade, querida. Eu imaginei viver meu fim de vida com a dona Marisa, cuidar dos filhos que eu não tive tempo de cuidar e viver. Não me deixaram ou não estão me deixando. Eu poderia abaixar a cabeça e ficar pedindo favor, ajuda. Não vou, querida. Não vou porque estou certo. 

A minha educação é a de uma mulher [a mãe, dona Lindu] que viveu e morreu analfabeta. E ela dizia “não baixe a cabeça nunca a ninguém. Nunca roube uma laranja mas não baixe a cabeça”. E é isso o que vai me fazer seguir em frente.

Estante da sala do ex-presidente Lula, no Instituto Lula - Marlene Bergamo/Folhapress

A ESTANTE DE LULA

Alguns livros que o ex-presidente guarda

Frei Betto: Biografia
Américo Freire e Evanize Sydow
A história do fundador da CUT, amigo e ex-assessor especial do petista

Direito Penal
Juarez Cirino
Obra do criminalista que, ao defender o ex-presidente no caso tríplex, discutiu com o juiz Sergio Moro

O Brasil que Queremos
Org. Emir Sader
Coletânea de textos organizada por sociólogo de esquerda, com apresentação do próprio Lula

Tempos Muito Estranhos
Doris Kearns Goodwin
Relato dos anos de governo do democrata Franklin Roosevelt (1933-1945) nos EUA

Um País Sem Excelências e Mordomias
Claudia Wallin
Livro sobre os políticos e o sistema político na Suécia

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Jornalista inglês, sobre coletiva de generais: “Nenhuma pergunta da imprensa estrangeira foi respondida”


Viomundo, 27/02/2018 às 16h56

O interventor federal na segurança pública do Rio de Janeiro, general Walter Braga Netto, concede entrevista coletiva à imprensa e apresenta o chefe do Gabinete de Intervenção Federal, o general Mauro Sinott. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Militares: Brasil se encontra com o passado na sombra de um governo indecente


Não poderia ser pior o reencontro dos militares com a imprensa, para tratar de assuntos que dizem respeito à vida civil: a segurança pública.


O interventor militar Walter Souza Braga Netto encerrou a entrevista com uma repreensão aos jornalistas que, por dever de ofício, faziam mais perguntas:

“Senhores, no grito não funciona.”

Não havia grito, apenas o interesse por respostas, mas, pelas regras impostas pelo general para a entrevista, não houve tempo para todos os esclarecimentos.

A entrevista durou 30 minutos, houve número determinado de perguntas e algumas foram feitas por escrito.

Foi como ser obrigado a rever um filme ruim.

Em alguns momentos, lembrou o triste episódio de 1983, em que um repórter, depois de desistir de uma entrevista em que o general Newton Cruz não respondia às suas perguntas, desligou o gravador e saiu.

O general o perseguiu, o segurou pelo braço e, diante de todos, o obrigou a pedir desculpas (vídeo abaixo). Eram os últimos meses da ditadura militar, diferentemente de agora, quando se inicia um ciclo estranho, do tipo em que todos sabem como começa, mas ninguém sabe exatamente como termina.

O general Braga Netto disse que a intervenção no Rio é um laboratório — sim, local onde se faz experiência. Se der certo, se espalha pelo Brasil.

Houve reação foi imediata. “Cada vez mais preocupante para a democracia. A militarização avança sem pudores”, disse Guilherme Boulos, através do Twitter.

O general, com sua grosseria e aparente incapacidade de se relacionar com a imprensa, foi para um dos assuntos mais comentados do Twitter na manhã de hoje, ao mesmo tempo em que, em Brasília, tomava posse do Ministério da Defesa o general Joaquim Silva e Luna, o primeiro militar a assumir a pasta desde que ela foi criada, em 1999.

O Brasil assume outra cara, e ela feia, e preocupante.

O que estava ruim piorou.

O Ministério da Defesa foi criado no governo de Fernando Henrique Cardoso como uma tentativa de alinhar as forças armadas ao interesse estratégico do País, e em sua concepção a ideia era manter um civil para chefiá-lo.

O diplomata Ronaldo Sardenberg, então ministro dos Assuntos Estratégicos, participou da criação do Ministério, mas não pode assumi-lo, como era esperado, em razão da oposição dos militares.

“Recebi o Sardenberg, pessoa de quem gosto, homem ponderado, ele seria um bom ministro da Defesa, os militares não querem. Querem Élcio Álvares, porque é mais negociador e eles vão ter mais margem de manobra”, observou Fernando Henrique Cardoso em seu diário.

No dia em que assinou o decreto que criava a pasta, em 21 de novembro de 1999, enfrentou a cara feia dos chefes da Aeronáutica, Exército e Marinha.

“Assinei uma lei complementar para a criação do Ministério. Não estavam contentes, embora as informações que recebi do Clóvis tenham sido de outra natureza. Houve convergência, mas não me pareceu tanta alegria assim. Depois conversei com Sardenberg, que também estava na reunião, e ele disse que ele e o Clóvis, mais este do que ele, cederam muito e que não via razão para os ministros se preocuparem. A preocupação tem a ver, naturalmente, com esse fato histórico e importante que é a criação do Ministério da Defesa para substituir os ministros militares”, afirmou.

A rigor, os militares brasileiros sempre tiveram dificuldade de se submeter a um comando que não fosse militar.

Da revisão da lei de anistia à criação do Ministério da Defesa, sempre colocaram obstáculos, como se fossem uma casta intocável numa república.

Inadmissível.

O Brasil se encontrou com seu passado na sombra de um governo cujo melhor definição é: indecente.

O governo Temer não é fraco, é imoral, na justa medida da imoralidade: faz qualquer negócio para se manter.

E para se manter, abriu as portas da caserna, para colocar de volta nas nossas vidas servidores públicos que se comportam como se estivesse acima do bem e do mal, acima das leis.

E que se acham em condições de impor regras para prestar esclarecimentos:

“No grito, não funciona”, bradou o general.

Não demora muito e logo ele mandará jornalistas calar a boca.

PS do Viomundo: No twitter, o jornalista inglês Dom Phillips denunciou que, na coletiva dos militares da intervenção do Rio, foram respondidas apenas perguntas da Globo e do Estadão. As feitas por jornalistas estrangeiros e pela Folha, não.


Traduzindo:

Vale a pena anotar da conferência de imprensa da Intervenção Federal de intervenção de hoje com generais no Rio de Janeiro.

Somente perguntas por escrito; isso não foi anunciado previamente, somente esta manhã na chegada.

Várias perguntas para a Globo e o Estado. Nenhuma para a imprensa estrangeira. Nem para a Folha.

Baseado no Rio de Janeiro, Dom Phillips escreve para o The Guardian, The Financial Times. Também para o NY Times e o Washington Post.

Lindbergh diz que vai à Justiça contra Temer: se apropria do salário mínimo


Em vídeo publicado no Twitter, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) afirmou que Michel Temer "está se apropriando de parte do salário mínimo".

"O que diz a lei? Você tem que repor inflação do ano anterior e colocar mais o crescimento econômico. Como não houve crescimento econômico, ele teria que repor a inflação do ano anterior. Qual foi inflação do ano passado? 2.07% e ele deu aumento de 1.81%. Isso é um escândalo", disse.

"Vamos à Justiça contra este absurdo".

O percentual citado pelo petista foi a inflação para famílias com renda de até 2,5 salários mínimos, conforme o IPC - Classe 1

Vaccari reforça: Léo Pinheiro mentiu e triplex não é do Lula


247 - O ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto escreveu carta em que sai em defesa do e-presidente Lula e diz que o sócio da OAS Léo Pinheiro mentiu ao dizer que foi ele que intermediou o recebimento de apartamento tríplex em Guarujá para o petista.

O dirigente petista também refuta a declaração de Pinheiro de que o imóvel fez parte de um esquema de propinas na Petrobras.

A declaração de Pinheiro de que o tríplex supostamente presenteado a Lula fazia parte de um esquema de propinas da Petrobras foi usada pelo juiz federal Sergio Moro e pelos desembargadores do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) para condenar o ex-presidente. 

"Não é verdade o que declarou o Léo Pinheiro em depoimento e delação premiada, que as doações feitas pela empresa OAS ao PT estariam ligadas a supostos pagamentos de propinas relacionadas ao contrato desta empresa com a Petrobras. Nunca tive qualquer tratativa ou conversa com Léo Pinheiro para tratar de questões ilegais envolvendo o recebimento de propina", diz a carta.

Prossegue o texto: "Também não é verdade o que diz Léo Pinheiro, que eu teria intermediado, em nome do ex-presidente Lula, o recebimento do tríplex do Guarujá como pagamento de vantagens indevidas".

A carta, datada de 7 de fevereiro com firma reconhecida no último dia 22, foi usada pela defesa de Lula em recurso apresentado nesta segunda (26) ao TRF-4. Os advogados do ex-presidente afirmam que o fato de o juiz ter se recusado a ouvir Vaccari sobre as declarações de Pinheiro caracteriza "grave cerceamento de defesa", o que resulta em nulidade.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

STJ marca julgamento de habeas corpus de Lula para próxima quinta

Defesa entrou com solicitação preventivamente para afastar possibilidade de prisão

Folha, 27.fev.2018 às 13h28
Luiz Inácio Lula da Silva discursa em uma manifestação de campanha para lançar sua candidatura presidencial para as próximas eleições de outubro, na sede da Central de Trabalhadores da União (CUT) em São Paulo Nelson Almeida/AFP

Em janeiro, Lula foi condenado por lavagem de dinheiro e corrupção passiva em segunda instância, pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região). 

Em seguida, a defesa do ex-presidente entrou no tribunal com pedido de habeas corpus preventivo para afastar a possibilidade de antecipação de cumprimento da pena de 12 anos e um mês de prisão em regime fechado. 

O ministro Humberto Martins, vice-presidente do STJ, estava de plantão e negou o habeas corpus

Lula recorreu e, com o fim do recesso, o caso foi encaminhado para o relator da Lava Jato no STJ, ministro Felix Fischer. 

Agora, o habeas corpus será analisado pelo colegiado. 

Depois da condenação pelo TRF-4, o PT lançou Lula para presidente na eleição deste ano. 

No entanto, pela Lei da Ficha Limpa, o petista fica inelegível e não pode concorrer. 

De acordo com a defesa, a democracia brasileira sofrerá “prejuízo irreversível” se Lula ficar fora da corrida eleitoral. 

SUPREMO

A decisão do STJ em julgar o habeas corpus pode acelerar a análise do pedido do ex-presidente que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal). 

Relator da Lava Jato na corte, o ministro Edson Fachin negou o pedido em caráter liminar para evitar a prisão e remeteu o mérito ao pleno, composto pelos 11 ministros. 

A defesa de Lula havia pedido para que a ação fosse julgada pela segunda turma do STF, composta por Fachin e outros quatro colegas: Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Os quatro entendem que o réu deve recorrer em liberdade. 

Caberá à presidente Cármen Lúcia marcar a data do julgamento. Não há data prevista. 

De acordo com a assessoria de imprensa da presidente do STF, não há definição sobre exame do assunto. 

Quando Lula foi condenado em segunda instância na Lava Jato, Cármen Lúcia disse a interlocutores que pautaria outras ações relatadas que tratam sobre execução provisória da pena e, assim, unificar a jurisprudência do tribunal a respeito do tema. 

Depois, ela recuou e disse que o tribunal vai se “apequenar” se aproveitar a condenação do ex-presidente para rediscutir a prisão de condenados em segunda instância. 

A discussão pode provocar uma mudança na jurisprudência do STF sobre prisão após condenação em segunda instância.

Manifestoches querem viver em Portugal sob as asas do Partido Socialista

Pequena burguesia da Cloaca vive crise de identidade

Conversa Afiada,27/02/2018
(Reprodução/Facebook/Barbara Dias)


Em tempo: sobre a República Federativa da Cloaca, consulte o ABC do C Af

Dilma: crime de Wagner é ser do PT, amigo de Lula e comprometido com o Brasil


Em sequência de posts no Twitter, a presidente deposta Dilma Rousseff criticou o "aspecto político" da operação de busca e apreensão realizada pela Polícia Federal na casa do ex-governador da Bahia Jaques Wagner.

"Os objetivos midiáticos evidentes da operação de ontem mostram que a intenção não é a apuração dos fatos, mas a criação de factoides para atacar a reputação do ex-ministro e ex-governador Jaques Wagner", disse Dilma.

Wagner volta a questionar ação da PF: por que só agora, em ano eleitoral?

Ex-governador da Bahia, alvo de nova fase da Operação Lava Jato, deflagrada nesta segunda-feira 26 com forte visibilidade na mídia, lembra que o inquérito existe desde 2013.

"Por que só agora, em 2018, ano eleitoral, a polícia resolve fazer uma operação no âmbito de um inquérito que existe desde 2013 e com o qual venho colaborando voluntariamente?", questionou, no Twitter, lembrando que "uma equipe de TV que pertence a um adversário político chegou antes dos policiais".




Cai Segovia e Barroso prorroga investigação sobre Temer


Novo ministro da Segurança Pública, pasta para a qual a Polícia Federal irá responder, Raul Jungmann decide trocar o diretor-geral da corporação, Fernando Segovia, poucas semanas depois de uma entrevista em que ele indicou que blindaria Michel Temer no inquérito sobre os portos.

O novo diretor será o delegado Rogério Galloro.

Nesta mesma terça-feira 27, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo no STF, autorizou a prorrogação da investigação por 60 dias, atendendo a pedido da PF e do MPF.

Dilma diz que Moro deveria ter sido preso


Ao comentar sobre a autorização do juiz Sérgio Moro, confirmada pelo TRF-4, para gravação de uma conversa sua com o ex-presidente Lula, a presidente deposta Dilma Rousseff defendeu a prisão do magistrado.

"Veremos o golpe atingindo segmentos do Judiciário quando o TRF4 aprovou que eu, como presidente da República, tivesse sido gravada sem autorização do Supremo Tribunal Federal. Isso feria gravemente não só a Constituição, como a própria Lei de Segurança Nacional. Em qualquer país do mundo, dito de democracia avançada, uma pessoa que gravasse o presidente da República sem autorização seria presa", disse Dilma ao site Sul 21.

STJ julgará habeas corpus de Lula na quinta


O Superior Tribunal de Justiça marcou para esta quinta-feira 1º o julgamento do habeas corpus apresentado pela defesa do ex-presidente Lula; os advogados de Lula pedem para que seja evitada sua prisão imediatamente após o esgotamento dos recursos na segunda instância, como determinou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), de Porto Alegre.

O habeas corpus já foi negado de maneira provisória pelo STJ em 30 de janeiro, mas agora será analisado pela Quinta Turma da Corte.

'Intervenção não pode se resumir a envio de capitão do mato à senzala do século 21', diz ex-chefe da Polícia Civil

Júlia Dias Carneiro, Da BBC Brasil, no Rio de Janeiro, 27/02/2018

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Ex-delegado vê em intervenção possibilidade de atacar o problema da corrupção policial

Os diagnósticos incisivos de Hélio Luz, ex-chefe da Polícia Civil no Rio, ficaram marcados na memória de quem, há quase 20 anos, o assistiu no documentário "Notícias de Uma Guerra Particular", descrevendo uma polícia que foi "criada para ser violenta e corrupta" e teria papel de "garantir uma sociedade injusta".

"Como você mantém os excluídos todos sob controle, ganhando R$ 112 por mês? Com repressão", disse aos diretores João Moreira Salles e Kátia Lund, na época em que chefiava a Polícia Civil fluminense, entre 1995 e 1997, referindo-se ao valor do salário mínimo de então.

Aos 72 anos, Luz está aposentado, afastado da vida pública e vive com a família em Porto Alegre, onde nasceu. Mas continua acompanhando de perto as notícias da guerra particular que não acaba no Rio.

Em entrevista à BBC Brasil, ele faz o esforço constante de deslocar o foco das favelas, que têm sido objeto de operações policiais e militares, e apontar o espelho de volta para as elites, para a classe média e para as forças de segurança.

"Por que cercar a favela, se o crime não está ali? O cerne da questão da insegurança não está ali. Aquilo ali é o resultado", afirma, considerando que os "meninos que estão no tráfico" são produto da desigualdade social.

Luz considera que a intervenção federal pode trazer benefícios se deixar de lado ações ostensivas nas favelas - que equivalem a "enxugar gelo" e estigmatizam os moradores - e trabalhar para recuperar as estruturas policiais, neutralizando a ação de agentes corruptos e fazendo com que os "mocinhos" - integrantes do sistema de segurança - façam jus à designação popular.

"O problema do Rio não são os bandidos. O problema do Rio são os mocinhos. Se ele recuperar o quadro de mocinhos, ele pode dar uma atenção real ao quadro de bandidos", afirma.

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Como você mantém os excluídos todos sob controle, ganhando R$ 112 por mês? Com repressão', disse Luz em documentário há quase duas décadas | Imagem: Walter Carvalho

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil - Como o senhor se posiciona em relação à intervenção federal?

Hélio Luz - Eu entendo que a intervenção é constitucional. É inédita, mas é constitucional. A discussão está sendo muito reduzida ao oportunismo político de quem detém o poder. Foi uma medida oportunista? Foi, e nisso está longe de ser a primeira.

Mas acho que temos que ter uma discussão mais consequente. Estamos falando do problema de segurança da população do Rio. Há uma questão real e podemos ter uma conversa séria sobre isso.

Não vou falar no interventor, que é um cargo político, e sim no general Braga Netto, que manda no Comando Militar do Leste. O CML é o mais antigo e o mais completo arquivo de informações sobre os integrantes das polícias Civil, Militar e dos bombeiros do Estado do Rio. A troca de informação do Exército com as polícias é constante. A segunda seção das Forças Armadas sabe de tudo.

Outros comandantes do CML tiveram acesso a essas informações, mas não podiam fazer muita coisa. Agora o general tem acesso a essa inteligência e pode agir com base nela. Pode mudar o comando e mexer nas polícias. Isso é inédito.

BBC Brasil - Mas a intervenção tem data para acabar, dia 31 de dezembro. É possível resolver problemas estruturais na área de segurança?

Hélio Luz - Não, para isso, ele precisaria de mais tempo e de uma discussão mais ampla sobre um projeto de segurança. Mas ele pode recuperar a estrutura existente.

O grande problema que temos é quem executa a segurança pública. Os integrantes das polícias Militares e Civil. Se o general recuperar as estruturas internas, os agentes que provocam a insegurança ficarão limitados ao ambiente externo.

O problema do Rio não são os bandidos. O problema do Rio são os mocinhos. Se ele recuperar o quadro de mocinhos, ele pode dar uma atenção real ao quadro de bandidos.

BBC Brasil - O mocinho é o policial?

Hélio Luz - Não só o policial. São os integrantes do sistema de segurança que operam no Estado do Rio. Pode ser bombeiro, agente penitenciário, policial rodoviário. É preciso transformar o mocinho em mocinho.

Crime organizado pressupõe atuação a nível nacional, formação de um cartel e inserção nos poderes da República. O que denominam "bandidos" no Rio, e tenho ojeriza a isso, não é crime organizado. O tráfico no Rio não é cartelizado e disputa permanentemente a área geográfica. Não tem um exército ou integrantes constantes. Tem muitos problemas internos.

O pessoal não percebe que isso é um produto da sociedade. Esses meninos que estão no tráfico são um produto direto nosso, da classe média, dos detentores do poder desse país.

BBC Brasil - São um produto da desigualdade social?

Hélio Luz - São um produto da concentração de renda. E não venha me dizer que a Índia ou outros países com desigualdade não têm esse problema. Aqui é diferente, pô. O nosso nível de concentração de renda é muito alto e resulta nisso.

A favela é produto nosso. Como é que não é produto dos que detêm o poder? Como é que não é produto da classe média? É produto meu. Como é que eu tenho aposentadoria integral e não tenho responsabilidade sobre a favela? Para eu ter meus privilégios, tem que existir favela. Isso é óbvio. O dinheiro público é um só. Se eu abocanho uma maior parte, falta do outro lado. Não há saída para isso.

Ele (o general) tem condição de recuperar as estruturas policiais e beneficiar o segmento que mais sofre com essa parafernália toda, o favelado, que é estigmatizado.

Lógico que para isso ele vai precisar de um grupo de policiais civis e militares que não usem o tal do guardanapo da cabeça. Não pode. Polícia que gosta de botar guardanapo na cabeça não serve para recuperar.

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Constitucional, inédita e oportunista - assim ex-chefe da polícia civil vê intervenção federal na segurança do Rio

BBC Brasil - O senhor está falando do ex-governador Sérgio Cabral e do famoso jantar em Paris, com a farra dos guardanapos na cabeça.

Hélio Luz - É isso. Você pode ter um guardanapo para limpar a sua boca, com dinheiro privado. Na hora que você bota o guardanapo na cabeça, é dinheiro público.

Retirar a turma do guardanapo na cabeça é difícil, mas o general pode isolá-los, neutralizá-los. Não precisam ser todos. Na hora que neutraliza uma parte considerável, o restante se enquadra.

A partir disso, ele tem condições de reduzir as ações de vigilância ostensiva que essas GLOs (operações militares para Garantia de Lei e da Ordem) fazem, com tropas nas favelas estigmatizando essas áreas. Como se o problema estivesse dentro das favelas. Não está.

Como ele tem um comando inédito do sistema, ele pode priorizar investigações integradas e coordenadas para prender os agentes externos da insegurança.

Eu tenho muita dificuldade de chamar de bandido. Aqui no Brasil, chamar o pessoal que mora na favela de bandido é de uma incoerência tremenda. O bandido brasileiro usa terno e gravata.

Se ele (o general Braga Netto) quiser aprofundar as investigações, ele vai parar nas mesas de câmbio que operam na avenida Rio Branco (no centro do Rio).

Ninguém pode imaginar que o menino da favela tenha capital o suficiente para bancar os entorpecentes que circulam ali. Quem detém o capital que financia as drogas tem uma mesa que opera câmbio na Rio Branco e um filho que frequenta bons colégios. Se o general chegar lá, aí realmente vai estar combatendo o crime e melhorando as condições de segurança do Rio.

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Para Hélio Luz, desigualdade social é indissociável da violência no país

BBC Brasil - O senhor diz que o general pode reduzir a ação ostensivas nas favelas, mas a expectativa é que essas ações possam aumentar, e semana passada vimos operações militares inclusive com fichamento de moradores.

Hélio Luz - O problema é que até agora foram operações de GLO, e elas repetem o trabalho de vigilância que a polícia já fazia.

Se ficar operando nessa linha, só vai enxugar gelo. Vai ocorrer o mesmo de sempre. O pessoal (os traficantes) se afasta porque não quer confronto, mas depois retorna.

Por que fazer uma operação para cercar uma favela, se o crime não está ali? O cerne da questão de insegurança não está ali. Aquilo ali é resultado.

BBC Brasil - Em Notícias de Uma Guerra Particular, o senhor diz que a sociedade brasileira tem a polícia que quer, que garante uma elite com privilégios e uma lei que não vale para todos. O senhor acha que isso mudou?

Hélio Luz - Essa pergunta é difícil. Acho que o Brasil que vivemos na década de 60 mudou. Tivemos avanços. Naquela época não podia se falar nada sobre um senador (sobre ações ilícitas). Hoje em dia, um senador está vulnerável.

Mas um dos grandes problemas que temos nesse país é a tolerância com a ação à margem da lei. Vivemos em um tempo em que é admitido você ficar na franja. Os atos inconstitucionais estão se normalizando. A violação à lei está sendo admitida com muita tranquilidade.

Qual é a referência que se dá ao infrator que está lá na ponta? Quando a infração é praticada pelo excluído, você chama o Exército. Quando é praticada pela classe média e pelos detentores do poder, nada.

Se a lei é para ser cumprida na favela, é para ser cumprida por todo mundo. Ou a lei vale para todos ou não vale para ninguém.

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Fala de Hélio Luz em filme marcou debate sobre segurança pública Foto: Arquivo pessoal

BBC Brasil - No documentário, o senhor disse que a repressão policial evitava uma explosão social, mantendo o excluído sob controle. Essa lógica prevalece?

Hélio Luz - Sim. Na África do Sul, eles colocavam cerca de arame. Aqui não precisa colocar a cerca, porque cada um sabe o seu lugar. Então para quê você vai colocar uma operação dessas cercando a favela? O crime não está ali. Entende? O cerne da questão da insegurança não está ali. Aquilo ali é resultado.

Agora, a má distribuição de renda voltou a se acirrar, a polícia não deu mais conta e teve que chamar o Exército.

BBC Brasil - O senhor fala na concentração de renda, mas isso explica o fortalecimento das facções criminosas e as crescentes disputas por territórios?

Hélio Luz - Desculpe, mas isso é uma visão que só quem tem privilégios nesse país pode ter. Porque localiza a disputa lá na ponta. "Não, não somos nós que participamos disso. São eles." Eles quem? Os excluídos do patrimônio público. A guerra está entre eles, mas é sustentada pela turma de cima.

É preciso estabelecer uma relação entre o auxílio-moradia (benefício pago a juízes) e a parte considerável da população que não tem moradia. Essa relação causa-efeito existe nesta e em inúmeras questões.

Em todas elas, quem paga a conta no final é o favelado. Somos o país da desigualdade. E ficamos preocupados porque tem problema, entende, na senzala. Afrouxou a senzala, então agora tem que apertar de novo. Então chama o capitão do mato para dar uma solução na senzala do século 21.

O problema social está no centro da questão da favela, e a questão de segurança do Estado é uma decorrência. Quem financia a droga que está lá? É um deboche achar que o favelado tem capital suficiente para bancar a ida, vinda e perda de qualquer quantidade de entorpecentes.

BBC Brasil - Não seria o favelado que teria esse dinheiro, mas sim as facções criminosas.

Hélio Luz - Será que elas têm? Qual é a herança deixada por traficantes? Qual foi a herança deixada pelo Uê (Ernaldo Pinto de Medeiros, fundador da facção Amigos dos Amigos)? Qual é o acúmulo de todos esses chefetes que existiram?

BBC Brasil - Mas não é patrimônio acumulado, e sim de capital de giro do tráfico.

Hélio Luz - Eles não têm dinheiro acumulado. Como é que você acumula dólar? Vemos muitas simplificações quando se fala sobre o tráfico. Aí mostram a mansão do chefete que foi preso na favela. É ridículo isso. A cobertura dele é num terceiro andar com piscina na laje. Perto dos prédios que existem na Vieira Souto, na Delfim Moreira (na orla de Ipanema e Leblon). Qual é o conceito de mansão?

Fala-se que que eles acumulam dinheiro e estão bem organizados. Onde, se estão disputando boca por boca (de fumo)? Onde há crime organizado com disputa de território permanente? Não existe. Se o cara tivesse dois milhões de dólares disponíveis, ele saía da favela e ia ser rentista (risos).

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Meninos brincam de pipa no Alemão; Hélio Luz fala que ocupação do complexo foi 'ilusão'

BBC Brasil - Vemos sucessivos exemplos de traficantes presos que continuam a dar ordens de dentro da prisão, com o Nem da Rocinha. Como isso ainda acontece?

Hélio Luz - Essa condição quem dá é o sistema de segurança. O cara faz o controle por meio de agentes penitenciários. Ou é só o ex-governador (Sérgio Cabral) que tem acesso a uma comida especial (no presídio)? O mesmo caminho é usado no Rio, no Paraná ou em qualquer Estado. O sistema de segurança é vazado.

A classe média tem uma visão distorcida disso. Acha que a ponta está se organizando. Nada disso. É a desorganização do sistema penitenciário que permite que ordens saiam dos presídios.

Nós vivemos muito de ilusão. É muita ficção. A tomada do Alemão foi uma ilusão. O Complexo do Alemão nunca foi tomado. Mas por um momento aquilo (a operação de ocupação realizada por forças de segurança em 2010) gera uma sensação de segurança, e você se ilude.

Quem detém o controle? Quem recebe a corrupção ou o cara que paga? É o agente que recebe a corrupção. É quem recebe a grana. Se não pagar para a polícia, de duas uma, ou você se muda, ou vai para a vala.

Sem pagar a polícia, não se pratica crime no Rio de Janeiro.

BBC Brasil - Os problemas de segurança no Rio hoje não parecem muito diferentes da sua época à frente da Polícia Civil, nos anos 1990. Que perspectiva o senhor vê para o futuro?

Hélio Luz - Eu sou otimista. Acho que essas crises são crises de avanços. Não estamos em uma situação horrível. Quem viveu nos anos 60, 70 sabe que jamais se podia apontar o dedo para um senador.

Tudo que está acontecendo (os casos de corrupção) acontece há muito tempo nesse país. Sempre houve, mas agora nós sabemos. Agora vem a público. O Marcelo Odebrecht passar quase dois anos numa prisão é simbólico. A exposição do Judiciário com o caso do auxílio-moradia é simbólico.

(...) 

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Novos documentos da Odebrecht são mais um factoide

Zanin: querem mascarar que nenhuma prova foi produzida contra Lula

Conversa Afiada, 22/02/2018


O Conversa Afiada publica nota de Cristiano Zanin Martins, advogado do Presidente Lula:

Além de manifestamente extemporânea, a juntada de novos documentos pelo corréu e delator Marcelo Odebrecht ocorreu no mesmo dia em que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou à defesa do ex-presidente Lula ouvir o testemunho do advogado Rodrigo Tacla Duran.

Tacla Duran afirmou à CPMI da JBS e em videoconferência com advogados de Lula a ocorrência de adulteração em documentos relacionados à Odebrecht.

Perícia contratada pela defesa de Lula também constatou que documentos anteriormente juntados por Marcelo Odebrecht e que estão sendo usados pelo Ministério Público Federal contêm elementos que permitem afirmar que não são inidôneos. O assunto é discutido em incidente de falsidade ainda pendente de julgamento.

De acordo com a lei os novos documentos deverão ser retirados do processo. Se isso não ocorrer, a defesa de Lula irá questionar a idoneidade do material, além de pedir a reabertura da fase de instrução, para que todas as testemunhas sejam novamente ouvidas.

Além dos vícios que poderão anular o processo, os documentos juntados hoje por Marcelo Odebrecht em nada mudam a realidade de que Lula jamais solicitou ou recebeu a propriedade ou a posse de qualquer imóvel para o Instituto Lula. Tampouco demonstram que qualquer recurso ilícito tenha sido direcionado a Lula.

A iniciativa é mais um factoide que tem por objetivo mascarar que nenhuma prova foi produzida contra Lula após a coleta de inúmeros depoimentos e diversas diligências.

CRISTIANO ZANIN MARTINS

Lula: lambam as feridas. Sou candidato!

E que vença a Democracia!

Conversa Afiada, 22/02/2018
"O problema não é o Lula, são os milhões de Lulas!" (Créditos: Ricardo Stuckert)


Do site Lula.com.br:

Em Belo Horizonte, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse na noite desta quarta-feira (21) que a oposição teme sua candidatura porque se recusa a ouvir a voz do povo. Lula participou do lançamento de sua pré-candidatura à Presidência da República nas eleições deste ano no Expo Minas, no centro da capital mineira, ao lado do governador Fernando Pimentel e da senadora e presidenta do PT Gleisi Hoffmann.

"Aprendi a não baixar minha cabeça. Quero dizer pra aqueles que não querem que eu seja candidato: aprendam a lamber suas feridas e permitam que a democracia vença".

Lula disse ainda que a perseguição jurídica a ele nunca terá o efeito desejado, porque "é impossível prender ideias". 

"Quero dizer aos meus algozes: Prendam minha carne, mas as minhas ideias continuarão soltas. Não vão prender nossos sonhos". E completou: "Quando prenderam Genoíno e Zé Dirceu, nós elegemos o Haddad. Quando acharam que tinham nos destruído elegemos a Dilma e o Pimentel. Toda vez que eles tentam destruir o PT nós nos reerguermos. O problema não é o Lula, são os milhões de Lulas". 

A senadora e presidente do PT Gleisi Hoffmann falou em nome do partido e disse que "o país é refém de uma elite que não aceita as melhorias da classe mais pobre, mas o Lula será candidato e continuará essas mudanças. O PT não tem plano B.” 

O governador Fernando Pimentel comparou, assim como Lula, os desrespeitos à democracia com a época da ditadura militar. “Ao invés de tanques e fuzis eles usam mandatos de busca e apreensão. Eles estão tentando jogar o povo contra as Forças Armadas e as Forças Armadas contra o povo. O povo brasileiro resolveu resistir e nós vamos pra cima deles para exercer nossos direitos democráticos, nós vamos votar no Lula para presidente da República. Não existe nenhuma sentença fajuta que vai nos impedir".

Ao fim de sua fala, Lula revelou seu desejo de voltar para garantir ao povo o direito de viver melhor.

Leia também no Conversa Afiada:

Paulo Preto explica a desistência de Serra na eleição de 2018


Revelação de que o ex-presidente da Dersa Paulo Preto, apontado como operador do PSDB, era o beneficiário de R$ 113 milhões em contas na Suíça pode ter sido um motivo para que o senador José Serra (PSDB-SP) não tenha se lançado candidato esse ano.

A tese é levantada pelo jornalista Ricardo Kotscho, que resgata o histórico da relação entre Paulo Preto e Serra.

O operador tucano também é investigado em inquérito sob suspeita de ser operador de Serra em desvios de recursos do Rodoanel.

Kotscho, porém, recomenda "ir com calma" a quem acha que "agora acabou a impunidade dos tucanos".

Josias: 'Com Paulo Preto, faxina chega ao porão tucano'


"A descoberta de que Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, manteve uma fortuna em contas na Suíça leva a faxina nacional ao recanto mais obscuro do porão do ninho do PSDB –um local onde os tucanos são pardos. Não se trata de denúncia vazia Vem acompanhada de papéis avalizados por autoridades suíças. Também não é coisa exumada de catacumbas remotas. Em junho de 2016, havia o equivalente a R$ 113 milhões em quatro contas. Em fevereiro de 2017, com a Lava Jato a pino, a grana fugiu para as Bahamas", escreve o jornalista Josias de Sousa em seu blog.