quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

O gênio da grande área: Lula descasca o abacaxi


"A posição de Lula sobre a intervenção no Rio é magistral", diz colunista Ricardo Cappelli.

"Não se posiciona contra nem a favor diretamente. Não briga com o exército, mas afirma que as forças armadas não estão preparadas para enfrentar traficantes e que esta não é sua missão institucional. Os militares devem ter batido palmas para ele", afirma.

"A esperança de um desfecho positivo para esquerda, longe da gritaria que se instalou no seu meio, de corporativismos partidários inúteis ao futuro do país, passará necessariamente pela bola que Lula resolver chutar".

Desembagrinhos não querem ouvir Tacla Durán

Por que então não ouvem Compadre Zucolotto?

Conversa Afiada, 21/02/2018
(Crédito: Aroeira)

Do G1:

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve o pedido para que o ex-advogado da Odebrecht Rodrigo Tacla Duran seja ouvido como testemunha do petista negado nesta quarta-feira (21). O habeas corpus foi julgado pelos desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, em sessão no início da tarde.

O pedido foi feito dentro do processo que trata de supostas vantagens indevidas recebidas pelo ex-presidente, como o apartamento vizinho ao que ele vive em São Bernardo do Campo (SP) e um terreno que seria destino ao Instituto Lula. Os advogados questionam a veracidade dos documentos usados pelo Ministério Público Federal (MPF) na ação penal.

"Não é matéria que se faz por essa via [habeas corpus]. Não está direta ou indiretamente colocando em risco a liberdade de ir e vir do paciente", observou o relator, desembargador João Pedro Gebran Neto. Os outros dois desembargadores Nivaldo Brunoni e Antônio Bochenek acompanharam o voto. Eles substituem Victor Laus e Leandro Paulsen no colegiado, ambos de férias.

Conforme a petição da defesa assinada pelos advogados do petista, os documentos apresentados pela construtora em seu acordo de colaboração teriam sido adulterados. O objetivo da defesa de Lula era de que Duran prestasse depoimento no âmbito do incidente de falsidade.

"O material entregue, segundo Rodrigo Tacla Duran, não corresponde ao original do sistema, porquanto as informações teriam sido manipuladas por executivos do Grupo Odebrecht com o objetivo de dar sustentação aos depoimentos juntados aos acordos de colaboração premiada", diz trecho do habeas corpus. Os advogados do ex-presidente consideram Duran "uma testemunha indispensável para a elucidação dos fatos".

Atualmente o advogado está na Espanha. O pedido era para que ele fosse ouvido por videoconferência.

O juiz Sérgio Moro recusou duas vezes a oitiva de Duran no processo. A defesa de Lula, porém, sustenta que Duran afirmou na CPMI da JBS que tem informações e provas sobre adulteração de documentos nos sistemas da Odebrecht.

(...)

Brasil alcança pior posição em ranking de percepção da corrupção


No país que é governando por um político acusado de ser chefe de quadrilha, estudo da Transparência Internacional mostra que o Brasil caiu 17 posições e atingiu a pior colocação em 5 anos no ranking sobre percepção da corrupção.

Bom 37 pontos, Brasil ficou na 96ª posição, atrás de países como Timor Leste (91º), Burkina Faso (74º) e Arábia Saudita (57º).

"Foi uma das maiores quedas já registradas do país na história de participação do ranking, o que representou uma enorme frustração, tanto para o país como para a sociedade", analisa Bruno Brandão, da Transparência Internacional.

Do Exército espera-se um milagre ou a intervenção não é sobre segurança?


"É preocupante a utilização das Forças Armadas em uma operação com nítido caráter político-eleitoral", diz o cientista político Roberto Amaral.

"Há que apontar a inocuidade da operação, cessados os efeitos da pirotecnia. Cedo o fogo se apaga e a dura realidade se impõe", afirma.

"O que salta à vista é a irresponsabilidade e má-fé do governo federal, empregando as Forças Armadas numa operação de marketing que, correndo todos os riscos possíveis, tem por evidente propósito salvar a insolúvel impopularidade do presidente e justificar a derrota da perversa reforma da Previdência".

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Turma do STF pressiona Cármen para pautar prisão em segunda instância


A Segunda Turma do STF decidiu nesta terça-feira 20 enviar ao plenário da Corte dois habeas corpus que tratam da constitucionalidade da execução provisória de condenações após o fim dos recursos na segunda instância da Justiça.

A decisão dos ministros aumenta a pressão sobre a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, para que a questão seja levada ao plenário.

Defesa de Lula apresenta recurso no TRF4


A defesa do ex-presidente protocolou o recurso chamado "embargos de declaração" contra a decisão do TRF4, que condenou Lula em segunda instância no processo do triplex no Guarujá.

"O recurso demonstra que o acórdão contém 38 omissões em relação a elementos que constam no processo e que foram tratados pela defesa no momento da apresentação da Apelação Criminal", além de "16 contradições com os seus próprios termos e 5 obscuridades", afirma a defesa.

Comandante do Exército não sabe o que fazer no Rio

Conselho da República desmoralizou a Intervenção Tabajara

Conversa Afiada, 19/02/2018
Gal Villas Boas deveria prestar contas da derrota na Favela da Maré (Reprodução/Causa Operária)

De Nivaldo Souza, na Carta Capital:

A primeira reunião do Conselho da República, realizada na manhã desta segunda-feira 19, para discutir a intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro, teve momentos embaraçosos para o governo Michel Temer e incertezas entre os membros da cúpula das Forças Armadas sobre a efetividade da medida.

De acordo com integrantes do Conselho ouvidos por CartaCapital, o general Eduardo Villas Boas, comandante do Exército Brasileiro, avaliou que as Forças Armadas não tiveram tempo de fazer um planejamento detalhado de como será a ação no Rio. 

O deputado José Guimarães (PT-CE), líder da minoria na Câmara e integrante do conselho, relata que o general mais perguntou do que afirmou durante o encontro, realizado no Palácio do Alvorada. “Ele questionou os caminhos e as consequências da intervenção para as Forças Armadas”, afirma.

Conforme a Constituição, o Conselho da República deve ser ouvido a respeito de intervenções federais. O órgão, que jamais havia sido convocada anteriormente, reúne os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), os líderes da maioria (governistas) e da minoria (oposição) nas duas casas legislativas, o presidente da República e o vice e o ministro da Defesa. Integram o comitê ainda membros da sociedade civil. O Palácio do Planalto indicou como seus representantes o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso e o presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Jorge Bastos. Serão eleitos também quatro representes civis eleitos pelo Senado e a Câmara. 

A reunião do Conselho da República foi em conjunto com o Conselho de Defesa, do qual fazem parte diversos outros ministros, além dos comandantes das Forças Armadas. Assim, além de Villas Boas, estavam no encontro o almirante de esquadra Eduardo Bacelar, comandante da Marinha, e o tenente-brigadeiro-do-ar Nivaldo Luiz Rossatto, comandante da Aeronáutica.

O general Villas Boas teria dito, conforme os relatos, que não estava claro de onde viria o dinheiro para custear as ações militares nem como seria a reação da Justiça em relação a eventuais prisões que possam ser realizadas pelas Forças Armadas durante a intervenção.

O senador Humberto Costa (PT-PE), líder da minoria no Senado, relata que os chefes das três forças militares estavam desconfortáveis em participar do encontro por não possuir dados concretos sobre a operação que irão comandar. “Não me pareceu que eles estavam contentes”, diz.

Segundo os líderes de oposição, a reunião “foi para inglês ver” por não haver dados estatísticos para justificar a medida extrema de afastar o governador do Rio Luiz Fernando Pezão (PMDB) do comando da Segurança Pública.

“Foi uma reunião que não ajudou em nada a esclarecer os motivos da intervenção. Não foi apresentado nenhum dado de aumento de assaltos, sequestros ou homicídios que justificassem a intervenção”, afirma Costa.

Guimarães afirma que o ministro da Defesa, Raul Jungmann, citou manchetes de jornais sobre a violência no Rio como justificativa. "Ele citou também a dificuldade dos Correios em fazer entregas por causa de assaltos e das igrejas evangélicas e católicas de realizar atos religiosos nas favelas", relata o deputado.

A oposição cobrou das Forças Armadas um balanço da ocupação do Complexo de Favelas da Maré, zona norte do Rio, ocorrida entre 2014 e 2015. A ocupação custou 600 milhões de reais aos cofres federais e teve como capítulo obscuro a morte de nove pessoas em uma operação que a Polícia do Rio atribui ao Exército, que responsabiliza os policiais.

O Ministério Público investiga a chacina da Maré. Após as mortes, as Forças Armadas pressionaram o Congresso Nacional para mudar a legislação, transferindo da Justiça comum para a Justiça Militar o julgamento de casos de homicídios envolvendo militares.

Obstrução

A oposição se diz atropelada pelo decreto presidencial publicado pelo Palácio do Planalto na sexta-feira 16, regulamentando a intervenção. O documento foi chamado de "atabalhoado" por Guimarães. Para ele, o ideal seria discutir a medida no Conselho da República antes de ser anunciada oficialmente.

Costa disse que a convocação do Conselho após a divulgação do decreto foi uma tentativa do presidente Michel Temer de obter um "cheque em branco" para a operação no Rio. "A reunião foi para aprovar um cheque em branco para o governo decidir o que fazer", afirma o senador.

O decreto precisa ser aprovado pela Câmara e pelo Senado para entrar em vigor. A votação na Câmara está marcada para esta segunda-feira, às 19h. A oposição promete obstruir a votação. O tema será debatido ao longo do dia pelos líderes de oposição do PCdoB, PDT, PSOL e PT. "Vamos decidir ainda, mas a ideia é fazer obstrução", diz Guimarães.

O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) protocolou mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão da votação. Ele argumenta que o decreto foi publicando antes de o Conselho da República ter sido convocado. O documento ainda não foi distribuído entre os ministros do Supremo.

O deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) também entrou com mandado de segurança contra o decreto. O pedido dele está nas mãos dos ministro Dias Toffoli.

Veja mais no Conversa Afiada:




Mello Franco comprova: é a Intervenção Tabajara

Exército teme uma Comissão 1/1 da Verdade

Conversa Afiada, 20/02/2018

Por Bernardo Mello Franco, no Globo Overseas:

Quando os deputados começaram a discutir a intervenção federal no Rio, ontem à noite, tanques do Exército já cercavam uma das maiores favelas da cidade. O governo adotou a tática do fato consumado. Pôs a tropa na rua antes que o Congresso pudesse votar a medida, inédita desde a Constituição de 1988. 

O atropelo reduziu as exigências da Carta a meras formalidades. O Conselho da República, que precisa dar aval à intervenção, nem sequer estava instalado. Michel Temer nomeou quatro integrantes às pressas, em edição extra do “Diário Oficial”. Tudo para cumprir tabela e evitar questionamentos na Justiça. 

Na pressa, o governo deixou vários pontos sem nó. Não informou quanto custará a operação, quantos homens serão mobilizados e quem pagará a conta. A União está pendurada no teto de gastos, e o estado não tem dinheiro nem para pagar salários.

Outras perguntas continuam sem resposta. Por que o governo tomou a decisão agora? Um projeto para mudar nome de rua precisa de justificativa, mas o decreto de Temer não traz uma linha sobre suas motivações. Em reuniões fechadas, o presidente citou o noticiário televisivo sobre assaltos no carnaval.

Ontem, quem se preocupava com o risco de excessos no uso da força ganhou mais razões para se preocupar. O comandante do Exército disse que é preciso evitar, no futuro, que uma “nova Comissão da Verdade” investigue as ações da tropa. O ministro da Defesa acrescentou que o governo pedirá mandados coletivos de busca. Segundo Raul Jungmann, isso se deve à “realidade urbanística do Rio”. Está claro que ele se referiu apenas à realidade das favelas, não à dos bairros de classe média. 

As lacunas no decreto explicam a atitude de cautela da ministra Cármen Lúcia. A presidente do Supremo foi comunicada na quinta-feira, mas ainda não deu um pio sobre a intervenção. Não é coincidência que só os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes tenham saído em defesa da medida.

Outros fatos do noticiário também são autoexplicativos. Antes de fechar detalhes da operação, Temer já tinha um pronunciamento pronto para a TV. No domingo, ele discutiu suas próximas batalhas com dois generais sem farda: os marqueteiros Elsinho Mouco e Antonio Lavareda.

Em tempo: sobre a Intervenção Tabajara, favor consultar o ABC do C Af.

Mercado quer um Rio de sangue

Primeiro ministro será o índice Bovespa

 Conversa Afiada, 20/02/2018
(Crédito: Geuvar Oliveira/Cartunistas contra o Golpe)


O Conversa Afiada publica artigo do historiador Carlos D'Incão:

O RIO DE SANGUE


A intervenção federal no Rio de Janeiro não é uma brincadeira e muito menos um improviso. Não é coisa de amadores e muito menos obra de um “governo fraco” que não tem mais saída para se sustentar.

Ao longo de uma história nacional marcada pela interrupção golpista, nenhum outro governo fez tantas reformas reacionárias em tão pouco tempo como o governo Temer. Falta dar continuidade política a essas reformas. E é aí que entra a intervenção federal no Rio.

Ela não é feita para que Temer tenha qualquer ambição político-eleitoral. Ela é feita para se criar um “novo herói” nacional. E esse herói já tem nome e patente: é o general Braga Netto. Se alguém tinha alguma dúvida sobre a posição das forças armadas brasileiras nesse universo político, ela se desfez nos últimos dias. O exército está a favor das reformas neoliberais e as defenderá com tanques e fuzis, se assim for necessário.

É comum (e de certa forma saudável) as pessoas olharem para o passado para tentar compreender o presente. Mas o presente não é escravo do passado e - a não ser sob a forma da farsa - o passado nunca se repete. Devemos esquecer o processo golpista de 1964. Esse se deu em uma conjuntura econômica e política muito diferente do que a que vivemos.

O que ocorre hoje não deixa de ser óbvio para quem acompanha as exigências do mercado: o Brasil deve entregar suas riquezas para a iniciativa privada e realizar um ajuste ultra-neoliberal em seu orçamento para garantir o pagamento de suas dívidas públicas para os banqueiros.

Entretanto, as vias democráticas não sustentam essas reformas. Sob vários cenários elas são derrubadas nas urnas por uma coalisão de centro-esquerda. É necessário então uma nova República onde o jogo democrático esteja esvaziado de poderes, ou seja, onde os poderes políticos de um presidente, do congresso e do senado estejam limitados à banalidade da “simples gestão”. Uma República onde o que é importante seja decidido pelos poderes de fato, isto é, o grande capital.

E é justamente isso que está sendo articulado desde 2016. Estamos vivendo os primeiros momentos de uma nova República, a 6ª República. Ela terá um judiciário forte, um Banco Central autônomo, um Ministério da Segurança Pública com poderes de Ministério da Justiça e um presidencialismo fajuto ou, na prática, um “Parlamentarismo de Mercado” onde o Primeiro Ministro seja o índice Bovespa, controlado diretamente por Washington.

O general Braga Netto é o nome que faltava para convencer a opinião pública - em especial os milhões de “manifestoches” - de que o Brasil precisa de uma nova constituinte para resolver os diversos atropelos entre os poderes e os “graves” problemas de segurança pública que contam com um crime organizado que ironicamente está munido de armamentos que são de uso exclusivo das forças armadas... e... obviamente... um calendário eleitoral não pode estar acima “dos interesses nacionais”...

No fim o que temos é um complexo e bem estruturado sistema para impedir o retorno da democracia, como existia nos moldes da Constituição de 1988.

Caso o plano de intervenção no Rio seja um sucesso teremos o funeral da democracia sob o pretexto de que o “excepcional” deve se tornar uma regra. E esse sucesso dependerá muito da maquiagem e da manipulação da Rede Globo. Caso a intervenção não tenha sucesso, teremos o funeral da democracia sob o pretexto de que o “excepcional” deve ser aprofundado para se ter o sucesso esperado...

Tanto de um lado como de outro, temos uma trava muito bem feita e muito bem pensada pelos donos do poder. E qual é a única saída quando se está no interior de um jogo onde sob qualquer ótica você será derrotado? É justamente realizar o mesmo movimento de quem elaborou esse jogo, ou seja, virar o tabuleiro e se recusar a jogar sob esses termos.

Nunca é o desejo de ninguém a saída da insurreição popular. Mas quem não deixou outra saída foram os que tomaram o poder através de um golpe de Estado. Quem se recusou a dialogar e radicalizou ao ponto de destruir a democracia e o Estado de Direito foi o mercado a direita brasileira...

Resta saber agora quando as lideranças do campo da esquerda vão começar a levar a sério a atual conjuntura e assumir a responsabilidade histórica de não mais jogar o jogo da atual ditadura e, sobretudo, parar de fingir que milagrosamente e de forma generosa o mercado deixará Lula ser o presidente da República em 2019, abrindo docemente a mão de trilhões de reais que estão em jogo nos próximos meses.

O mercado vai exigir que seus interesses sejam obedecidos. E se para isso for necessário que haja um mar de sangue, ele já deixou clara a sua opção... Ele quer um Rio de Sangue.

Carlos D'Incão

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Para coronel da reserva, intervenção tem tudo para dar errado

Reprodução©
  Para Fernando Montenegro, há muitos policiais no RJ que poderiam estar nas ruas, mas exercem funções administrativas

A intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro tem todas as condições para dar errado. A corrupção política e policial, o corporativismo e as sólidas bases criadas pelas facções criminosas no estado serão apenas alguns dos muitos obstáculos que o comandante militar do Leste, general Walter Braga Netto, terá que enfrentar.

Quem alerta tem conhecimento de causa: o coronel Fernando Montenegro, da reserva do Exército Brasileiro e professor da Universidade Autônoma de Lisboa. Como comandante do Regimento Sampaio, uma das mais tradicionais unidades militares do país, participou da ocupação do Complexo Penha-Alemão, em 2010, e encarou os desafios impostos contra o Estado pelo governo paralelo montado pelo narcotráfico.

“Mesmo nos estados falhados, como a Somália, não existe território que não esteja ocupado por uma forma de governo”, alerta. “Aonde a autoridade oficial não chega, um poder paralelo se instala. É o que o professor Bartosz Stanislaws definiu como ‘buracos negros’. Foi o que ocorreu no Rio de Janeiro, onde existem 840 locais onde o Estado não tem qualquer ingerência.”

Nestas áreas funcionam mini países informais que dominam território e população e, de certa forma, exercem soberania. Este fenômeno não se restringe às favelas e pode ser observado em quase todo o Brasil em áreas historicamente abandonadas pela União, como acampamentos de agricultores sem-terra e garimpos. Aliadas a políticos corruptos, estas “mini nações” interferem diretamente na administração pública e drenam recursos do combate à violência.

Longe das ruas

Um bom exemplo deste fenômeno, de acordo com o coronel, seria a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Hoje, três mil integrantes da corporação exercem função administrativa na Assembleia Legislativa, dez deles lotados no gabinete de um parlamentar, o deputado estadual Paulo Melo (PMDB), que preso na Cadeia Pública de Benfica por corrupção. O candidato derrotado à Prefeitura do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo (PSOL), também mantém dez PMs sob sua tutela.

“Há um total descaminho de policiais que podiam atuar nas ruas e se encontram em situação administrativa”, afirma Montenegro. “A Secretaria de Segurança Pública é outro excelente exemplo. Lá, 500 policiais militares exercem função burocrática na maior estrutura do gênero do país. Claro, todos preferem ficar longe das ruas, ganhando boas gratificações e a salvo”, ressalta.

“Com o resgate desses efetivos e o fim das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) a vigilância ostensiva poderia ser reforçada em cerca de 4 mil agentes.” Para o especialista, as UPPs falharam porque não receberam o devido apoio financeiro federal e não foram complementadas por ações nas áreas de saúde e educação e hoje estão completamente isoladas e afetadas pela corrupção.

Um grande obstáculo para o sucesso da intervenção está nos limites impostos pela legislação às ações de garantia da lei e da ordem. “O Exército não tem ingerência direta sobre a polícia que, por corporativismo, se recusava a integrar esforços conosco”, conta o coronel. “No decreto está previsto que a não obediência a uma ordem será vista como crime militar, e a Justiça Militar é bem mais rápida que a civil, mas, na prática isto será de difícil implantação.”

Para ele, os desafios geográficos enfrentados pelas Forças Armadas e pelas polícias federais também dificultam o sucesso da missão do general Braga Netto. “Temos 17 mil quilômetros de fronteiras, muitos deles compartilhados com países produtores de drogas, como a Bolívia, a Colômbia, o Peru e a Venezuela”, lembra. “Os Estados Unidos possuem apenas dois mil em seus limites com o México e não consegue impedir o tráfico de pessoas e entorpecentes. Seria necessária uma ação integrada do Ministério das Relações Exteriores com os governos vizinhos nos planos estratégicos e operacionais.”

Segundo Montenegro, os chamados donos de morro montam uma estrutura bastante sofisticada que se entranha pelas comunidades, determina a vida econômica local e serve para eleger políticos que defendem os interesses do crime organizado.

Facções organizadas

“Há um departamento de informação e propaganda, que trabalha com o que nós militares chamamos de operações psicológicas. Organiza bailes funks e promove a organização criminosa por meio de contratação de artistas, músicas de apoio e de promoção do sexo e de vídeos distribuídos pelo YouTube e pelo WhatsApp. Cabe a eles marcar território com a sigla da facção e o nome do líder nos limites de atuação na comunidade. Com estas atividades, a distribuição de panfletos e a colocação de faixas conseguem novos recrutas, entre eles jovens que fizeram o Curso de Formação de Cabos do Exército e que possuem excelente formação militar.”

As facções também mantêm departamentos jurídicos, que atuam na obtenção de habeas corpus e negociam os chamados “arregos” (pagamentos de propinas a policiais e políticos); financeiros e logísticos, que tratam do fluxo de caixa, de matérias-primas e do suprimento de armas e munições; de produção, com gerentes diferentes para cada tipo de droga, e de distribuição, com vendedores no varejo e “vapores”, traficantes que levam o produto para áreas de maior renda e que atuam em festas e bares. “A coisa vai muito além do traficante armado com fuzil”, conta o professor.

“O sistema de alerta inclui crianças que usam celulares, rádios e outros sistemas, como fogos e pipas, para avisar os combatentes da chegada de policiais ou grupos rivais. A tomada de um morro segue o mesmo esquema de saque da Idade Média. O grupo se apropria do butim e dos equipamentos da facção derrotada. Há sempre muito dinheiro vivo, inclusive dólares e euros, porque as quadrilhas não usam o sistema bancário.”

Ao lado desta ação direta, as quadrilhas multiplicam seus recursos com a exploração de serviços, alguns deles regularizados, e a cobrança de taxas e impostos. Tudo o que sobe e desce o morro, do mototáxi aos botijões de água e gás, reverte para a facção. Centrais ilegais de TV a cabo e de internet também ampliam a renda dos grupos. “Ao chegarmos no Alemão, conseguimos convencer uma operadora a oferecer pacotes baratos para substituir a gatonet”, conta Montenegro, “mas, para nossa surpresa, as empresas de distribuição de gás e água eram legais, apesar de exploradas por familiares do dono do morro. Na Rocinha, o serviço é administrado pelo irmão do Marcinho VP.”