quarta-feira, 4 de abril de 2018

Um simples habeas corpus virou um dos momentos mais importantes da história do Supremo. E isso é de um ridículo sem par

Por: Reinaldo Azevedo, 04/04/2018 - 5:05
Não deveria ser assim, mas é. O Supremo Tribunal Federal toma nesta quarta — e espero que haja com senso para que a votação seja concluída — uma das decisões mais importantes da sua história. E não! Não se trata de algo definidor do destino do país. A menos que se queria considerar que o habeas corpus concedido a um homem encerra o nosso futuro. A menos que queiramos todos nos tornar reféns de Luiz Inácio Lula da Silva. E o que confere tamanha importância ao julgamento? O fato de que o Supremo vai deixar claro como lida com as pressões. Pior: nas últimas horas, entrou na equação o “fator militar”, que não se fez ouvir com tal clareza nem no governo Sarney, para lembrar o primeiro período de mandato civil depois da ditadura militar.

Vamos ver qual será a decisão. O que é fundamental? Que os respectivos grupos da peleja aceitem com a devida tolerância o resultado. Urge que a corte constitucional do país recupere o seu protagonismo não em consonância com a voz das ruas ou pensando em afrontá-la. É preciso que o faça não se deixando intimidar nem pela voz rouca da militância de um lado ou, de outro, pela voz ambígua dos militares. Até porque sabem os senhores de farda que não há espaço para uma intervenção já nem digo no ambiente interno — nesse caso, infelizmente, talvez amplas camadas vejam a possibilidade com certo otimismo enraivecido —, mas no concerto mesmo das nações. Observem que os militares venezuelanos não ousam pôr um fim ao reinado de violência e desordem de Nicolás Maduro. É assim não apenas porque parte da “elite” de farda daquele é igualmente criminosa. Ocorre que tal intervenção isolaria ainda mais o país.

Parece-me evidente que o general Villas Boas, comandante do Exército, decidiu expressar um descontentamento do alto comando da Força com a eventual concessão do habeas corpus a Lula — daí a solidariedade com o povo e contra a impunidade —, mas deixando claro, também, que não há saída fora da Constituição, o que exclui qualquer forma de intervenção. Mas resta o inconveniente. Não há como não ler nas palavras do general a tentativa de tutela, como se ao Supremo Tribunal Federal fosse lícito tomar apenas uma decisão.

E isso, por óbvio, é uma inverdade escandalosa. Todos temos o direito de não gostar da concessão do habeas corpus a Lula; todos podemos protestar livremente nas ruas, dadas as balizas da ordem, contra o recurso; todos podemos ter opiniões a respeito de sua justeza ou não. O que não dá para tolerar, no terreno conceitual — e é preciso, sim, que as forças de segurança se preparem para a manutenção da lei e da ordem — é que o grupo derrotado decida deixar claro, pelo caminho da violência, que não aceita o resultado.

Ou bem a democracia é, para nós, um valor inegociável ou bem a colocamos à venda no mercado de bugigangas. A minha escolha está feita desde que rompi com o PT, em 1982. Eu não o fiz para flertar com desatinos que agridem não só os valores universais da democracia, mas também os valores específicos de uma Carta erigida sob a égide democrática.

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