terça-feira, 25 de junho de 2013

Em defesa da Amazônia: Campanha contra uso exclusivo do domínio .amazon

Senado adere à luta de Brasil e demais países amazônicos contra pedido de uso exclusivo do sufixo de internet feito por empresa norte-americana de comércio on-line
Joseana Paganine
A Floresta Amazônica, que abrange oito países e possui 38 milhões de habitantes, é uma das regiões mais ricas do mundo em biodiversidade e recursos naturais, como água doce Foto: PPBIO
Estoque da Amazon: a empresa norte-americana, com sede em Seattle, é uma das maiores do mundo em comércio virtual, vendendo de livros a roupas e produtos eletrônicos Foto:Reprodução/Amazon Genius
 
Não só a Amazônia é dos brasileiros. O nome da maior floresta do mundo também. E dos outros sete países que possuem território na região: Peru, Colômbia, Equador, Bolívia, Suriname, Guiana e Venezuela. Juntos, os países lutam pelo direito de poder criar livremente endereços de internet com o sufixo .amazon, usando a tradução inglesa da palavra. A propriedade do domínio de primeiro nível — que funciona como os genéricos .com ou .org — está sendo requerida pela empresa de comércio eletrônico Amazon.

Na quarta-feira, o Senado aderiu à campanha Nossa Amazônia — Contra a Privatização do Nome Amazônia, iniciativa que tem a participação do governo, da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI). Para participar, é só entrar na página  da campanha — www.nossaamazonia.org.br — e assinar a petição. Até o momento, 2.160 pessoas já aderiram à campanha.   


 
 Vanessa Grazziotin lidera a campanha no Senado Foto: Arthur Monteiro
 
 Para Ramlakhan, da OTCA, o nome amazon pertence ao povo Foto: Arthur Monteiro
As assinaturas serão apresentadas na reunião da Icann, sigla   em inglês para Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números, que acontecerá de 14 a 19 de julho na África do Sul.

A Icann é uma instituição norte-americana responsável pela coordenação global do sistema de identificadores de endereços da internet (veja box). A corporação vai decidir em agosto se a propriedade do nome pode ser dada à Amazon.

— Se o pedido da empresa for acatado, será como uma patente. Para usar o nome, os habitantes terão de pedir e pagar para os norte-americanos. Queremos que o nome não seja de ninguém, muito menos de uma empresa privada — protestou Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que lidera o movimento contra a Amazon.

Engajamento
O presidente da Comissão de Relações Exteriores (CRE), Ricardo Ferraço (PMDB-ES), acredita que a campanha vai estimular o engajamento da população em torno da reivindicação. O senador pediu a Vanessa que apresente à comissão, na próxima semana, um relatório sobre o andamento da iniciativa.

João Capiberibe (PSB-AP) pediu a participação do maior número possível de cidadãos, de norte a sul do país. Ele ­lembrou o caso ocorrido com o cupuaçu.

Em 2003, a empresa japonesa Asahi Foods conseguiu registrar a patente “cupuaçu” no Japão, Estados Unidos e Europa. O registro da marca impedia a venda de qualquer produto brasileiro com o nome da fruta, como bombons, sucos e geleias.

Várias ONGs pediram o cancelamento da patente na Justiça do Japão, argumentando que a lei do país impede o registro de nomes de matéria-prima como propriedade particular. O cancelamento veio em 2004.

De acordo com o secretário-geral da OTCA, Robby Ramlakhan, são constantes as tentativas de comércio internacional de se apropriar de nomes e produtos da Amazônia.

— Não se trata apenas de referência geográfica. É questão de cultura, soberania e oportunidade. Temos de proteger o futuro dos povos amazônicos — disse ­Ramlakhan, que também é embaixador do Suriname no Brasil.

Preocupação com nomes de lugares vem desde 2007
Em 2012, a Icann abriu a possibilidade de registrar domínios de primeiro nível, ampliando o leque de sufixos que contava apenas com os genéricos e com o nome de países, como .br. Foram feitos 1.930 pedidos de domínios, que serão agora autorizados ou não pela corporação.

Ao saber que a Amazon havia solicitado a exclusividade do sufixo, os governos brasileiro e peruano entraram com uma contestação, alegando que se trata de denominação geográfica e, portanto, pública. O embaixador Benedicto Fonseca Filho disse que o problema começou em 2007 porque a Icann, ao elaborar as regras para novos domínios, não acatou recomendação dos governos que proibia o uso de nome de lugares, entre outros termos de uso comum.

Segundo ele, outras empresas também pediram exclusividade de nomes geográficos. É o caso da norte-americana Patagonia, especializada em artigos esportivos, que solicitou o domínio .patagonia. O pedido também está sendo contestado por Argentina e Chile.


— Os governos não têm assento na Icann. E a instituição parou de seguir as nossas recomendações. A Icann obedece à legislação norte-americana. Se houver litígio, a disputa ocorrerá em tribunais de lá. O governo brasileiro considera isso um absurdo, mas respeita a situação de fato — avaliou o embaixador e diretor do Departamento de Temas Científicos e Tecnológicos do Ministério de Relações Exteriores.

Fonseca também considera que o lançamento do domínio de primeiro nível foi feito de forma rápida, com pouca discussão.  Isso porque, segundo ele, tem havido prevalência de interesses comerciais na Icann. Para exemplificar o problema criado, ele citou o caso de nomes comuns como “hotel”.

— Quem ficará com o domínio de primeiro nível .hotel? A regra é quem oferece mais leva — afirmou o embaixador.
Para ele, a Amazon é coerente com a estratégia comercial quando pede sufixo exclusivo. Mas é legítimo também que se conteste o pedido em função do interesse público. Fonseca contou que já houve duas conversas com a empresa e os membros da OTCA, sem consenso.

— Se a decisão for contra o interesse público, o Brasil se reserva o direito de recorrer. Queremos que a internet continue aberta, transparente e veículo de desenvolvimento.

Regras
O representante da Icann no Brasil, Everton Lucero, explicou que, para uma objeção a nome geográfico ser aceita, é preciso que a reivindicação atenda quatro quesitos: comunidade delineada, oposição substancial, forte associação e identificação entre a comunidade e o nome e prejuízo material para a comunidade.

— Nenhum novo nome foi introduzido na raiz do sistema. Estamos em processo de avaliação. Mas já há consenso em torno do sufixo .africa, que não será utilizado como domínio privado — contou.

Além dos países da Amazônia, Lucero revelou que um professor de uma universidade francesa  apresentou à Icann uma objeção independente à utilização comercial do domínio .amazon. A França tem interesse na Amazônia. Parte do território da Guiana Francesa está na região amazônica.

Questão envolve inclusão digital na Amazônia
Senador Eduardo Braga é contra privatização do nome Foto: José Cruz
Henriques, da Anid, pede inclusão digital para a região Foto: José Cruz
Eduardo Braga (PMDB-AM) ressaltou que a questão é de importância nacional e internacional. Trata-se não só de um problema de nomenclatura, mas de inclusão digital.

— O nome da Amazônia não é uma marca. Pertence às pessoas da região, que precisam, urgentemente, ser incluídas na era digital. Estamos vendo, neste momento, o quanto a participação virtual nas redes sociais pode ser importante para a transformação — afirmou, referindo-se às recentes manifestações de rua ocorridas no Brasil.

É o que pensa também o presidente da Associação Nacional para Inclusão Digital (Anid), Percival Henriques. Na avaliação dele, a Amazônia precisa ser inserida no mundo digital. Estudos mostram que a instalação de banda larga em uma região impacta em cerca de 10% a economia local, disse.

— Quem não tem informação sobre a importância de um domínio na internet não entende a necissidade de lutar para que o nome amazon permaneça de domínio público. Quando essas pessoas acordarem, os domínios já estarão registrados — ponderou Henriques.

Como funciona a gestão da internet
A governança mundial dos endereços de internet é feita pela Icann. Ela é responsável pelo Sistema de Nomes de Domínio (DNS), que inclui a alocação de protocolos da internet (IP) — um número que cada aparelho conectado à web possui — e a concessão de domínios de primeiro nível, tanto genéricos (.com, .org, .net) quanto de países, como .br, .fr e .uk. Agora, a Icann passa a definir domínios de primeiro nível específicos, como é o caso do .amazon.
O sistema ajuda os usuários a encontrar o caminho na internet. Cada computador tem um endereço exclusivo, IP, composto por sequência de números. Como é difícil memorizar endereços IP, o DNS permite substituir os números por letras, o “nome do domínio”, como www.senado.leg.br.

De acordo com Everton Lucero, da Icann no Brasil, a corporação trabalha agora para introduzir sinais fora do alfabeto latino no sistema, como caracteres árabes e cirílicos. O objetivo, segundo ele, é ampliar o acesso à internet nos países que usam tipos diferentes de letras gráficas.
No Brasil, quem ­gerencia o sistema é o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC). Desde 2005, é esse núcleo que implementa as decisões e os projetos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI). Entre outras funções, o NIC faz o registro e a manutenção dos nomes de domínios que usam o .br.

— O Comitê Gestor da Internet é uma instituição moderna, multissetorial, com 21 representantes do governo, das universidades, da iniciativa privada — ­assegura Virgilio Almeida, secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Saiba mais
Nossa Amazônia — Contra a Privatização do Nome Amazônia
www.nossaamazonia.org.br
Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (Icann)
www.icann.org.br
Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OCTA)
www.otca.info
Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC)
www.nic.br
Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI)
www.cgi.br
Veja as edições anteriores do Especial Cidadania em www.senado.leg.br/jornal

Fonte: Jornal do Senado, 24/06/13

 
 

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