quarta-feira, 26 de junho de 2013

PECs 33 e 37: freios sem contrapesos

Geder Luiz Rocha Gomes*
  • O monopólio da investigação criminal já seria sinônimo de aumento da impunidade
Estamos assistindo a um momento digno de preocupação quanto às atitudes do Parlamento brasileiro, em especial da Câmara Federal, a quem o artigo 45 da Constituição Federal (CF) delegou expressamente a representação do povo. O povo é a razão da existência do Estado que só se justifica se agir para a satisfação dos interesses do próprio povo, com atitudes e o patrocínio de bens e serviços essenciais aos valores pelo povo nutridos.

A instituição a quem foi dado o direito e a obrigação de representar o povo deverá legitimar-se através de um agir que retrate sintonia fina com a vontade e o interesse desse mesmo povo.

A estrutura do Estado brasileiro, por vontade do povo, elegeu a tripartição dos poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), de forma soberana e harmônica entre si, como o modelo democrático adequado (artigo 2º da CF). De igual modo, conferiu a determinadas instituições, como o Ministério Público, independência e autonomia funcional, a defesa da ordem jurídica e do regime democrático.

Contudo, tramitam no Parlamento duas propostas de emenda constitucional (PECs), as de nº 33 e 37, que parecem ignorar completamente a vontade e o desejo manifestado pelo povo.

A primeira, a PEC 33, busca restringir a soberania do Supremo Tribunal Federal quanto à declaração de inconstitucionalidade de leis; condiciona o efeito de súmulas vinculantes e submete ao Congresso Nacional a decisão que tratar da inconstitucionalidade de emendas à Constituição.

Tal iniciativa implica a tentativa absurda de rasgar-se a própria Constituição, num despropósito que salta aos olhos de todo brasileiro.

A segunda, a PEC 37, quer tornar monopólio da polícia o poder investigatório para os crimes, retirando este poder de diversas instituições que hoje também investigam, como o Banco Central, a Receita Federal, os Tribunais de Contas, o INSS, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e principalmente o Ministério Público Federal e os estaduais.

O crime no Brasil é um grande mal que não se revela tão somente nas ocorrências nos centros urbanos relativas ao patrimônio e a violência física, ainda que letal, mas também nas infrações relacionadas ao abuso do poder econômico, político e público, normalmente não se alcançando seus responsáveis, em muito, por falta de autonomia e estrutura nos principais órgãos encarregados da apuração.

O monopólio da investigação criminal já seria sinônimo de aumento da impunidade, independentemente da instituição que o detivesse e recaindo sobre a polícia, com suas limitações estruturais e políticas, além de questões afetas a corrupção e abusos, embora não sendo a regra, aprofundará ainda mais a já propagada impunidade no País.

Registre-se que, com todas as instituições investigando, já é enorme a dificuldade de enfrentamento da criminalidade, quanto mais reservando a investigação somente a uma.

Observe-se que, em todo o planeta, somente três países não admitem a investigação pelo Ministério Público. E caso seja aprovada a PEC 37, também chamada de PEC da impunidade, muitos processos em andamento, que contaram com a investigação pelo Ministério Público ou outras instituições, correm o risco de ser declarados nulos, com efeitos extremamente prejudiciais para toda a sociedade brasileira.

Diante de tais episódios, a base constitucional que edifica uma nação democrática, erigida sobre o princípio dos freios e contrapesos, parece ameaçada justamente por aquela instituição a quem compete construí-la.

Relembre-se que movimentos infelizes como estes não costumam passar despercebidos pela população, principalmente em períodos próximos às eleições, haja vista a renovação em 44,8% da Câmara Federal, em 2010.

Assim, eis a questão: a quem interessa um Ministério Público impotente e um Judiciário estéril? 

Por certo não interessa ao povo brasileiro, que deseja, sim, um Ministério Público firme, forte e um Judiciário livre e fértil, para que se possa ver reproduzir a saudável e crescente cidadania tão desejada.
 
*Geder Luiz Rocha Gomes - promotor de Justiça do Estado da Bahia 
 
Fonte: A Tarde, 25/06/13

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