Ricardo Vélez-Rodríguez foi escolhido ministro da Educação do
governo Bolsonaro.
Desde a redemocratização do País, o Ministério da Educação tem conseguido, com maior ou menor êxito, manter uma linha de trabalho com consistência técnica, apoiada em evidências de pesquisas e de dados educacionais. Essa continuidade de políticas públicas estruturantes garantiu avanços importantes em diferentes governos — embora em ritmo muito aquém das necessidades econômicas e cidadãs de nossa população.
Ainda que hoje haja divergências sobre as formas de implementação, as metas educacionais para o País estão claras e são balizadas pelo Plano Nacional de Educação (PNE). O documento é o principal consenso entre especialistas para se garantir uma educação de qualidade para todos, da creche à pós-graduação.
Educadores, pesquisadores com visões teóricas diversas e gestores educacionais dos mais variados espectros políticos concordam que o Brasil precisa universalizar a educação básica, garantir a aprendizagem de todos na idade certa, investir mais recursos e melhorar a gestão, garantir mais oportunidades de educação técnico-profissional e superior e formar melhor e valorizar mais seus professores.
Diante disso, o anúncio de Ricardo Vélez-Rodríguezpara o Ministério da Educação tem preocupado a comunidade educacional. Desconhecido e inexperiente na área, o teólogo ganhou visibilidade pelas declarações polêmicas à imprensa e em seu blog pessoal, por seu apoio ao movimento Escola sem Partido e por ter grande apoio da bancada evangélica no Congresso Nacional. Com essas informações, deduz-se que a pasta no novo governo concentrará suas ações para combater aquilo que tanto as suas declarações quanto as do presidente eleito, Jair Bolsonaro, apontam como uma educação ideologizada.
Até o momento, porém, nada na direção de responder aos desafios reais do cotidiano educacional. Para além de suas posições políticas, olhamos com preocupação a falta de menção do futuro ministro ao principal documento norteador da política educacional do País e aos problemas concretos da educação brasileira: alfabetização, evasão, distorção idade-série e financiamento, entre outros, comprovados por dados, indicadores e pesquisas.
Importa-nos saber como Rodríguez pretende implementar o Plano Nacional de Educação. Queremos ouvir do novo governo quais serão suas políticas para garantir acesso, permanência e aprendizagem adequada a todos os brasileiros, da creche até o ensino médio. Como pretende incluir na escola os 2,5 milhões de crianças, adolescentes e jovens de 4 a 17 anos que ainda estão fora dela? O que fará para que não passem pela escola sem aprender o básico, como 1 milhão de crianças brasileiras que hoje não aprendem a ler e a escrever até o 3º ano do Ensino Fundamental? Como pretende diminuir as taxas de reprovação e evasão para que 100% dos alunos que ingressem na escola no Brasil concluam o Ensino Médio e não apenas 59%, como acontece hoje?
O PNE buscou responder a essa realidade desafiadora com 20 metas que se articulam entre si. Como cumpri-lo não é opcional, o novo ministro precisa demonstrar como garantirá orçamento para a área em 2019. Afinal, a pasta da Educação perdeu muitos recursos desde o início da crise econômica, num país em que o investimento por aluno na educação básica já é, em média, menos da metade do que o dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).
Nesse sentido, um grande desafio que temos à frente é a aprovação de um novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) até 2020. Trata-se de uma oportunidade muito importante não só de reduzir as desigualdades regionais, como também de garantir um patamar mais adequado de investimento em educação básica pelo governo federal.
Para cumprir o PNE, também será preciso desenhar um Sistema Nacional de Educação, uma legislação fundamental para melhor definir atribuições e responsabilidades entre municípios, estados e a União na oferta educacional. Caberá ao governo federal propor um novo desenho de governança da educação básica, negociá-lo com governadores e prefeitos e com o Congresso para aprová-lo.
A melhoria das condições de trabalho dos profissionais da educação é outra frente com impacto direto em diversas metas do PNE. Para além de alimentar a vigilância sobre professores e materiais didáticos, como pretende o Escola sem Partido, queremos saber do novo governo quais serão suas políticas para que o País avance na melhoria de infraestrutura das escolas, na qualidade da formação inicial e continuada de professores e na valorização de salários e carreiras docentes.
O compromisso com a aprendizagem na idade certa para todos precisa ser assumido como prioridade. Para isso, é necessário não só cumprir as demais metas, como também dar continuidade à implementação da Base Nacional Comum Curricular — documento cuja elaboração levou anos e atravessou diferentes governos e contou com ampla participação da sociedade em sua elaboração.
Esses são os desafios colocados hoje para a educação brasileira. O País não só tem urgência em respondê-los adequadamente, como não pode correr o risco de retroceder em nenhuma conquista, já que as perdas humanas e econômicas seriam desastrosas. Para se garantir uma educação de qualidade, será necessário ao novo ministro se afastar das agendas partidárias, que têm capturado o debate sobre educação com uma verdadeira cortina de fumaça, e buscar aqueles que conhecem os dados, as pesquisas e sobretudo a realidade das redes de ensino e escolas brasileiras.
*Mônica Gardelli Franco é mestre e doutora na área de currículo e superintendente do Cenpec.
Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do HuffPost Brasil e não representa ideias ou opiniões do veículo. Mundialmente, o HuffPost oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.
Fonte: Msn, 28/11/18
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