quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

PF faz buscas em investigação sobre pagamento de propina em Belo Monte

Folha, 16/02/2017

Marizilda Cruppe -- 10.abr.12/Reuters
Belo Monte

A Polícia Federal deflagrou nesta quinta (16) a operação Leviatã para cumprir mandados expedidos pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Os seis mandados de busca e apreensão foram expedidos pelo ministro Edson Fachin. Eles estão sendo cumpridos no Rio de Janeiro, em Belém e Brasília nas residências dos investigados e em seus escritório de trabalho.

Entre os alvos das buscas estão Márcio Lobão, filho do senador Edison Lobão (PMDB-MA), e o ex-senador Luiz Otávio de Oliveira Campos, do Pará. Elas são referentes a um inquérito instaurado a partir de provas obtidas na Operação Lava Jato.

Segundo nota da PF, a operação é consequência de um inquérito que apura pagamento de propina de 1% do valor das obras de Belo Monte, no Pará, a dois partidos políticos. O dinheiro teria sido pago por parte das empresas do consórcio construtor.
Editoria de Arte/Folhapress


Em 2016, reportagem da Folha mostrou que, em delação premiada, executivos da Andrade Gutierrez revelaram que as construtoras responsáveis pela obra de Belo Monte pagaram propina de R$ 150 milhões (o 1% do valor dos contratos) para PT e PMDB. Cada partido ficaria com uma cota de R$ 75 milhões. Os recursos foram pagos, segundo os depoimentos, na forma de doações legais para campanhas de 2010, 2012 e 2014.

Os investigados poderão responder pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Luiz Otávio chegou a ser investigado em 2012 por suspeita de desvio de R$ 12 milhões da Finame (Agência Especial de Financiamento Industrial), mas o caso foi arquivado em 2013. No ano passado, a então presidente Dilma Rousseff o indicou para ser o diretor-geral da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários),

A indicação atendeu aos interesses de Helder Barbalho (PMDB-PA), que era ministro da Secretaria dos Portos na época, e de seu pai, o senador Jader Barbalho — ambos aliados históricos de Luiz Otávio.

Quando Michel Temer assumiu, porém, ele suspendeu as indicações da petista.

INVESTIGAÇÃO

O nome da operação é uma referência à obra "O Leviatã", do filósofo Thomas Hobbes. Nela, ele diz que o "homem é o lobo do homem", comparando o Estado a um ser humano artificial criado para sua própria defesa e proteção.

Em junho do ano passado, o STF autorizou a abertura de um inquérito para apurar se integrantes da cúpula do PMDB no Senado supostamente receberam propina na construção de Belo Monte. Os investigados são os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL), Romero Jucá (PMDB-RR), Valdir Raupp (PMDB-RO) e Jader Barbalho.

A abertura foi determinada pelo ministro Fachin a pedido da Procuradoria-Geral da República.

A linha de investigação tem como base a delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS).

Constatação

Trump ataca: "A imprensa ficou tão desonesta". Isso é porque ele não conhece a imprensa brasileira.

Réus, investigados, delatados e até condenado escolhem o novo ministro do STF

Acusações criminais e citações de delatores da Lava Jato perseguem pelo menos 44 dos 81 senadores que votarão a indicação de Alexandre de Moraes para o Supremo Tribunal Federal. Na prática, alguns parlamentares definirão o seu próprio juiz

Congresso em foco, 16/02/2017 
Collor e Renan estão entre os mais enrolados na Lava Jato: os dois já foram denunciados por corrupção e lavagem de dinheiro  Jonas Pereira/ABr

Sem qualquer constrangimento, senadores sob suspeita escolherão na próxima semana o novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Na prática, parlamentares com problemas na Justiça ou ameaçados pela Operação Lava Jato terão o privilégio de definir o próprio juiz. Mais da metade do Senado que votará em plenário a indicação de Alexandre de Moraes está na mira da mais alta corte do país. Pelo menos 44 dos 81 integrantes da Casa respondem a acusações criminais no próprio Supremo ou enfrentam a desconfortável situação de figurar nas delações ou planilhas da Odebrecht – e, por isso, estão a um passo de terem de se explicar à Justiça.

Levantamento do Congresso em Foco revela que pelo menos 34 senadores são alvos de inquérito (investigações preliminares) ou ação penal (processos que podem resultar em condenação) por diversos crimes, como corrupção, lavagem de dinheiro, contra a Lei de Licitações e o meio ambiente. Oito já são réus. Um deles já poderia estar na cadeia. Condenado pelo próprio Supremo a quase cinco anos de prisão, em agosto de 2013, por fraude contra a Lei de Licitações, Ivo Cassol (PP-RO) continua em liberdade e no exercício do mandato, participando de algumas das principais decisões do país. Desde dezembro de 2014 o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pede o início do cumprimento da pena. O senador está pendurado em um recurso cujo julgamento poderá ser definido pelo próprio Alexandre de Moraes.


Também vão participar da escolha do novo ministro 13 senadores investigados na Operação Lava Jato. Na última terça-feira (14), Moraes se reuniu com a bancada do PMDB em busca de votos. Foi recebido pelo novo líder, Renan Calheiros (AL), que acaba de deixar a presidência da Casa carregando uma dezena de inquéritos da Lava Jato, apontado como beneficiário do esquema de corrupção em estatais. No mesmo dia, o candidato também se encontrou com o senador Fernando Collor (PTC-AL), outro denunciado na operação.
Renan e Moraes: hoje eleitor e candidato; amanhã, réu e juiz delatados   Debora Brito/ABr

Entre os eleitores do novo ministro também estão potenciais integrantes da bancada do petrolão. Ao menos 22 senadores já tiveram o nome citado por executivos e ex-dirigentes da Odebrecht. Desses, nove ainda não respondem a qualquer processo. Entre eles, o novo presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE). Um dos executivos da empreiteira afirma que “Índio”, apelido dado ao peemedebista, recebeu cerca de R$ 2,1 milhões em propinas entre outubro de 2013 e janeiro de 2014 em troca de apoio a uma medida provisória de interesse do grupo.

Ainda sob análise na Procuradoria-Geral da República, a delação da Odebrecht é a maior já feita no país e tem potencial explosivo para sacudir os três poderes. Os estilhaços dela ameaçam o presidente Michel Temer, alguns de seus principais ministros, figuras centrais do governo Dilma e a cúpula do Congresso. Responsável pela indicação de Alexandre de Moraes, Temer é citado pelo menos 43 vezes na delação do ex-vice-presidente de Relações Institucionais da Odebrecht Cláudio Melo Filho. Ele diz que o presidente pediu e recebeu R$ 11 milhões da empreiteira para a campanha presidencial de 2014. O peemedebista alega que o dinheiro foi legal e declarado à Justiça eleitoral.

Revisor da Lava Jato

Embora Temer tenha feito a indicação de Moraes somente após o Supremo definir Edson Fachin como substituto de Teori na relatoria da Lava Jato, o novo ministro deve assumir a revisão dos processos da operação na corte. Como revisor, Moraes poderá sugerir medidas para corrigir algum problema do processo, confirmar ou divergir da posição do relator. No julgamento do mensalão, por exemplo, o revisor, Ricardo Lewandowski, abriu caminho para atenuar a pena de alguns dos acusados, contrariando o então relator, Joaquim Barbosa.

Antes de se submeter ao plenário, Alexandre de Moraes terá de passar por uma sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde seu nome será examinado, em caráter prévio, pelos senadores. Após fracassar a manobra de governistas para antecipar para essa quarta-feira o depoimento do ministro licenciado da Justiça, o encontro ficou marcado para a próxima terça-feira (21).

Na CCJ, uma das comissões mais poderosas de todo o Congresso, Moraes será recebido pelo presidente do colegiado, o senador Edison Lobão (PMDB-MA), alvo de três inquéritos da Lava Jato. No auditório, ficará frente a frente com 21 parlamentares, entre titulares e suplentes, investigados no Supremo cujos casos poderá ter de julgar a qualquer momento. Além de Lobão, outros nove estão pendurados nos processos do petrolão.

Candidato de polêmicas

Os senadores não demonstram constrangimento com o papel de eleitores de seu próprio juiz. Para alcançar o ápice de sua carreira jurídica, Alexandre de Moraes também não se mostra incomodado com a necessidade de cabular votos entre potenciais futuros réus. Depois de se licenciar do Ministério da Justiça enquanto o Espírito Santo protagonizava uma das maiores crises da segurança pública da história do país, ele se reuniu na semana passada com um grupo de senadores em uma embarcação no Lago Paranoá.

Na chalana do senador Wilder de Morais (PP-GO), o candidato ao STF jantou com Benedito de Lira (PP-AL), denunciado na Lava Jato, Cassol, condenado à prisão, Sérgio Petecão (PSD-AC) e Zezé Perrella (PMDB-MG), investigados no Supremo, Cidinho Santos (PR-MT), José Medeiros (PSD-MT) e Davi Alcolumbre (DEM-AP). Todos seus potenciais eleitores.

Para se aproximar dos senadores, Moraes tem visitado gabinetes e conversado com parlamentares. Se virar ministro, o professor da Universidade de São Paulo (USP) herdará cerca de 7,5 mil processos deixados por Teori Zavascki. Desde que teve o nome anunciado como o candidato de Temer para a vaga de Teori no STF, ele virou alvo de críticas e ataques de opositores.

Ele é questionado por sua ligação com o PSDB, partido do qual se desfiliou apenas na semana passada, e por ter advogado para uma cooperativa suspeita de ser braço do Primeiro Comando da Capital (PCC), uma das principais facções criminosas do país. Também enfrenta denúncia de plágio em sua produção acadêmica. Por causa disso, dois deputados petistas e um advogado pediram ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que solicite a abertura de inquérito contra Moraes por violação de direitos autorais. A atuação dele à frente da Secretaria de Segurança Pública em São Paulo e do Ministério da Justiça também é questionada pela oposição e por um grupo de juristas. No início do ano o país enfrentou a mais grave crise do sistema penitenciário, que resultou em mais de uma centena de mortos.

Nessa terça-feira (14), o relator da indicação na CCJ, Eduardo Braga (PMDB-AM), apresentou suas conclusões. Citado em delação da Odebrecht, o amazonense evitou comentar as polêmicas em torno de Moraes. Segundo ele, o candidato ao Supremo tem “atividade intensa nas áreas do direito constitucional, direito administrativo e direito penal, especialmente relacionada a temas como proteção aos direitos fundamentais, funcionamento das instituições democráticas e combate à corrupção”. O relator ressaltou o número de publicações acadêmicas de Alexandre de Moraes, como livros e artigos científicos. O senador afirmou, ainda, que Moraes tem vasta experiência profissional, com atuação em diferentes frentes na advocacia privada, no Poder Executivo, no Poder Judiciário e no Ministério Público.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Supremo mantém Cunha preso. Será que agora ele vai delatar o Temer?


Maioria do Supremo Tribunal Federal já votou pela rejeição do recurso da defesa de Eduardo Cunha por sua soltura.

O ministro relator, Edson Fachin, argumentou que o STF não se manifestou sobre requisitos da prisão preventiva e isso impede a utilização da reclamação, instrumento da defesa.

O plenário do STF começou a julgar o recurso do ex-presidente da Câmara nesta tarde.

Antes de chegar ao pleno da corte, o recurso havia sido rejeitado pelo ministro Teori Zavascki, antigo relator da Lava Jato, que morreu em acidente de avião no mês passado.

Cunha está preso em Curitiba desde outubro passado.

Powerpoint mostra como sangria da Lava Jato está sendo estancada


Consumado o golpe contra a presidente Dilma Rousseff, a elite política e a mídia trabalham em conjunto novamente, agora para barrar a Operação Lava Jato e finalizar o roteiro descrito pelo senador Romero Jucá (PMDB) na conversa com Sérgio Machado.

A revista Carta Capital mostra como fevereiro tem sido mês crucial nessa agenda intensa de ações de Michel Temer a aliados. A revista montou um Powerpoint com os 14 atos que revelam a movimentação para "estancar a sangria" provocadas pelas investigações.

Entre as ações estão as eleições de Eunício Oliveira (PMDB) para a presidência do Senado e Rodrigo Maia (DEM) no comando da Câmara dos Deputados. Os dois são citados nas investigações da Lava Jato.

Justiça de SP, ninho dos tucanos, absolve ex-diretores da Bancoop


A Justiça de São Paulo absolveu cinco acusados de envolvimento em desvios da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop), entre eles o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, que atuou como diretor administrativo e financeiro da cooperativa; de acordo com a juíza, “não há elementos suficientes que autorizem o reconhecimento do crime autônomo de quadrilha ou bando”.

Kotscho: no STF, a política é que faz a lei

E assim a instituição vai se desmoralizando!

"Engana-se quem pensa que a lei é igual para todos neste Brasil tão desigual. Tudo depende de quem é o julgador e quem é o julgado". 

"No STF, como vimos tantas vezes ultimamente, a política faz a lei, a Constituição pode ser flexibilizada", afirma o jornalista Ricardo Kotscho, sobre a decisão do ministro Celso de Mello que manteve o foro privilegiado a Moreira Franco, acusado de receber propina de R$ 4 milhões da Odebrecht.

O Supremo deixou de ser supremo

Uma instituição que não honra seus princípios e valores, para tomar decisões abalizadas, não merece o respeito da sociedade!

"Em apenas dez meses, dois ministros do STF produziram sentenças opostas para julgar casos fundamentalmente idênticos -- o direito de Moreira Franco e Lula ocuparem um ministério, numa situação em que ambos foram acusados de procurar um atalho para escapar de serem investigados por Sérgio Moro na Lava Jato", escreve Paulo Moreira Leite.

"Enquanto a posse de Lula foi impedida por Gilmar Mendes, a sentença de Celso Mello não só garantiu a posse de Moreira Franco como ministro mas também antecipou que, caso venha a se tornar réu, terá direito a foro privilegiado".

Para PML, "um tratamento tão diferenciado coloca péssimos presságios para o papel do STF, que se prepara para enfrentar delações da Lava Jato que contém denúncias não apenas contra o PT de Lula e Dilma, mas contra o PMDB de Moreira Franco e Temer, o PSDB de José Serra e Geraldo Alckmin, o PP de Rodrigo Maia".

Campanha de Alexandre de Moraes para obter uma vaga no Supremo chega a ser um acinte, um desrespeito. A coisa está tão escancarada, visível, que nem se tem mais o constrangimento de agir as claras. Percebe-se que a instituição hoje é um apêndice do Executivo, uma continuidade do governo Temer.

Luiz Fernando (Beira-Mar): esse cara sou eu!

Fernando Quevedo / Agência O Globo)

Luiz Fernando (Beira-Mar): esse cara sou eu!

*Gerivaldo Neiva

Conheci Luiz Fernando da Costa, mais conhecido como Fernandinho Beira-Mar, em um presídio federal de segurança máxima. Não foi uma longa conversa, mas deu tempo de ouvir alguns relatos sobre outros presídios em que já havia cumprido pena, sobre sua vida na prisão, a relação com agentes penitenciários e diretores, sobre seus estudos e cursos, sobre um livro que estaria escrevendo e dificuldades com editoras para publicação e até um dossiê que estaria enviando para a corte interamericana de direitos humanos, relatando problemas envolvendo sua condição e com sua família.

Era minha primeira vez, na condição de conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que inspecionava um presídio federal de segurança máxima.[1] Segundo informações do Ministério da Justiça, “cada Penitenciária Federal possui capacidade para abrigar 208 presos em celas individuais. Atualmente estão em funcionamento quatro Penitenciárias Federais - Catanduvas/PR, Campo Grande/MS, Mossoró/RN e Porto Velho/RO. A quinta penitenciária federal já está construção e será localizada em Brasília/DF”.

No presídio que inspecionei, estavam custodiados os presos das milícias do Rio de Janeiro, líderes de uma das facções do presídio de Pedrinhas (MA), os militares condenados pelo assassinato da juíza Patrícia Acioli, inclusive o Tenente-Coronel Cláudio Luiz Oliveira, condenado a 36 anos de prisão pela prática dos crimes de homicídio qualificado e formação de quadrilha.[2] Além de outros presos que não tive oportunidade de entrevistar e o mais famoso de todos: Luiz Fernando da Costa.

Em companhia de outros conselheiros do CNPCP e de uma equipe do Depen (Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça), chegamos ao presídio pela manhã e fomos muito bem recebidos pelo Diretor e pessoal da administração, que fica em prédio separado, mas dentro do mesmo complexo de prédios. O acesso ao prédio em que se localizam as celas é altamente restrito e controlado por câmaras e scanners de alta precisão. Na verdade, são dois equipamentos a que se submete para ter acesso às celas. Um primeiro, que permite o acesso à enfermaria e área de monitoramento do presídio e um segundo para se ter acesso às galerias.

As celas são individuais e devem medir em torno de 6 metros quadrados (3m x 2m). Conta com uma cama, bancada, banco e prateleira de cimento. O vaso sanitário fica ao fundo e protegidos por uma parede de mais ou menos 1 metro de altura. As portas das celas são de chapa de ferro e contam com duas pequenas aberturas, sendo uma na altura da cabeça e outra na altura da cintura ou mais abaixo. A primeira serve para a conversa com o preso e entrega da refeição. A segunda serve para que o preso ponha as mãos para ser algemado quando é levado para o banho de sol e depois ter as algemas retiradas quando do retorno. Dessa forma, os agentes sempre terão o preso algemado ao abrir a cela e sempre trabalham em duplas. Os presos ficam isolados por 22 horas do dia e saem para o banco de sol por 2 horas. Todos eles, segundo informações do chefe da enfermaria, vivem à base de ansiolíticos.

Pois bem, já estava de saída da última galeria de celas quando avistei Luiz Fernando conversando com uma diretora do Depen. Não sabia que ele estava naquele presídio e não o reconheci de imediato. Ele estava sentado em uma cadeira e algemado. O pequeno espaço em que se encontrava era protegido por grades e tinha um acesso interno para a galeria de celas em que estava preso. Tinha uma boa aparência, simpático e de sorriso fácil. Quando me aproximei, relatava ao pessoal do Depen severas críticas ao Diretor e agentes penitenciários do presídio anterior, mas ressaltou a lealdade e honestidade do Diretor e agentes do atual presídio.

Relatou também sobre pressões que estaria sofrendo sua família e que estaria concluindo um dossiê sobre todos esses problemas e também sobre o que teria sofrido no presídio anterior. Contou também que estava lendo muito e que havia terminado de concluir um curso de Teologia à distância. Disse que estava bem de saúde fazendo atividades físicas, que não havia problemas com as visitas e que era respeitado e também respeitava as ordens da casa.

Perguntei-lhe como se sentia o “bandido” mais famoso do Brasil? Ele soltou uma boa gargalhada e respondeu mais ou menos assim:
- Doutor, eu estou nessa vida há muito tempo. Cometi umas bobagens no Rio de Janeiro e depois precisei sair para a fronteira. Lá, o esquema era muito perigoso. Nossa atividade era de risco e envolvia drogas, armas e carros. É claro que nessa atividade havia desentendimentos, extorsão e conflitos de interesses. Logo, se matava e se morria muito. Agora, doutor, igual a mim, naquela época, existiam várias pessoas, inclusive policiais que participavam do esquema. Pior do que eu, existiam muito mais pessoas naquela atividade. O problema é que o Estado Brasileiro precisava, para se afirmar como eficiente e garantidor da lei, de um grande bandido nacional para condenar a 300 anos de cadeia e mantê-lo preso como exemplo dessa eficiência. O problema é que minha prisão e condenação não acabou com o tráfico, com a violência e criminalidade. Pronto! Estou condenado, isolado em uma penitenciária de segurança máxima e todos esses os problemas se agravaram. Na verdade, eu já nem sei por quais crimes fui condenado e por quais motivos tive minha pena agravada em presídios, pois basta que um agente penitenciário me acuse para que seja certa a condenação. Por fim, doutor, o sistema precisa desse grande bandido nacional e esse cara sou eu!

Não tinha como contiuar essa conversa. O tempo da inspeção estava no limite e também precisava conhecer melhor a história de “Fernandinho Beira-Mar” para prosseguir. Conversamos ainda mais um pouco sobre seus processos judiciais, mas relatou que tinha bom advogado e que estava tranquilo quanto ao seu futuro. Prometeu enviar o citado dossiê ao CNPCP, mas esse documento não me chegou às mãos.
Enfim, nos despedimos cordialmente e agradeci pela conversa. Aquele era o último dia de inspeção e logo mais à noite embarquei de volta para casa. Este relato que faço agora é fruto de anotações e lembranças, mas é impossível retratar a realidade de um presídio federal e, muito menos, o que deve sentir e pensar “o grande bandido nacional” em suas 22 horas diárias de isolamento e o peso da condenação em 300 anos de reclusão. Os meandros de sua mente e de suas lembranças, conforme me relatou o próprio Luiz Fernando, serão expostos quando do lançamento de seu livro de memórias. Não me adiantou o conteúdo dessas memórias, mas observou que precisa oferecer às pessoas o outro lado da história oficial.

*Juiz de Direito, BA

[1] O Depen é responsável pelo Sistema Penitenciário Federal, cujos principais objetivos são isolamento das lideranças do crime organizado, cumprimento rigoroso da Lei de Execução Penal e custódia de: presos condenados e provisórios sujeitos ao regime disciplinar diferenciado; líderes de organizações criminosas; presos responsáveis pela prática reiterada de crimes violentos; presos responsáveis por ato de fuga ou grave indisciplina no sistema prisional de origem; presos de alta periculosidade e que possam comprometer a ordem e segurança pública; réus colaboradores presos ou delatores premiados.
[2] Esta conversa será objeto de outro texto, em breve.

Constatação

É lamentável ver um Supremo tão apequenado!