A água potável mata a sede do homem e dos animais, permite a
higiene pessoal, é essencial para a agricultura, produz energia e serve à
navegação. Por isso, a necessidade de enfatizar a cooperação para a
gestão da água potável, em seus diversos níveis
Joseana Paganine
Rio Amazonas: a bacia possui cerca de 60% da água doce disponível no Brasil |
Na próxima sexta-feira, comemora-se o Dia Mundial da Água. A data
foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) há 20 anos para
estimular a reflexão e a mudança de atitude em relação ao recurso
natural mais importante para a humanidade.
Para orientar as celebrações em 2013, a ONU escolheu o tema
“Cooperação pela água”. A intenção é estimular a elaboração e a
divulgação de medidas práticas para utilização conjunta e consciente da
água doce. Em anos anteriores, foram debatidos assuntos como água e
segurança alimentar e saneamento.
Rios que atravessam fronteiras exigem cooperação internacional. Os
países precisam partilhar água subterrânea fronteiriça, importante fonte
de água doce. “Embora haja água doce suficiente para todos, os recursos
são distribuídos de forma desigual. Em muitas regiões, a água é cada
vez mais escassa devido ao crescimento populacional, urbanização,
poluição, desenvolvimento econômico e mudanças no clima”, alerta a ONU.
Na
avaliação do organismo internacional, a pressão crescente sobre os
recursos hídricos cria um ambiente favorável a conflitos e torna mais
difícil gerenciar a água de forma sustentável e equitativa.
Atualmente, cerca de 60% das 276 bacias hidrográficas internacionais
não possuem gestão cooperativa. Como caso bem-sucedido de
compartilhamento de água, a ONU lembra as negociações travadas entre
Jordânia e Israel, a partir de 1950, para a gestão do Rio Jordão, mesmo
em ambiente de conflito no Oriente Médio. Outro exemplo lembrado é o do
Rio Mekong, na Ásia. A Guerra do Vietnã não impediu que Camboja, Laos,
Tailândia e Vietnã continuassem trocando informações sobre o fluxo do
rio, tão importante para a sobrevivência dos habitantes da região. “A
água pode ser também um catalisador para a cooperação e para a
construção de relações pacíficas. Muitas vezes, as negociações sobre uma
questão prática fornecem uma base para o diálogo, mesmo quando relações
políticas são tensas. A cooperação em torno da água pode, assim, servir
também como um caminho para o processo de paz”, acredita a ONU.
Brasil
O assessor internacional da Agência Nacional de Águas (ANA), Luiz
Amore, explica que a gestão compartilhada de rios fronteiriços é uma
diretriz das normas brasileiras. Está, por exemplo, no Plano Nacional de
Recursos Hídricos, que possui planos específicos para cada uma das 12
regiões hidrográficas brasileiras, e no Plano Estratégico de Recursos
Hídricos dos Afluentes da Margem Direita do Rio Amazonas. As ações
envolvem cooperação técnico-científica e gestão conjunta, com troca de
informações e experiências.
A cooperação pela água também vem se fortalecendo internamente. O
assessor lembra o Programa de Desenvolvimento do Setor Água
(Interáguas), que fornece assistência técnica para planejamento e gestão
dos recursos hídricos, especialmente nas regiões menos desenvolvidas do
país. Estão previstos R$ 283,3 milhões para aplicação no programa.
Desigualdade também é hídrica
De acordo com a ONU, cerca de 1 bilhão de pessoas não têm acesso à
água suficiente para atender necessidades diárias de consumo e higiene.
Para viver com dignidade, uma pessoa precisa de 110 litros por dia.
Segundo projeções das Nações Unidas, em 2025, 1,8 bilhão de pessoas
terão carência absoluta de água. Dois terços da população mundial
viverão em países com sérios problemas de abastecimento, especialmente
na África, no Oriente Médio e na Ásia.
Hoje, a disparidade entre os países é grande. Nos Estados Unidos, a
média de consumo é de 300 litros/dia por pessoa. Na Europa, 200 litros.
No Brasil, 150 litros.
A África Subsaariana consome entre 10 e 20 litros/dia. De acordo com
a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp),
gastar mais de 120 litros de água por dia é desperdiçar recursos
naturais.
Brasil: reservatório de água do mundo
O Brasil é o país que mais possui água doce, 12% de todas as fontes
mundiais. Algumas delas são geograficamente partilhadas com os países
vizinhos.
É o caso da bacia do Rio Amazonas, a mais extensa rede hidrográfica
do planeta, que começa nos Andes peruanos e termina no Oceano Atlântico.
Percorre o território do Brasil (63%), Peru (17%), Bolívia (11%),
Colômbia (5,8%), Equador (2,2%), Venezuela (0,7%) e Guiana (0,2%). Por
ela, correm 20% das águas doces superficiais do mundo.
O Tratado de Cooperação Amazônica — assinado em 1978 por Brasil,
Bolívia, Peru, Equador, Suriname, Colômbia, Guiana e Venezuela — é o
instrumento jurídico que reconhece o caráter fronteiriço da bacia. Em
1998, foi criada a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
(OTCA), com sede em Brasília. Em 2011, o Ministério das Relações
Exteriores realizou a primeira reunião dos países-membros da OTCA para
promover o diálogo multilateral sobre a região hidrográfica.
Os oito países fazem parte também do Projeto Gerenciamento Integrado e
Sustentável dos Recursos Hídricos Transfronteiriços na Bacia do Rio
Amazonas. A intenção do projeto é promover o uso sustentável do solo e
dos recursos hídricos da região em face dos impactos decorrentes das
mudanças climáticas.
De acordo com a ANA, por causa do tratado e do plano, não existem
sérios problemas quanto à utilização da água na bacia amazônica”.
O Sistema Aquífero Guarani é um dos maiores reservatórios
subterrâneos de água doce do mundo e possui alto valor estratégico, pois
está em região com grande demanda de água. O aquífero é uma formação
geológica capaz de armazenar água potável. Segundo a ONU, 2 bilhões de
pessoas dependem dos 273 aquíferos do mundo.
Quatro países
O Aquífero Guarani abrange parte dos territórios de Brasil,
Argentina, Paraguai e Uruguai. Em 2010, os quatro países assinaram
acordo para ampliar os níveis de cooperação científica sobre o sistema e
criar mecanismos de gestão compartilhada dos recursos hídricos.
O acordo foi aprovado por Argentina e Uruguai, mas precisa ser votado pelos Parlamentos brasileiro e paraguaio.
No
Brasil, a reserva estende-se por Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do
Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São
Paulo. Já foram implantados projetos-piloto em áreas representativas do
sistema e que apresentam possibilidade de conflitos relacionados ao uso
de águas subterrâneas ou a mudanças no uso do solo. Duas áreas estão
em regiões fronteiriças: Santana do Livramento (Brasil)–Rivera
(Uruguai) e Concordia (Argentina)–Salto (Uruguai). As outras duas são
Itapúa (Paraguai) e Ribeirão Preto (Brasil).
Regulamentação de águas em depósito e tarifa social são alguns dos projetos do Senado
Em relação à água, o Senado tem investido na aprovação de projetos
que procuram aperfeiçoar o setor. A Comissão de Meio Ambiente (CMA)
debate o Projeto de Lei do Senado (PLS) 398/12, de Pedro Taques
(PDT-MT), que regulamenta a propriedade da União sobre águas em
depósito. O artigo 26 da Constituição estabelece que são propriedade dos
estados as águas superficiais ou subterrâneas e as águas em depósito,
“ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da
União”. Águas em depósito são as contidas em reservatórios construídos
para armazenar para o consumo humano, dessedentar animais, irrigar,
navegar, produzir energia, entre outros.
“A
ressalva da Constituição é compreensível, pois são atribuídas à União
responsabilidades como a de planejar e promover a defesa contra as
secas, explorar o aproveitamento energético dos cursos d’água e legislar
a respeito de águas e energia”, esclarece o senador.
A CMA também analisa o PLS 233/11, de Gim (PTB-DF), que institui a
tarifa social para consumo de água. A proposta inclui no Plano Nacional
de Saneamento Básico a concessão de tarifa mais baixa de água para
consumidores de baixa renda, desempregados e pessoas com deficiência.
“Pretende-se assegurar uma uniformidade nas tarifas cobradas das
populações mais necessitadas, à semelhança do que já existe para as
tarifas de energia elétrica”, explica o senador.
Já a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) discute o PLS 533/11,
de Jayme Campos (DEM-MT), que autoriza o Executivo a instituir incentivo
fiscal para estimular pessoas jurídicas a exercerem o controle de
resíduos, entre eles o tratamento e a despoluição da água. Para o
senador, a instalação de equipamentos para controle de resíduos pelas
indústrias vem sendo feita de forma lenta, em descompasso com a
crescente pressão social pela conservação do meio ambiente.
Ainda falta saneamento básico
A questão não é só ter água, mas também ter água de qualidade. A ONU
estima que 3.900 crianças morram por dia de doenças relacionadas com
água suja. Ao todo, 1,8 milhão de pessoas morrem todos os anos de
diarreia e outras doenças como a cólera. E cerca de 2,6 milhões de
pessoas não têm acesso a saneamento básico.
No Brasil, a situação também deixa a desejar. O Censo 2010, do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontou que
15,1% das crianças brasileiras na faixa de zero a 4 anos vivem em áreas
em que o esgoto corre a céu aberto. A Região Norte é a que se encontra
em pior situação: 32,2% das casas possuem esgoto no entorno. No
Nordeste, são 26,3%.
Das capitais com mais de 1 milhão de habitantes, Belém foi a triste
campeã: 44,5% das residências convivem com falta de esgoto. Em seguida,
estão São Luís (33,9%) e Manaus (20,2%). Na outra ponta, Goiânia e Belo
Horizonte figuram como as cidades que apresentaram melhor
infraestrutura de saneamento.
E não basta apenas coletar o esgoto. É preciso tratá-lo. De 1995 a
2005, o percentual de esgoto tratado, em relação ao coletado, passou de
8,7% para 61,6%. Mas o número alto pode enganar, segundo o IBGE, pois se
refere ao percentual de esgoto tratado em relação ao coletado.
Portanto, o valor elevado pode ser decorrência de uma baixa coleta de esgoto.
Além de não coletar e tratar o esgoto, o Brasil também não fiscaliza a
qualidade da água. Dos 5.565 municípios brasileiros, 2.659 (47,8%) não
monitoravam a qualidade da água em 2011. Somente 28% (1.569) contavam
com uma política municipal de saneamento básico. Os dados fazem parte da Pesquisa de Informações Básicas
Municipais de 2011, do IBGE. Saneamento básico inclui acesso a sistema
de abastecimento de água, acesso a esgotamento sanitário, tratamento do
esgoto e coleta e destinação final do lixo.
Iniciativas
A meta é resolver até 2030 os problemas de saneamento básico. Em
2008, foi lançado o Plano Nacional de Saneamento Básico, instituído pela
Lei 11.445/07, que estabeleceu as ações necessárias e uma previsão de
investimentos para atingir o objetivo. Serão aplicados R$ 420 bilhões,
sendo 60% do governo federal e
40%
de estados, municípios e iniciativa privada. Desse total, R$ 157
bilhões vão para esgotamento sanitário, R$ 105 bilhões para
abastecimento de água, R$ 87 bilhões para melhoria da gestão, R$ 55
bilhões para drenagem e R$ 16 bilhões para resíduos sólidos.
Os recursos aplicados pelo Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) estão incluídos nessa conta. No PAC 1, foram repassados R$ 40
bilhões — R$ 36 bilhões do Ministério das Cidades e R$ 4 bilhões da
Fundação Nacional de Saúde — a municípios e estados para licitação e
execução das obras.
Em fevereiro deste ano, o governo federal divulgou balanço das obras
do PAC 2, no qual afirmou que 60% das obras de saneamento contratadas já
foram executadas. A previsão do governo é gastar R$ 24,8 bilhões em
3.400 iniciativas que vão beneficiar quase 8 milhões de famílias.
Fonte: Jornal do Senado, 19/03/2013
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