Leonardo Sarmento*
Anatel foi criada pela Lei 9.472, de 16 de julho de 1997 – mais conhecida como Lei Geral de Telecomunicações (LGT), sendo a primeira agência reguladora a ser instalada no Brasil, em 5 de novembro daquele mesmo ano.
A criação da Anatel fez parte do processo de reformulação das telecomunicações brasileiras iniciado com a promulgação da Emenda Constitucional 8/1995, que eliminou a exclusividade na exploração dos serviços públicos a empresas sob controle acionário estatal, permitindo a privatização e introduzindo o regime de competição. O Estado passava da função de provedor para a de regulador dos serviços.
Regulamentar, outorgar e fiscalizar. Assim podem ser resumidas as principais atribuições da Anatel, desenvolvidas para cumprir a missão de “promover o desenvolvimento das telecomunicações do País de modo a dotá-lo de uma moderna e eficiente infraestrutura de telecomunicações, capaz de oferecer à sociedade serviços adequados, diversificados e a preços justos, em todo o território nacional”.
Por ser uma agência reguladora, é uma entidade de Estado que auxilia a administração pública descentralizada. É fiscalizada pela sociedade e por órgãos de controle como Tribunal de Contas da União (TCU), entre outros.
A Agência é uma autarquia administrativamente independente, financeiramente autônoma, não subordinada hierarquicamente a nenhum órgão de governo. Última instância administrativa, as decisões da Anatel só podem ser contestadas judicialmente. As normas elaboradas pela Agência são antes submetidas a consulta pública, seus atos são acompanhados por exposição formal de motivos que os justifiquem.
Tudo que até o momento foi dito é o mais profundo bla-bla-bla pertencente ao mundo do "dever ser"... Tudo "escrito no papel", mas sem efetividade prática alguma, pois veremos:
Em anos recentes a Anatel vem acumulando inúmeras críticas da sociedade devido a suas ações claramente voltadas para defesa dos interesses do oligopólio das telecomunicações no Brasil, formado por um pequeno número de empresas privadas.
Apenas a título de exemplo da inefetividade desta agência reguladora, as TVs por assinatura estão completamente livres, sem qualquer fiscalização hábil, controle minimamente eficiente em suas prestações para “sambar na cara da sociedade” com práticas sórdidas de desrespeito com os consumidores. São as recordistas em reclamação e se mantêm com toda liberdade para perpetrar ilegalidades em desrespeito à Dignidade da Pessoa Humana.
Os abusos são incontáveis. Relativamente bem tratados para efetuar a assinatura quando não acometidas por suas desorganizações já de suas essências, os consumidores só conseguem acesso novamente com as empresas contratadas se tentarem aumento do pacote, um novo ponto, algo que encareça de alguma forma a assinatura. Para cancelamentos não há atendentes nos serviços da call center, aos “desocupados consumidores” que fiquem uma, duas horas no aguardo da queda da chamada. Para falar com alguém do outro lado da linha você precisa “mentir”, discando que quer um aumento de pacote, neste momento você é atendido.
Se pensavam que a manobra para conseguir atendimento resolvera seus problemas, ledo engano! A atendente ou desligará em sua cara ou lhe mandará falar com o setor de cancelamento onde não há atendentes, após pegar todos os seus dados durante uns dez minutos. A mesma sorte que se tem quando se pretende o cancelamento, tem-se quando se pretende reparação técnica, transferência de endereço ou qualquer outro serviço que não agregue valor econômico a sua assinatura.
Nos serviços que se fazem necessária à presença de um técnico, quando quem sabe um dia você lograr êxito de marcar uma visita, após muito pelejar, sua “guerra” estará muito longe de terminar. Neste momento marcarão a visita para a semana seguinte, quando você, consumidor, terá que deixar alguém em sua residência ou das 8 ao 12 ou das 12 as 18 horas, quando infelizmente o técnico não aparecerá. Neste momento, você trabalhador, que pediu ao seu chefe a metade de um dia para resolver este problema particular, apenas perdeu metade de um dia de trabalho. Ao ligar para operadora, no mesmo dia da visita não realizada, haverá uma mensagem que a sua visita agora será na semana seguinte, sem lhe comunicar, remarcaram um novo dia.
E aí? Mais meio dia de trabalho pedido, o que poderá custar-lhe o emprego? Vamos arriscar então um novo pedido para o patrão, não irão faltar novamente, afinal, já me deixaram 6 hora à disposição e não apareceram... Pois bem, péssima escolha que pode haver custado o seu emprego! Novamente você não logrou êxito em receber a ilustre visita de um técnico, que é um terceirizado.
E o que resta? O martírio do cancelamento, que via internet não funciona e via call center não existe.
Quanto aos terceirizados é outra peculiaridade notável. As pessoas despreparadas, verdadeiros analfabetos funcionais que contratam para os serviços de call Center, quando você, consumidor, liga para reclamar que os técnicos não apareceram pela primeira, segunda, terceira vez, simplesmente lhe respondem que nada podem fazer, que não possuem controle sobre os técnicos (serviço terceirizado), que o máximo que se pode fazer é marcar nova visita, tudo isso a partir de uma voz quase que indecifrável que imita um robô sempre pronto para ter a ligação interrompida a partir de uma sugestiva queda na linha, quando um novo contato terá que percorrer novamente o mesmo caminho sem fim.
Em verdade, os desrespeitos aos consumidores são incontáveis, tudo com a complacência da inoperante Anatel, que parece aproveitar-se desta malha infindável de serviços não prestados ou mal prestados para dizer-nos ser esta a regra do sistema de serviços públicos no país.
O CADE, como autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, e portanto ao Estado, que definitivamente como parte do sistema não poderia representar com eficácia suas funções, não interferiu impedindo a fusão da Claro/NET/EMBRATEL (operadoras sabidamente incompetentes) controladas pela América Móvil. A Anatel por óbvio aprovou, como também um substrato deste apodrecido sistema que representa. Agora, além de possuírem nas mãos o indefeso consumidor, que não tem a quem recorrer, senão à assoberbada Justiça, possuem praticamente um monopólio, não há basicamente concorrência, o que faz depreciar ainda mais o indigno serviço prestado ao consumidor.
E o que resta aos consumidores? Procurar seus direito na justiça. Esta é uma das valas onde se assoberba a Justiça deste país quando se configurariam ações absolutamente desnecessárias se as operadoras, a Anatel e o Estado cumprissem com mínimo grau de eficiência os seus papeis além da miserabilidade que prestam.
Lamentável e sem futuro é o país onde nada funciona de forma razoável e a esperança está sempre no que deveria ser excepcional ao sistema, sua ultima ratio, a Justiça, que pelo assoberbamento entre outras motivações, passa a ser extremamente morosa e ineficiente na sua prestação jurisdicional, que de tão tardia, muitas vezes se faz absolutamente inefetiva e ineficaz.
Dizem que o exemplo vem de cima, mas e quando lá de cima não há um bom exemplo? Temos o caos que vemos hoje ser construído no pais, que um dia já foi o “país do futuro”, mas que hoje é motivo de pilhéria internacional. Um país com um custo de vida maior que os Estados Unidos da América e com uma qualidade de vida aproximada a de alguns países africanos, apenas melhor maquiado. Em verdade, vivemos um sucateamento da Anatel, na forma do título do presente artigo, mas que em verdade reflete o sucateamento que está disseminado em todas as agências reguladoras que navegam lado a lado na mais profunda ineficácia, que em verdade refletem o inóspito sucateamento do Estado, sucateamento moral e em termos de competências. Há, em verdade, um sucateamento institucionalizado de todo sistema que anda em completo descompasso de qualquer interesse público imediato ou mediato. No Brasil institucionalizou-se a política do foda-se. Não gostou? FODA-SE! Procure os seus direitos...
Comezinho em um Estado Democrático de Direito, com um sistema constitucional posto, que o sucateamento institucional do Estado gere a banalização da Justiça como meio de solução de conflitos.
Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo de Trabalho pela FGV.
Fonte: Jusbrasil, 18/02/15