Os três políticos na linha sucessória de um possível cenário de fim prematuro do mandato de Dilma Rousseff estão entre os citados na
Operação Lava Jato.
Pela lei brasileira, o vice-presidente, o presidente da Câmara dos Deputados e o presidente do Senado, nesta ordem, assumem a Presidência em uma possibilidade, teórica, de "efeito dominó" no principal cargo do país.
"Não vai ser uma mudança política que vai arrefecer o ímpeto dos investigadores da Lava Jato", diz à BBC Brasil Rogério Arantes, professor de Ciências Políticas da USP.
"Mas tudo vai depender dos desdobramentos das investigações. E também de como articulação política vai se dar nesse caso, ou seja, se uma eventual destituição da presidente virá acompanhada de uma blindagem do vice", ressalva ele.
Milton Lahuerta, cientista político da Unesp de Araraquara, acredita que deva haver "uma acomodação das forças políticas" em um eventual governo de Temer.
A BBC Brasil listou as principais acusações que pesam contra as três personalidades políticas da linha sucessória de Dilma: o vice-presidente, Michel Temer, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e o presidente do Senado, Renan Calheiros, todos do PMDB.
Na impossibilidade de esses três assumirem, o quarto na linha de sucessão seria o presidente do Supremo Tribunal Federal, cargo atualmente ocupado pelo ministro Ricardo Lewandowski.
1) Michel Temer
O vice-presidente Michel Temer, que assumiria a Presidência da República em caso de impeachment ou renúncia da presidente Dilma Rousseff, foi citado nos desdobramentos da operação Lava Jato.
Na delação premiada que firmou com o Ministério Público Federal, o senador Delcídio Amaral (sem partido-MS) afirmou que o vice articulou a indicação de Jorge Zelada para o cargo de diretor da área internacional da Petrobras e de João Augusto Henriques para a BR Distribuidora.
Zelada, apontado como o elo do PMDB no esquema, foi condenado a 12 anos de prisão. Temer disse que não participou das indicações, e o PMDB nega ter participação no caso.
"As indicações foram feitas pela bancada do PMDB de Minas Gerais. O vice-presidente não tinha nenhum contato com essas duas pessoas", afirmou a assessoria de imprensa de Temer na ocasião.
As denúncias feitas na delação de Delcídio ainda precisam ser investigadas. Em agosto do ano passado, Temer também foi citado pelo lobista Júlio Camargo, um dos principais delatores do esquema e ex-consultor da empresa Toyo Setal.
Camargo afirmou que o lobista Fernando Soares era conhecido por representar o PMDB, o que incluiria Cunha, Calheiros e Temer.
Segundo as investigações, Soares, mais conhecido como Fernando Baiano, teria sido responsável por intermediar o pagamento de propina combinada com Camargo para facilitar um contrato de aquisição de navios-sonda pela Petrobras com a coreana Samsung Heavy Industries Co. Temer nega conhecer Baiano e Camargo.
Além disso, segundo indícios reunidos pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, Temer teria recebido R$ 5 milhões do dono da construtora OAS, José Adelmário Pinheiro, conhecido como Leo Pinheiro, um dos empreiteiros condenados pelo escândalo da Petrobras.
A menção ao pagamento está em uma troca de mensagens entre Pinheiro e Eduardo Cunha. Nela, o Cunha se queixa de que o empreiteiro fez o repasse a Temer, mas não a outros líderes peemedebistas.
Temer nega ter se beneficiado de "qualquer recurso de origem ilícita".
2) Eduardo Cunha
Segundo na linha de sucessão, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), assumiria a Presidência interinamente caso Dilma e Temer deixem o poder.
Se isso acontecer até dezembro deste ano, novas eleições diretas teriam de ser convocadas em 90 dias, como manda a Constituição - ou seja, um novo presidente seria escolhido pela população.
Passado esse prazo, o pleito seria indireto e teria de ser realizado em 30 dias. Nesse caso, o Congresso escolheria um novo mandatário para o país. Mas a possibilidade de Cunha assumir a Presidência é remota, ressaltam analistas.
"Processos de cassação costumam demorar muito tempo no TSE (onde a chapa Dilma-Temer é questionada pela oposição). Além disso, Cunha já não mais será presidente da Câmara no ano que vem (o mandato dele termina em fevereiro)", pondera o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio, à BBC Brasil.
"E não podemos descartar que ele pode vir a ser cassado", completa. Cunha é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro pelo suposto envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras.
De acordo com as investigações, ele teria recebido propinas para viabilizar obras na estatal e mantido contas não declaradas no exterior.
No início deste mês, Cunha se tornou réu no STF. Foi a primeira ação aberta pela corte na operação Lava Jato. Como deputado, Cunha tem foro privilegiado e só pode ser julgado pelo Supremo.
A decisão aumenta o potencial de ele ser afastado do comando da Câmara e até perder o mandato, ainda que ele conte com grande apoio entre os deputados.
A acusação principal é de que Cunha teria recebido US$ 5 milhões em propina de contratos de navios-sonda da Petrobras.
A propina teria sido contrapartida por dois contratos, no valor de US$ 1 bilhão, entre a Petrobras e as empresas Samsung Heavy Industries e a japonesa Mitsui. Ao todo, segundo a PGR, foram acertados US$ 40 milhões a políticos e funcionários da estatal. O dinheiro teria abastecido contas secretas de Cunha no exterior.
Na Câmara, o peemedebista enfrenta uma representação apresentada pelo PSOL e pela Rede por quebra de decoro parlamentar.
Os partidos acusam Cunha de ter mentido à CPI da Petrobras quando, em março do ano passado, afirmou não ter contas no exterior. Documentos do Ministério Público da Suíça apontaram, no entanto, a existência de contas ligadas a ele naquele país.
Cunha nega todas as acusações e diz que não era titular de contas, mas era apenas beneficiário de um trust (estrutura criada para administrar recursos) no exterior.
3) Renan Calheiros
Terceiro na linha sucessória de Dilma, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), também está citado nas investigações da Lava Jato.
Há duas semanas, a Procuradoria-Geral da República pediu ao STF a abertura do sétimo inquérito para investigar Calheiros.
A Procuradoria quer saber se o senador cometeu crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro em razão de suspeitas apontadas pelo delator Carlos Alexandre de Souza Rocha, o Ceará.
Para o órgão, há suspeita de repasse, "de forma oculta e disfarçada, de vantagem pecuniária indevida ao parlamentar".
Na delação, Ceará afirmou que outro doleiro, Alberto Youssef, teria prometido dar R$ 2 milhões a Calheiros para evitar a instalação de "uma CPI da Petrobras".
Entre janeiro e fevereiro de 2014, acrescentou o delator, Youssef disse a ele para pegar R$ 1 milhão em Recife (PE) e levar para Calheiros em Maceió. O dinheiro seria parte de dívida da construtora Camargo Corrêa com Youssef.
Youssef negou que tenha dito que o dinheiro era para o senador. Em nota, Calheiros negou conhecer o doleiro ou Ceará.
O senador também é alvo de outros seis inquéritos na Lava Jato e de uma denúncia envolvendo uma ex-amante.
Ele é suspeito de peculato (desvio de dinheiro público), uso de documento falso e falsidade ideológica por supostamente ter apresentado notas fiscais falsas para comprovar ter renda suficiente para pagar as despesas de uma filha que teve fora do casamento. As suspeitas são de que esses valores teriam sido pagos, na verdade, por uma empreiteira.
A denúncia, que foi liberada para julgamento pelo ministro do STF Luiz Edson Fachin, ainda aguarda para ser colocada na pauta do plenário pelo presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski. Se for aceita, Calheiros viraria réu. O pedido corre sob segredo de Justiça, e o senador diz já ter dado todas as explicações sobre o caso.