SEIS POR MEIA DÚZIA
Hugo Motta intermediou reunião entre o secretário licenciado de Segurança Pública de SP e o diretor da PF para debater alterações no relatório; atuação da PF segue limitada
O deputado e secretário licenciado de Segurança Pública de SP, Guilherme DerriteCréditos: Fernando Frazão/Agência Brasil
Por Ivan Longo Revista Fórum, 11/11/2025 · 05:20 hs
O bolsonarista Guilherme Derrite (PP-SP), deputado federal e secretário licenciado de Segurança Pública do governo de São Paulo, após a forte repercussão negativa, apresentou na noite desta segunda-feira (10) uma nova versão de seu relatório para Projeto de Lei 5.582/2025, o chamado de PL Antifacção, proposta do governo Lula enviada ao Congresso Nacional para fortalecer o combate ao crime organizado.
Derrite alterou o trecho em que retirava poderes da Polícia Federal (PF) para investigar organizações criminosas, mas a nova versão segue limitando a atuação da instituição, o que tem gerado críticas de membros do governo Lula e parlamentares.
A própria escolha de Derrite, por parte do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para relatar o projeto já vinha sendo alvo de críticas do governo Lula e de sua base na Câmara. As críticas se multiplicaram após Derrite apresentar a primeira versão de seu relatório, que, na prática, sabotaria o combate coordenado às organizações criminosas no Brasil. O bolsonarista havia alterado o texto original enviado por Lula, retirando poderes da Polícia Federal (PF) nas investigações sobre facções.
Segundo o relatório de Derrite, a PF só poderia se envolver em investigações de organizações criminosas quando as apurações tivessem alcance nacional, e ainda assim mediante autorização dos governos estaduais.
O trecho provocou forte reação do governo Lula e da própria PF. A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou que a retirada das atribuições da PF no relatório de Derrite representa "um presente para as facções que atuam em todo o país".
"As mudanças do relator Guilherme Derrite no Projeto de Lei Antifacção tiram a Polícia Federal do combate ao crime organizado. Isso é um presente para as facções que atuam em todo o país, inclusive no mercado financeiro, e que estão sendo enfrentadas com inteligência. As mudanças inviabilizam ações coordenadas contra a estrutura financeira das facções, como a Operação Carbono Oculto, e podem tumultuar os inquéritos e ações judiciais em andamento, porque alteram as competências da União e dos Estados, de forma inconstitucional. Na prática, as mudanças que o Secretário de Tarcísio de Freitas propõe, vão proteger a bandidagem e as facções, subvertendo totalmente o projeto enviado pelo governo do presidente Lula", disse a ministra em nota.
"E para piorar, ele mantém com outro nome a ideia de classificar facções como terroristas, que não resolve nada, mas é uma grave ameaça à soberania do país e nossas empresas. Crime organizado se combate com ações conjuntas e coordenadas, com planejamento e inteligência, como propõe a PEC da Segurança Pública que o governo enviou em abril à Câmara dos Deputados e esse projeto de Lei Antifacção", prosseguiu Gleisi.
A PF, por sua vez, se manifestou através de nota oficial expressando preocupação em relação às mudanças feitas por Derrite.
"A Polícia Federal acompanha com preocupação as alterações produzidas pelo relatório sobre o Projeto de Lei Antifacção, atualmente em debate no Congresso Nacional. A proposta original, encaminhada pelo Governo do Brasil, tem como objetivo endurecer o combate ao crime e fortalecer as instituições responsáveis pelo enfrentamento às organizações criminosas. Entretanto, o texto em discussão no Parlamento ameaça esse propósito ao introduzir modificações estruturais que comprometem o interesse público", aponta o texto da PF.
"A execução de operações pela Polícia Federal dependeria de solicitação do governo estadual da região investigada, o que constitui um risco real de enfraquecimento no combate ao crime organizado. Essa alteração, somada à supressão de competências da Polícia Federal, compromete o alcance e os resultados das investigações, representando um verdadeiro retrocesso no enfrentamento aos crimes praticados por organizações criminosas, como corrupção, tráfico de drogas, desvios de recursos públicos, tráfico de pessoas, entre outros", prossegue o comunicado.
Seis por meia dúzia
Diante da forte repercussão negativa, o presidente da Câmara, Hugo Motta, intermediou uma reunião, na noite desta segunda-feira (10), entre Derrite e o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, e pouco depois o secretário licenciado de Segurança Pública de São Paulo apresentou a nova versão de seu texto com alterações.
Nesta nova versão, Derrite exclui o trecho que havia causado críticas e, no lugar, propõe "garantir que a Polícia Federal participe das investigações de organizações criminosas, paramilitares ou milícias civis". Segundo o bolsonarista, a PF atuará "em caráter cooperativo com a polícia estadual respectiva, sempre que os fatos investigados envolverem matérias de sua competência constitucional ou legal".
A alteração, entretanto, não representa uma mudança significativa. Isso porque a participação da PF nas investigações, segundo a nova versão do relatório, seguiria se dando de maneira "cooperativa" com as polícias estaduais, e só poderia atuar nesses casos mediante solicitação do delegado de polícia estadual ou do Ministério Público estadual ou por iniciativa própria, desde que comunique previamente a investigação aos governos estaduais. Ou seja, a autonomia da PF para investigar o crime organizado seguiria limitada.
A nova versão não agradou o governo Lula e sua base no Congresso Nacional, que consideram a mudança como trocar "seis por meia dúzia". Marivaldo Pereira, secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, disse que o texto "continua muito ruim".
"O texto continua muito ruim. Ele retirou a exigência de provocação ao governador, mas mantém a lógica de transferir toda a competência às polícias civis ou de submetê-la à autorização do estado", afirmou.
Glesi Hoffmann, ministra das Relações Institucionais, também se manifestou de forma contrária à nova alteração feita por Derrite no PL Antifacção.
"Não há e não haverá acordo que suprima as competências, atribuições e autonomia da Policia Federal. Encaramos com preocupação qualquer manobra pra modificar o papel da PF no combate ao crime organizado", escreveu Gleisi em suas redes sociais.
Já o líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (RJ), afirma que Derrite fez um texto "para domesticar a PF e isso é inegociável".
"Acaba de sair o novo parecer do relator Derrite sobre o PL Antifacção. As alterações não mudam coisa alguma: ele continua atacando a Polícia Federal, tentando transformar um instrumento de Estado em refém de interesses políticos. É um texto feito para domesticar a PF e isso é inegociável! 'Algo deve mudar para que tudo continue como está.' A frase de Lampedusa descreve o truque: a PF só pode agir se houver solicitação estadual, ou — pasmem — se 'agir por iniciativa própria', precisa avisar antes, como se pedisse autorização. Estão com medo de uma operação surpresa?", escreveu o petista.
"O parecer ainda inclui todas as organizações criminosas, como facções, milícias, tráfico e grupos paramilitares, na condição de equiparáveis ao terrorismo, com o objetivo de blindar o crime organizado. Por trás disso está o braço político do crime, interessado em proteger agentes, contratos e emendas que a Operação Carbono Oculto começou a revelar. A matança de anônimos virou cortina de fumaça para esconder a aliança entre o poder e o crime. O Brasil não vai aceitar esse golpe de impunidade!", emendou Lindbergh.
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