"É mentira que detenho um apartamento em Paris. Nem lá nem em qualquer outro lugar fora do Brasil. Esta vilania surgiu em 2003, tendo sido repudiada pela D. Maria Sodré, sogra do Jovelino Mineiro, verdadeira dona do imóvel que maliciosamente dizem ser meu", afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, numa polêmica nota publicada ontem em seu Facebook (leia mais aqui).
Por que, afinal, FHC teria esperado 12 anos para se pronunciar sobre uma notícia publicada originalmente pelo jornalista Janio de Freitas, na Folha de S. Paulo, que atribuía a ele a posse de um apartamento na Avenue Foch, uma das mais caras de Paris? E mais: por que FHC teria citado o nome do empresário Jovelino Mineiro, citado, em posts na internet, como bem mais do que amigo do ex-presidente?
Uma rápida pesquisa na internet revela que Jovelino, além de sócio, foi também um arrecadador informal de recursos para o ex-presidente, como aponta uma reportagem da revista Época, da Globo, publicada no fim de 2002, quando FHC ainda era presidente da República.
Assinada por Gerson Camarotti, o texto fala da noite em que FHC, ainda no exercício do mandato, decidiu "passar o chapéu" entre empresários para levantar recursos para seu futuro Instituto FHC. Quem estava lá, como homem de confiança de FHC para receber o dinheiro de empresas como Odebrecht, Camargo e Suzano? Ele mesmo, Jovelino Mineiro.
Época, no entanto, não se escandalizou com o evento promovido por FHC e Jovelino em pleno Palácio do Alvorada – o que revela o grau de blindagem que havia na é(É)poca. "Foi uma noite de gala. Na segunda-feira, o presidente Fernando Henrique Cardoso reuniu 12 dos maiores empresários do país para um jantar no Palácio da Alvorada, regado a vinho francês Château Pavie, de Saint Émilion (US$ 150 a garrafa, nos restaurantes de Brasília). Durante as quase três horas em que saborearam o cardápio preparado pela chef Roberta Sudbrack - ravióli de aspargos, seguido de foie gras, perdiz acompanhada de penne e alcachofra e rabanada de frutas vermelhas –, FHC aproveitou para passar o chapéu. Após uma rápida discussão sobre valores, os 12 comensais do presidente se comprometeram a fazer uma doação conjunta de R$ 7 milhões à ONG que Fernando Henrique Cardoso passará a presidir assim que deixar o Planalto em janeiro e levará seu nome: Instituto Fernando Henrique Cardoso (IFHC)", dizia o texto de Camarotti.
"O dinheiro fará parte de um fundo que financiará palestras, cursos, viagens ao Exterior do futuro ex-presidente e servirá também para trazer ao Brasil convidados estrangeiros ilustres. O instituto seguirá o modelo da ONG criada pelo ex-presidente americano Bill Clinton. Os empresários foram selecionados pelo velho e leal amigo, Jovelino Mineiro, sócio dos filhos do presidente na fazenda de Buritis, em Minas Gerais."
A fazenda de 20 dólares
Assim como a noite em que se rodou a sacolinha no Alvorada não escandalizou a Globo, o mesmo pode ser dito da fazenda em Buritis (MG), que perteceu a FHC e Sergio Motta e depois foi repassada a Jovelino Mineiro, que, em seguida, cedeu cotas do empreendimento a filhos do ex-presidente, como Paulo Henrique Cardoso.
Em setembro de 2000, o portal Consultor Jurídico publicou reportagem informando que a fazenda de FHC chegou a ser escriturada por inacreditáveis 20 dólares. "A fazenda Córrego da Ponte, cenário do confronto entre o presidente da República e o governador de Minas, já custou 20 dólares. Pelo menos é o que consta do Registro Geral de Imóveis de Unaí (MG), onde se informa que o imóvel pertence à Agropecuária Córrego da Ponte Ltda, cujos sócios são Jovelino Carvalho Mineiro Filho, Luciana e Beatriz Cardoso. A fazenda que está sendo protegida pelo Exército, foi comprada por FHC e seu sócio, Sérgio Motta (ex-ministro das comunicações), segundo o cartório, por 2 mil dólares, e, em seguida, foi vendida para uma empresa deles por 20 dólares", dizia o texto.
Mais um detalhe apontado pelo Conjur: "O proprietário anterior a FHC adquiriu as terras, em 1981, por 140 mil dólares."
O caso havia chamado atenção da revista Istoé, mas FHC atribuiu a denúncia a intrigas da oposição. "Diante da curiosa transação, FHC alegou que a fazenda havia sido comprada, na realidade, por 50 mil dólares e que o negócio havia sido registrado em um ‘contrato particular’. Em 1994, os dois sócios afirmaram que o valor atualizado da fazenda era 400 mil dólares. Na época, a revista Isto É publicou reportagem informando que FHC havia driblado a Receita Federal e utilizado receitas não declaradas. Ele negou as acusações, alegando que eram acusações infundadas produzidas pela oposição", dizia a reportagem do Conjur.
A pista de pouso da Camargo
Além da polêmica transação imobiliária, da fazenda vendida a FHC por 20 dólares, o imóvel tinha outra particularidade. Desfrutava de uma pista de pouso particular, da fazenda ao lado, que pertencia à empreiteira Camargo Corrêa.
"O presidente Fernando Henrique Cardoso tem um vizinho no município mineiro de Buritis que todo fazendeiro gostaria de ter. Em vez de avançar a cerca sobre a propriedade alheia, como de hábito no meio rural, a construtora Camargo Corrêa mantém sempre aberta a porteira que separa sua fazenda da gleba presidencial. Quem também mora por ali está acostumado a ver um intenso movimento entre as duas propriedades: pessoas saindo da fazenda Córrego da Ponte, de FHC, entrando na Pontezinha, da Camargo Corrêa, e voltando à Córrego da Ponte. A atração na Pontezinha é uma ampla pista de pouso que costuma receber mais aviões tripulados pela corte do presidente do que jatinhos de uma das maiores empresas do País. 'Nunca vi avião nenhum da Camargo Corrêa pousando ali. Mas da família de Fernando Henrique não pára de descer gente', conta o fazendeiro Celito Kock, vizinho de ambos e atento observador do trânsito aéreo na região. A pista particular tem 1.300 metros de comprimento e 20 metros de largura, asfaltados numa grande área descampada. Um estacionamento com capacidade para 20 pequenas aeronaves completa o aeródromo", diz texto publicado pela revista Istoé, em 1995.
Depois de ter sido invadida por integrantes do MST, a fazenda foi vendida por FHC ao amigo Jovelino Mineiro, que, em seguida, cedeu cotas do imóvel aos próprios filhos de FHC. Ou seja: o dono do imóvel em Paris, que Janio de Freitas atribuiu ao ex-presidente, é também dono da fazenda dos filhos do ex-presidente.