Senado adere à luta de Brasil e demais países amazônicos
contra pedido de uso exclusivo do sufixo de internet feito por empresa
norte-americana de comércio on-line
Joseana Paganine
A Floresta Amazônica, que abrange oito países e possui 38 milhões de habitantes, é uma das regiões mais ricas do mundo em biodiversidade e recursos naturais, como água doce Foto: PPBIO
Estoque da Amazon: a empresa norte-americana, com sede em Seattle, é uma das maiores do mundo em comércio virtual, vendendo de livros a roupas e produtos eletrônicos Foto:Reprodução/Amazon Genius
Não só a Amazônia é dos brasileiros. O nome da maior floresta do
mundo também. E dos outros sete países que possuem território na região:
Peru, Colômbia, Equador, Bolívia, Suriname, Guiana e Venezuela. Juntos,
os países lutam pelo direito de poder criar livremente endereços de
internet com o sufixo .amazon, usando a tradução inglesa da palavra. A
propriedade do domínio de primeiro nível — que funciona como os
genéricos .com ou .org — está sendo requerida pela empresa de comércio
eletrônico Amazon.
Na quarta-feira, o Senado aderiu à campanha Nossa Amazônia — Contra a
Privatização do Nome Amazônia, iniciativa que tem a participação do
governo, da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e do
Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI). Para participar, é só entrar
na página da campanha — www.nossaamazonia.org.br — e assinar a petição. Até o momento, 2.160 pessoas já aderiram à campanha.
Vanessa Grazziotin lidera a campanha no Senado Foto: Arthur Monteiro
Para Ramlakhan, da OTCA, o nome amazon pertence ao povo Foto: Arthur Monteiro
As assinaturas serão apresentadas na reunião da Icann, sigla em inglês para Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e
Números, que acontecerá de 14 a 19 de julho na África do Sul.
A Icann é uma instituição norte-americana responsável pela
coordenação global do sistema de identificadores de endereços da
internet (veja box). A corporação vai decidir em agosto se a propriedade
do nome pode ser dada à Amazon.
— Se o pedido da empresa for acatado, será como uma patente. Para
usar o nome, os habitantes terão de pedir e pagar para os
norte-americanos. Queremos que o nome não seja de ninguém, muito menos
de uma empresa privada — protestou Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que
lidera o movimento contra a Amazon.
Engajamento
O presidente da Comissão de Relações Exteriores (CRE), Ricardo
Ferraço (PMDB-ES), acredita que a campanha vai estimular o engajamento
da população em torno da reivindicação. O senador pediu a Vanessa que
apresente à comissão, na próxima semana, um relatório sobre o andamento
da iniciativa.
João Capiberibe (PSB-AP) pediu a participação do maior número
possível de cidadãos, de norte a sul do país. Ele lembrou o caso
ocorrido com o cupuaçu.
Em 2003, a empresa japonesa Asahi Foods conseguiu registrar a patente
“cupuaçu” no Japão, Estados Unidos e Europa. O registro da marca
impedia a venda de qualquer produto brasileiro com o nome da fruta, como
bombons, sucos e geleias.
Várias ONGs pediram o cancelamento da patente na Justiça do Japão,
argumentando que a lei do país impede o registro de nomes de
matéria-prima como propriedade particular. O cancelamento veio em 2004.
De acordo com o secretário-geral da OTCA, Robby Ramlakhan, são
constantes as tentativas de comércio internacional de se apropriar de
nomes e produtos da Amazônia.
— Não se trata apenas de referência geográfica. É questão de cultura,
soberania e oportunidade. Temos de proteger o futuro dos povos
amazônicos — disse Ramlakhan, que também é embaixador do Suriname no
Brasil.
Preocupação com nomes de lugares vem desde 2007
Em 2012, a Icann abriu a possibilidade de registrar domínios de
primeiro nível, ampliando o leque de sufixos que contava apenas com os
genéricos e com o nome de países, como .br. Foram feitos 1.930 pedidos
de domínios, que serão agora autorizados ou não pela corporação.
Ao saber que a Amazon havia solicitado a exclusividade do sufixo, os
governos brasileiro e peruano entraram com uma contestação, alegando que
se trata de denominação geográfica e, portanto, pública. O embaixador
Benedicto Fonseca Filho disse que o problema começou em 2007 porque a
Icann, ao elaborar as regras para novos domínios, não acatou
recomendação dos governos que proibia o uso de nome de lugares, entre
outros termos de uso comum.
Segundo ele, outras empresas também pediram exclusividade de nomes
geográficos. É o caso da norte-americana Patagonia, especializada em
artigos esportivos, que solicitou o domínio .patagonia. O pedido também
está sendo contestado por Argentina e Chile.
— Os governos não têm assento na Icann. E a instituição parou de
seguir as nossas recomendações. A Icann obedece à legislação
norte-americana. Se houver litígio, a disputa ocorrerá em tribunais de
lá. O governo brasileiro considera isso um absurdo, mas respeita a
situação de fato — avaliou o embaixador e diretor do Departamento de
Temas Científicos e Tecnológicos do Ministério de Relações Exteriores.
Fonseca também considera que o lançamento do domínio de primeiro
nível foi feito de forma rápida, com pouca discussão. Isso porque,
segundo ele, tem havido prevalência de interesses comerciais na Icann.
Para exemplificar o problema criado, ele citou o caso de nomes comuns
como “hotel”.
— Quem ficará com o domínio de primeiro nível .hotel? A regra é quem oferece mais leva — afirmou o embaixador.
Para ele, a Amazon é coerente com a estratégia comercial quando pede
sufixo exclusivo. Mas é legítimo também que se conteste o pedido em
função do interesse público. Fonseca contou que já houve duas conversas
com a empresa e os membros da OTCA, sem consenso.
— Se a decisão for contra o interesse público, o Brasil se reserva o
direito de recorrer. Queremos que a internet continue aberta,
transparente e veículo de desenvolvimento.
Regras
O representante da Icann no Brasil, Everton Lucero, explicou que,
para uma objeção a nome geográfico ser aceita, é preciso que a
reivindicação atenda quatro quesitos: comunidade delineada, oposição
substancial, forte associação e identificação entre a comunidade e o
nome e prejuízo material para a comunidade.
— Nenhum novo nome foi introduzido na raiz do sistema. Estamos em
processo de avaliação. Mas já há consenso em torno do sufixo .africa,
que não será utilizado como domínio privado — contou.
Além dos países da Amazônia, Lucero revelou que um professor de uma
universidade francesa apresentou à Icann uma objeção independente à
utilização comercial do domínio .amazon. A França tem interesse na
Amazônia. Parte do território da Guiana Francesa está na região
amazônica.
Questão envolve inclusão digital na Amazônia
Eduardo Braga (PMDB-AM) ressaltou que a questão é de importância
nacional e internacional. Trata-se não só de um problema de
nomenclatura, mas de inclusão digital.
— O nome da Amazônia não é uma marca. Pertence às pessoas da região,
que precisam, urgentemente, ser incluídas na era digital. Estamos vendo,
neste momento, o quanto a participação virtual nas redes sociais pode
ser importante para a transformação — afirmou, referindo-se às recentes
manifestações de rua ocorridas no Brasil.
É o que pensa também o presidente da Associação Nacional para
Inclusão Digital (Anid), Percival Henriques. Na avaliação dele, a
Amazônia precisa ser inserida no mundo digital. Estudos mostram que a
instalação de banda larga em uma região impacta em cerca de 10% a
economia local, disse.
— Quem não tem informação sobre a importância de um domínio na
internet não entende a necissidade de lutar para que o nome amazon
permaneça de domínio público. Quando essas pessoas acordarem, os
domínios já estarão registrados — ponderou Henriques.
Como funciona a gestão da internet
A governança mundial dos endereços de internet é feita pela Icann.
Ela é responsável pelo Sistema de Nomes de Domínio (DNS), que inclui a
alocação de protocolos da internet (IP) — um número que cada aparelho
conectado à web possui — e a concessão de domínios de primeiro nível,
tanto genéricos (.com, .org, .net) quanto de países, como .br, .fr e
.uk. Agora, a Icann passa a definir domínios de primeiro nível
específicos, como é o caso do .amazon.
O sistema ajuda os usuários a encontrar o caminho na internet. Cada
computador tem um endereço exclusivo, IP, composto por sequência de
números. Como é difícil memorizar endereços IP, o DNS permite substituir
os números por letras, o “nome do domínio”, como www.senado.leg.br.
De acordo com Everton Lucero, da Icann no Brasil, a corporação
trabalha agora para introduzir sinais fora do alfabeto latino no
sistema, como caracteres árabes e cirílicos. O objetivo, segundo ele, é
ampliar o acesso à internet nos países que usam tipos diferentes de
letras gráficas.
No Brasil, quem gerencia o sistema é o Núcleo de Informação e
Coordenação do Ponto BR (NIC). Desde 2005, é esse núcleo que implementa
as decisões e os projetos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI).
Entre outras funções, o NIC faz o registro e a manutenção dos nomes de
domínios que usam o .br.
— O Comitê Gestor da Internet é uma instituição moderna,
multissetorial, com 21 representantes do governo, das universidades, da
iniciativa privada — assegura Virgilio Almeida, secretário de Política
de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Saiba mais
Nossa Amazônia — Contra a Privatização do Nome Amazônia
www.nossaamazonia.org.br
Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (Icann)
www.icann.org.br
Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OCTA)
www.otca.info
Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC)
www.nic.br
Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI)
www.cgi.br
www.nossaamazonia.org.br
Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (Icann)
www.icann.org.br
Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OCTA)
www.otca.info
Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC)
www.nic.br
Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI)
www.cgi.br
Veja as edições anteriores do Especial Cidadania em www.senado.leg.br/jornal
Fonte: Jornal do Senado, 24/06/13