O dinheiro sumiu: Pará tem a maior receita da história, mas investimentos são os piores em 20 anos. Média de investimentos de Jatene é de apenas 6,5% ao ano e até a previsão de investimentos de 2016 é a menor das últimas décadas. Estado é lanterna da Região Norte e perde até para o Piauí e o Maranhão. Pelo menos R$ 2,5 bilhões viraram fumaça no segundo Governo Jatene. É o Pará rumo ao fundo do poço.
Nunca antes se viu nada assim no estado do Pará.
Nos últimos 20 anos, nenhum governador paraense teve tanto dinheiro quanto o tucano Simão Jatene.
Entre 2011 e 2014, as receitas totais de seu governo somaram mais de 79,8 bilhões, em valores atualizados, num crescimento real (ou seja, já descontada a inflação) de 198% em relação à primeira administração de Almir Gabriel, cujas receitas, entre 1995 e 1998, ficaram em R$ 26,7 bilhões.
Mas, por incrível que pareça, Jatene é também o governador com os mais baixos níveis de investimentos das últimas duas décadas – e, talvez, de toda a história do Pará.
Entre 2011 e 2014, a média anual de investimentos de seu governo ficou em apenas 6,46% das despesas totais.
Em 2015, a receita prevista pelo Governo era superior a R$ 22,2 bilhões.
Mas até outubro, diz o último Balancete do Estado disponível na internet, Jatene só investiu R$ 1,1 bilhão – ou apenas 6,73% dos R$ 16,3 bilhões que gastou.
Para 2016, com o aperto da crise mundial, o quadro é até assustador: a previsão de investimentos do Orçamento Geral do Estado (OGE) é de apenas 6,55%. Isto mesmo: 6,55%.
Talvez, a menor previsão de investimento dos governadores paraenses nos últimos 20 anos.
E olhe que o orçamento do Pará, para 2016, é o maior de todos os tempos: R$ 23,3 bilhões.
Uma combinação explosiva. E quem paga o pato é você
O baixo nível de investimentos por cinco anos consecutivos já começa a cobrar a conta aos paraenses: é o caos na Saúde, Segurança, Educação.
Um resultado previsível – e sobre o qual a Perereca vem alertando desde 2013.
Segundo o IBGE, o Pará ganha 130 mil habitantes por ano. Isso significa 650 mil novos habitantes nestes cinco anos, ou mais de 1 milhão até 2018, quando Jatene deixar o governo.
Além disso, o estado possui uma grande massa de pobres e déficits históricos nos serviços públicos.
Em 2010, o censo do IBGE mostrou que mais de 1,267 milhão de paraenses, ou 16,74% da população, viviam em favelas.
Em dezembro do ano passado, diz o site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quase 63% dos eleitores paraenses (gente na faixa de 16 a mais de 79 anos) possuíam, no máximo, o fundamental completo (No topo da pirâmide, só 3% haviam completado uma faculdade).
E mais: o Pará já possui o 3º pior índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) do Brasil, atrás apenas de Alagoas e Maranhão e empatado com o Piauí.
Então, como imaginar que a situação não se agravaria com essa combinação explosiva de pobreza, déficit de atendimento público e baixo investimento?
Afinal, é com o dinheiro de investimentos que o Poder Público amplia, equipa e moderniza a sua estrutura física, para melhorar os seus serviços e levá-los, em condições decentes, a mais cidadãos.
É com esse dinheiro que se constroem hospitais e postos de saúde, para que as pessoas não penem em longas filas, ou acabem até morrendo por falta de atendimento.
É com ele que se ampliam escolas, para atender mais estudantes, ou até para reduzir as turmas e melhorar a aprendizagem.
É com esse dinheiro que são construídos sistemas de saneamento, delegacias de polícia, presídios, quartéis de bombeiros; que são comprados equipamentos para os hospitais, carteiras para as salas de aula, viaturas, armamentos, embarcações para a polícia.
Isso significa que, sem investimentos, a tendência é de um sucateamento acelerado dos serviços públicos, até porque a demanda não para de crescer.
É isso que está acontecendo no Pará.
Um problema que já está custando caro aos paraenses.
E que, certamente, custará mais caro ainda no futuro.
“Lanterninha” do Norte e "freguês" do Piauí e Maranhão
É para “tirar o atraso” que os estados mais pobres do Brasil investem até o dobro que os mais ricos: todos querem construir a estrutura de atendimento (ampla, decente) que ainda não possuem.
Todos, menos o Pará.
Em 2014, pelo quarto ano consecutivo, o Pará foi lanterna de investimentos da Região Norte e, também pelo quarto ano consecutivo, perdeu até para o Maranhão e Piauí, dois dos estados mais pobres do Nordeste e do Brasil.
O Acre investiu 19,05% de tudo o que gastou. Roraima, 14,51%; o Amazonas, 14,22%; o Tocantins, 12,52%; o Amapá, 9,09%; Rondonia, 8,27%.
O Maranhão investiu 13,02% do total da despesa; o Piauí, 12,29%.
Já o Pará investiu apenas 7,97% de suas despesas totais.
E olhe que 2014 representou o melhor nível de investimentos de Jatene.
Três anos antes, em 2011, ele emplacou o pior percentual de investimentos de que se tem notícia, na história do Pará: apenas 4,51% da despesa total.
Um desempenho impressionante: Jatene perde até pra ele mesmo
A comparação entre os investimentos do segundo governo de Jatene e os de seus antecessores impressiona ainda mais quando se leva em conta a receita per capita.
Ou seja, quando se pega todo o dinheiro que o governo possuía em um determinado ano e se divide pela população da época.
Em 1998, no último ano de seu primeiro governo, o tucano Almir Gabriel dispôs de apenas R$ 1.519,72, em valores atualizados, para gastar com cada paraense, ao longo de 12 meses. Mesmo assim, conseguiu investir 16,57% de tudo o que gastou.
Já em 2014, no último ano de seu segundo governo, Jatene dispôs de R$ 2.727,63, também atualizados. Mas só conseguiu investir 7,97% da despesa total.
Ou seja: Jatene teve uma receita per capita quase 80% maior, em termos reais, mas o seu percentual de investimento não chegou nem à metade de Almir.
É claro que R$ 2.727,63 para gastar com cada paraense é uma autêntica mixaria: dá R$ 227,30 por mês, ou apenas R$ 7,57 por dia.
No entanto, como explicar a disparidade entre os desempenhos de Almir e de Jatene?
Mas não pense que a comparação só é ruim para Jatene quando do outro lado está Almir Gabriel, talvez o melhor administrador público da História do Pará.
Na verdade, o segundo governo de Jatene perde também para a petista Ana Júlia Carepa e até para ele mesmo, Jatene, no primeiro governo.
Em 2010, no último ano de sua administração, a petista Ana Júlia Carepa dispôs de R$ 2.277,93 para gastar com cada paraense, ao longo de 12 meses – mas investiu 11,15%.
Em 2006, no último ano de seu primeiro governo, Jatene dispôs de ainda menos: apenas R$ 1.683,70. Mas conseguiu investir 13,70%.
O pior da história recente
O resultado dessa performance é que já é de Jatene a pior média anual de investimentos do Pará, nos últimos 20 anos: apenas 6,46%.
Almir, mesmo enfrentando orçamentos deficitários, em 1995 e 1996, conseguiu emplacar a média de 10,39% de investimentos, em seu primeiro governo. E, no segundo, a média saltou para 13,55% - a melhor marca dos últimos 20 anos.
Já o primeiro governo de Jatene alcançou a média de 11,35%.
O de Ana Júlia ficou em 8,87%, com um detalhe: é dela o maior volume de investimentos, em números absolutos, registrado na história recente do Pará.
Só em 2010, ela investiu mais de R$ 1,886 bilhão, em valores atualizados, ou R$ 200 milhões a mais do que Jatene, em 2014.
Palavras que o vento levou e bilhões que viraram fumaça
“Um governo que não se dispuser a usar pelo menos 10% do que tem nos cofres em investimentos não terá feito absolutamente nada”, afirmou Jatene, ao lançar a sua Agenda Mínima, em abril de 2011.
Na ocasião, ele prometeu investir 10% da receita do seu governo, então estimada em R$ 48 bilhões, para quatro anos. Isso daria uns R$ 4,5 bilhões de investimentos, nos cálculos do próprio governador.
No entanto, as receitas do Governo cresceram muito além do previsto, atingindo mais de R$ 66 bilhões, entre 2011 e 2014, em valores da época.
Já os investimentos ficaram em apenas R$ 4,1 bilhões.
Ou seja, para investir 10% desses R$ 66 bilhões de receitas e “fazer alguma coisa” Jatene teria de ter destinado a investimentos mais R$ 2,5 bilhões, além desses R$ 4,1 bilhões.
Daí a pergunta: onde é que foram parar esses R$ 2,5 bilhões?
Pior: a diferença entre os R$ 48 bilhões de receitas inicialmente previstas e os R$ 66 bilhões de receitas que se concretizaram é de R$ 18 bilhões. Isto mesmo: R$ 18 bilhões.
Um espetacular incremento financeiro que parece ter, simplesmente, se desmanchado no ar.
Achatamento
Em 2015, a previsão inicial era que as receitas do Pará totalizassem R$ 20,8 bilhões. Mas essa estimativa foi atualizada para mais de R$ 22,2 bilhões (e o Governo ainda não divulgou em quanto elas ficaram, afinal).
A dotação inicial para investimentos, que era de quase R$ 1,9 bilhão, também subiu para R$ 2,640 bilhões.
Mas até outubro, Jatene só havia investido R$ 1,1 bilhão, o que levanta a possibilidade que seus investimentos tenham alcançado apenas R$ 1,3 bilhão até dezembro. Quer dizer: que sejam até inferiores ao registrado em 2014 e 2013.
Não dá pra entender...
Como um estado pobre, onde as pessoas estão morrendo nas filas dos hospitais; onde até os policiais estão morrendo às dezenas nas mãos de assaltantes, tem para investir R$ 2,640 bilhões, mas não consegue gastar nem a metade?
Mas não pense que isso aconteceu apenas em 2015.
Em 2011, o orçamento previa mais de R$ 1,3 bilhão em investimentos – mas Jatene só investiu R$ 552 milhões.
Em 2012, o que estava orçado para investimentos era superior a R$ 1,9 bilhão – mas ele só investiu R$ 923 milhões.
Em 2013, estavam previstos mais de R$ 2,3 bilhões em investimentos - mas o que foi investido não chegou nem a R$ 1,2 bilhão.
Em 2014, o que estava previsto para investimento era superior a R$ 2,264 bilhões – mas Jatene não investiu nem R$ 1,5 bilhão. E olhe que ele estava até disputando a reeleição...
Para 2016, a previsão de investimentos é de R$ 1,5 bilhão – ou apenas 6,55% dos R$ 23,3 bilhões que poderão ser gastos.
Quer dizer: quem sabe achatando a previsão de investimentos a níveis nunca vistos, o governador consiga, enfim, chegar lá.
Veja como foram feitas as tabelas da Perereca e refaça os caminhos desta reportagem
O índice usado foi o IPCA-E de dezembro de 2015.
O percentual de crescimento da receita, no período de 1999 a 2006, foi calculado pelo blog (para checar: divida a receita do ano, em valores da época, pela receita do ano anterior, diminua 1 e multiplique por 100). Nos demais anos, o percentuais são dos BGEs.
A média de investimento dos governos foi calculada pela Perereca – veja a tabela que traz as despesas totais, as despesas com investimentos e os percentuais de investimento ano a ano de cada governo, tudo extraído dos BGEs.
A média foi calculada somando-se os percentuais de investimento de cada governo e dividindo por quatro (o tempo de duração de cada qual).
Para checar o cálculo desses percentuais: divida o valor do investimento pela despesa total e multiplique por 100 (use os valores da época).
Importante: nas tabelas de reportagens anteriores não constavam os números de 1995, só recentemente localizados pelo blog.
A tabela que compara a per capita da receita do primeiro e do último ano de cada governador: as receitas foram extraídas dos BGEs. A per capita foi calculada dividindo a receita pela população paraense daquele ano.
Para os anos anteriores, clique no link específico, na página acima (formato xls).
E note um fato interessante: a receita per capita até caiu em 2015, caso se confirmem as estimativas de uma receita total apenas R$ 200 milhões maior que a de 2014, em valores atualizados.
Tais quedas também ocorreram em 2003 e 2011, primeiros anos dos governos de Jatene.
(Sinal de que o atual governador enfrenta problemas com o começo do mandato, mesmo quando sucede a si mesmo...)
Escolha a esfera de governo (Estadual), a UF (Unidade Federativa), o Poder (Executivo), o Órgão (Governo do Estado), o Ano Base (2014) e o Tipo de Declaração (RREO-6º Bimestre) e clique em “Pesquisar”. Marque então a bolinha do RREO e clique em “visualizar”.
A Perereca extraiu a despesa e os investimentos da coluna “Despesas Empenhadas/Até o Bimestre”.
Leia as reportagens anteriores do blog
sobre os investimentos de Jatene
Leia também a reportagem publicada pelo Diário do Pará, em 23 de setembro de 2015, que traz um resumo deste material. Note que alguns números dali já estão defasados porque a atualização monetária daquela reportagem é de junho ou julho:http://digital.diariodopara.com.br/pc/cadernos/17
Veja os documentos de 2014 e 2015
Nas reportagens do blog, linkadas acima, você confere grande parte dos documentos que embasam esta reportagem.
Quanto aos números de 1995, eles foram localizados em um quadro do BGE de 1999.
Há ligeira diferença entre os números desse quadro, que é do relatório técnico-contábil, e os utilizados pela Perereca, quanto aos anos de 1997 e 1998.
Explica-se: o relatório, ao listar as despesas totais desses anos, deixou de lado os superávits. Já aPerereca apenas copiou e colou os números dos demonstrativos dos BGEs. E preferiu manter os números usados nas tabelas anteriores até porque a diferença é mínima.
No relatório, também há diferença, a menor, do valor dos investimentos de 1996. Mas o blog, novamente, manteve o número dos demonstrativos do BGE.
Fonte: A Perereca da Vizinha, 22/02/2016