Jarbas, presidente da OAB/PA: "Enfrentar a corrupção existente no Estado brasileiro é a tarefa de todos nós que lutamos por democracia"
Reagindo politicamente à proliferação desavergonhada da corrupção em todos os níveis de governo, a Secção Pará da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/PA) promove, na manhã deste sábado, 28, uma manifestação pública contra as práticas amorais que se multiplicam entre agentes públicos e segmentos da sociedade, principalmente empresários inescrupulosos e pessoas recalcitrantes no crime contra o interesse público, com foco no erário.
A linha mais que visível que deveria separar os interesses públicos do privado passou a ser tênue e, nos últimos anos, simplesmente deixou de existir. Hoje, prevalece a desordem completa, sempre em prejuízo aos interesses da sociedade. Parece que os políticos e outros agentes públicos simplesmente perderam a vergonha de roubar, de delinquir, de traficar influência em proveito próprio, atitudes que estão associadas à quase certeza da impunidade, ou da aplicação de penas que, de tão irrelevantes, justificam a reincidência.
Os atos de irregularidades múltiplas que se desvendam na Assembleia Legislativa do Pará são réplicas, ainda que imperfeitas, para mais ou para menos, de outras que se multiplicam nas demais instâncias de governo e em outros poderes. E os exemplos abundam.
Sem mais esperar a atitude politicamente cidadã de outras entidades outrora representativas da sociedade, a OAB/PA tomou a coragem da iniciativa, ousou e inovou ao assumir um papel que, em tese, não seria seu e resolveu chamar o povo para ir às ruas para repudiar a corrupção, para clamar pela vida e pela paz.
Aos leitores do blog, Jarbas Vasconcelos, presidente da OAB/PA, explica as razões que motivaram tal iniciativa da entidade, analisa a complexidade atual das relações políticas da sociedade com o Poder Público e alerta esta para a responsabilidade que tem na construção da democracia. Jarbas avalia que o momento é propício para essa reação da sociedade à corrupção: "Creio que a vontade do povo, do Pará e do Brasil, é marchar unido contra a corrupção e a impunidade. Há uma energia popular muito forte, uma onda eletrizante, um espírito de luta que contagia a todos".a.
Segue abaixo a entrevista exclusiva de Jarbas ao blog:
Blog do Piteira: Por que a iniciativa da OAB/PA em realizar essa manifestação contra a corrupção, pela vida e pela paz? A corrupção disseminou-se ao ponto do absurdo?
Jarbas Vasconcelos: A nossa manifestação não tem cor ideológica ou partidária e se destina a exigir que nossas autoridades públicas se conduzam com decência à frente do Estado. Enfrentar a corrupção existente no Estado brasileiro é a tarefa de todos nós que lutamos por democracia, cultura e desenvolvimento do nosso país. Senão alcançarmos um Estado ético, transparente e sob controle social rapidamente, perderemos todas oportunidades econômicas que se nos abrem para entrarmos no chamado primeiro mundo; ficaremos condenados ao perpétuo atraso, à síndrome do quase lá.
Blog: Seria correto dizer que houve um crescimento da alienação política da sociedade e dos cidadãos, posto que a maioria de suas entidades representativas de então – CUT, CBB, UNE, SPDDH, Fetagri, entre outras – praticamente sumiram? Ou a descrença crescente na política e nos políticos também afetou as organizações gerais da sociedade? O visível aparelhamento dessas entidades por partidos ou grupos políticos contribuiu para essa descrença nelas?
Jarbas: Creio que a nossa sociedade hoje é mais forte e complexa do que na época do regime militar. As nossas instituições estão mais fortes, presentes e atuantes que antes, embora o povo não esteja nas ruas porque as formas de lutas são outras. O conflito social se institucionalizou e se opera dentro dos organismos do Estado, especialmente o Judiciário. A luta social é em grande parte responsável pelo protagonismo do Poder Judiciário que termina por cumprir tarefas que deveriam ser desempenhadas pelo Executivo e pelo Legislativo.
Jarbas: "Nossa democracia estará tanto mais forte quanto mais previsível seja a certeza da punição dos delinqüentes do Poder Público"
Blog: Em plena ditadura militar, via-se uma miríade de entidades populares que lutavam por reivindicações diversas (reforma urbana, meia passagem aos estudantes, reforma agrária, direitos humanos, liberdade de imprensa), mas principalmente pela democracia. A democracia que conquistamos facilitou a propagação da corrupção? Ou a sociedade relaxou e perdeu sua capacidade de indignação?
Jarbas: A democracia permite que os corruptos e a corrupção apareçam. Em todo regime de exceção há sempre mais podridão do que no regime democrático. Evidentemente que a nossa democracia estará tanto mais forte quanto mais previsível seja a certeza da punição dos delinqüentes do Poder Público, pouco importando o poder econômico e político que ostentem.
Blog: Os cidadãos sabem que a política e os governantes estão contaminados pela corrupção, condenam sua prática, mas, quando reagem, fazem-no com timidez. A maioria acaba vendo a corrupção com certa “naturalidade”, a ponto de aceitar o “rouba, mas faz”. A decisão da OAB/PA de puxar essa manifestação também resulta dessa visível inércia das entidades da sociedade?
Jarbas: Cabe à OAB reconhecer a vontade e o interesse geral da sociedade. Creio que a vontade do povo, do Pará e do Brasil, é marchar unido contra a corrupção e a impunidade. Há uma energia popular muito forte, uma onda eletrizante, um espírito de luta que contagia a todos e a OAB apenas procura canalizar esse ânimo da sociedade para exigir o pleno e eficaz funcionamento das nossas instituições jurídicas. É o mal funcionamento do aparelho de Estado, especialmente o Judiciário, que induz a apatia e analgesia moral da cidadania. Condene-se os poderosos e você verá que a apatia é aparente, que o cidadão é capaz e de fato lutará por seus direitos. Daí a importância estratégica da nossa luta: rearticular a chama da consciência e da cidadania que parecem perdidas.
Blog: A manifestação em si não será a solução definitiva contra a corrupção. Quais os próximos passos?
Jarbas: Nós restabeleceremos o nosso Comitê de Combate a Corrupção Eleitoral como Comitê de Combate a Corrupção, com a participação de toda a sociedade civil organizada para que a luta pela moralidade pública seja uma luta permanente de todas as instituições da sociedade e de todos nós.
Fonte: Blog do Piteita, 27/05/11