sábado, 19 de outubro de 2019

"No que respeita ao Brasil de hoje temos a ideologia neofascista, o movimento neofascista e um governo no qual os neofascistas ocupam a posição dominante – lograram, após alguns meses de governo, deslocar o grupo militar para um plano secundário e o grupo militar é propenso a outro tipo de ditadura", afirma o professor de Ciência Política da Unicamp Armando Boito

Brasil247, 18 de outubro de 2019, 13:02 h
 Presidente Bolsonaro (Foto: Antonio Cruz - ABR)

Por Armando Boito*

Como caracterizar o movimento de extrema direita que chegou ao poder no Brasil? E como caracterizar o governo Bolsonaro? Neoliberal? Neocolonial? Neofascista? Todas as anteriores?

Intelectuais e dirigentes políticos socialistas e progressistas têm afirmado que não se deve caracterizar o Governo Bolsonaro e o movimento que o apoia como fascistas ou neofascistas. Argumentam contrapondo tal movimento e tal governo a uma caracterização a nosso ver errônea do fascismo original. Ao contrário do que pensam aqueles que recusam o conceito de fascismo ou de neofascismo para caracterizar o bolsonarismo, não é correto caracterizar o fascismo pela fração burguesa que deteve a hegemonia política no fascismo original – a grande burguesia monopolista italiana e alemã – e tampouco é correto caracterizá-lo fazendo referências genéricas ao nacionalismo, ao militarismo e às práticas imperialistas característicos da política dos Estados fascistas originais.

Essas ideologias e práticas também estiveram ou estão presentes em democracias burguesas daquele e de outros períodos históricos. Dentro de uma mesma forma de Estado – seja a democracia, a ditadura militar ou a ditadura fascista – são possíveis diferentes blocos no poder e, consequentemente, diferentes tipos de política econômica, social e externa.

A ditadura fascista num país imperialista não terá o mesmo bloco no poder que uma similar sua implantada num país cuja economia e cujo Estado são, ambos, dependentes. Isso significa que é possível sim contemplar a hipótese de um movimento fascista e de uma eventual ditadura fascista submissos ao capital internacional, e não à burguesia nacional imperialista como sucedeu na Alemanha e na Itália. Dito diretamente: um governo fascista pode aplicar uma política econômica e social neoliberal e, nos países dependentes da América Latina, pode aplicar uma política externa de subordinação passiva aos EUA.

A distinção entre forma de Estado e bloco no poder é fundamental. Porém, para caracterizar o neofascismo já em vigor no Brasil, é necessário mobilizarmos outras distinções conceituais. É preciso explicitar a distinção, que opera implicitamente no parágrafo anterior, entre a forma de Estado, o movimento e a ideologia.

A ditadura fascista supõe a existência de uma ideologia, a ideologia fascista, e tal regime ditatorial somente se torna realidade se houver um movimento social, o movimento fascista movido pela ideologia fascista, que lute para a implantação daquele regime. Mas – atenção! – os fascistas também fazem cálculos táticos, podem hesitar e nem sempre têm toda clareza sobre os seus objetivos. Eles podem, numa determinada conjuntura, abrir mão da luta por uma ditadura fascista, postergá-la, ou mesmo não ter clareza sobre ela.

Palmiro Togliatti, em seu livro clássico Lições sobre o fascismo, mostra que aconteceu um pouco de tudo isso no Governo Mussolini entre 1922 e 1925. E não estava dado que Mussolini sairia vitorioso da crise gerada pelo assassinato do deputado socialista Mateotti. Ou seja, teoricamente é possível admitir que um movimento fascista, movido pela ideologia fascista, chegue ao governo e não logre implantar uma ditadura fascista.

No que respeita ao Brasil de hoje temos a ideologia neofascista, o movimento neofascista e um governo no qual os neofascistas ocupam a posição dominante – lograram, após alguns meses de governo, deslocar o grupo militar para um plano secundário e o grupo militar é propenso a outro tipo de ditadura. O que não temos no Brasil, pelo menos até agora, é um regime político fascista. O regime vigente no Brasil é uma democracia burguesa deteriorada e em crise.

Leia a matéria, integralmente, em "A Terra é redonda"

*Armando Boito é professor titular de Ciência Política da Unicamp e autor, entre outros livros, de Reforma e crise política no Brasil: os conflitos de classe nos governos do PTPT

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