Zenaldo Coutinho, prefeito de Belém, nomeia
irmão, além de parentes de Jatene e de desembargador, para secretarias
municipais. Cunhada do governador nomeada para a CODEM é acusada de improbidade
e está com os bens indisponíveis. Secretária municipal de Planejamento está
indiciada em inquérito no STJ, por suposto envolvimento no Caso Cerpasa.
Zenaldo Coutinho nomeia
irmão como Secretário Municipal (Foto:DOL)
Com apenas 51 anos de idade e dono de
uma bela carreira política (quase três décadas de sucessivos mandatos
parlamentares), o tucano Zenaldo Coutinho Junior tinha tudo para realizar uma
boa administração na Prefeitura de Belém.
Afinal, ao longo dessa carreira, que
começou na Vereança e culminou na Câmara dos Deputados, Zenaldo aprendeu a
dialogar com gregos e troianos, o que é fundamental para amenizar as picuinhas
político-partidárias que já frustraram até a realização de obras estratégicas
para o desenvolvimento da capital paraense.
Além disso, na terra arrasada que é a
Belém de hoje, o tucano nem precisaria ser um grande administrador: bastaria,
apenas, uma gestão correta, mediana, para, quem sabe, ficar na História.
No entanto, os dois primeiros dias de
Zenaldo na Prefeitura de Belém parecem indicar que o que vem por aí é um mar de
escândalos - a principal marca, aliás, da gestão de seu “padrinho” político, o
governador do Pará, Simão Jatene.
De uma só tacada, Zenaldo nomeou o
próprio irmão, o advogado Augusto Cesar Neves Coutinho, para a Secretaria
Municipal de Administração (Semad); a ex-mulher de Jatene, Heliana, para a
Fundação Cultural de Belém (Fumbel); e o advogado Leonardo Maroja, que seria
filho do desembargador João José da Silva Maroja, para a Secretaria de Assuntos
Jurídicos (Semaj).
Não bastasse isso, nomeou para a CODEM,
a Companhia de Desenvolvimento Metropolitano, uma cunhada de Jatene, a
arquiteta Rosa Maria Chaves da Cunha, que está com os bens indisponíveis devido
a fortes suspeitas de improbidade administrativa; e a ex-secretária especial do
governador, Tereza Cativo, indiciada em inquérito no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), por acusações de corrupção, no enroladíssimo Caso Cerpasa.
Imoralidade pública
Em outubro de 2012, o juiz Marco
Antonio Lobo Castelo Branco, da 2ª Vara da Fazenda de Belém, concedeu liminar,
em Ação Civil Pública (ACP) ajuizada pelo Ministério Público, determinando o
bloqueio dos bens de Rosa Cunha, do irmão dela, Philadelpho Machado da Cunha e
Junior e de mais três pessoas: Samarian de Jesus Minas Marinho, Maria da
Conceição Campos Cei e João Farias Guerreiro, ex-presidente da Fundação de
Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (FADESP).
O problema, segundo consta no site do
Tribunal de Justiça do Estado, é a Dispensa de Licitação 06/2006, realizada
pela Secretaria Estadual de Educação (Seduc) em favor da Fadesp.
Na época, 2006, o último ano do
primeiro governo do tucano Simão Jatene, talvez o governador brasileiro que
mais empregou parentes na máquina pública (eram, pelo menos, 22, apenas no
Executivo, sem contar os aboletados no Tribunal de Justiça e nas cortes de
contas), a arquiteta Rosa Cunha, que é irmã da atual mulher de Jatene, Ana
Maria, era secretária de Educação. O irmão delas, Philadelpho, era o secretário
adjunto.
Na ACP, o Ministério Público sustenta
que a dispensa licitatória provocou prejuízos ao erário – daí o pedido de
bloqueio de bens, para assegurar eventual ressarcimento. E daí, também, o
pedido para que todos sejam condenados à perda da função pública e à suspensão
dos direitos políticos.
No despacho de concessão da liminar, o
juiz referiu a existência de “fortes” indícios de irregularidades, “embora,
ainda não haja certeza por parte deste juízo e para isto servirá o processo para
confirmar ou infirmar as denúncias”.
E escreveu, mais adiante: “Dito isto,
tenho que os indícios de locupletação estão presentes em face da análise da
documentação acostada, entre outros pelo eventual direcionamento da dispensa de
licitação”.
O despacho do magistrado pode ser lido
aqui, no site do Tribunal de Justiça do Estado do
Ou, se estiver indisponível (como estava ontem), bem
Caso Cerpasa: inquérito se arrasta há mais de oito anos.
Já a situação de Teresa Luzia Mártires
Coelho Cativo da Rosa, nomeada para a estratégica Secretaria de Planejamento e
Gestão da Prefeitura de Belém, é tão ou mais complicada.
Tereza está indiciada no Inquérito 465,
mais conhecido como o Caso Cerpasa, que se arrasta desde 2004, em idas e vindas
entre o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a Justiça Federal do Pará.
Veja nos quadrinhos abaixo:
No
Inquérito 465, também figura como indiciado, por acusações literais de
corrupção, o governador do Pará, Simão Jatene.
Tudo começou em agosto de 2004, durante
uma operação conjunta da Polícia Federal, INSS, Receita Federal e Ministério
Público, Federal e do Trabalho, nas instalações da Cerpasa, uma cervejaria
paraense, para apurar denúncias de pagamento “por fora” de parte dos salários
dos empregados, além de subfaturamento de produtos, para sonegação de impostos.
Num dos computadores apreendidos, foi
encontrada a ata de uma reunião, na qual teria sido aprovado o perdão de
dívidas fiscais da Cerpasa em troca do pagamento de R$ 16,5 milhões a Jatene e
secretários de Estado, entre os quais Tereza Cativo.
Desses R$ 16,5 milhões, R$ 4 milhões
teriam sido destinados ao caixa dois da campanha eleitoral de Jatene, em 2002.
O restante teria sido pago em prestações.
Além disso, segundo escreveu o
procurador da República Ênio Virgínio Cavalcante Junior, em março de 2005, numa
representação de inconstitucionalidade contra a Lei de Incentivos Fiscais do
Pará, uma análise do INSS nas contas da Cerpasa teria confirmado o repasse
desses R$ 16,5 milhões a Jatene e secretários.
Em valores atualizados pelo IPCA-E, a
suposta propina equivaleria hoje a cerca de R$ 25 milhões.
Já as dívidas fiscais da Cerpasa são
mais difíceis de quantificar: em junho de 1999 elas já corresponderiam a mais
de R$ 47 milhões, segundo o processo de execução fiscal
0017064-97.2001.814.0301, ajuizado pelo Governo contra a empresa.
Mas em um parecer da Secretaria
Estadual da Fazenda (SEFA), datado de 2003, consta que o valor atualizado
desses débitos, em setembro daquele ano, era superior a R$ 83,6 milhões.
Em números corrigidos pelo IPCA-E, essa
montanha de dinheiro chegaria, em setembro de 2012, a mais de R$ 134,7 milhões.
O inquérito 465 foi aberto pelo STJ em
dezembro de 2004, a pedido da Procuradoria Geral da República (PGR).
Mas em junho de 2007, como Jatene
deixara o Governo e já não possuía foro privilegiado, o STJ remeteu o caso à
Justiça Federal do Pará.
O processo permaneceu na Justiça
Federal do Pará entre outubro de 2007 e março de 2011, quando foi remetido de
volta ao STJ, porque Jatene, novamente governador, recuperara o foro
privilegiado.
No STJ, ele foi distribuído
inicialmente ao ministro Massami Uyeda, que se aposentou em novembro de 2012.
Agora, o caso está nas mãos do ministro
Napoleão Nunes Maia Filho, ao qual foi distribuído no último 6 de dezembro.
Ao longo desses oito anos, um dos
indiciados, o ex-dono da Cerpasa, Konrad Seibel, até faleceu.
No entanto, o caso continuar a andar:
em seu último despacho, ainda em novembro, o ministro Massami Uyeda determinou
a requisição de informações solicitadas pela PGR.
Em 2008, em uma decisão polêmica, o
novo responsável pelo Caso Cerpasa, Napoleão Nunes Maia, concedeu liminar para
que o empresário Fernando Sarney tivesse acesso a informações de um inquérito
sigiloso da Polícia Federal. Fernando é filho de José Sarney.
Veja
a movimentação do caso Cerpasa:
E
leia as postagens da Perereca sobre esse escândalo, que é um
dos maiores da história do
Nepotismo:
análise seria caso a caso
Outra nomeação polêmica de Zenaldo é a
do irmão dele, Augusto Cesar, mais conhecido como Guto Coutinho.
Especialista em Direito Eleitoral e
ex-vereador de Belém, Guto ocupou cargos diretivos no PSDB, coordenou campanhas
políticas, incluindo a que elegeu Zenaldo, e teria experiência em gestão.
A nomeação do mano de Zenaldo para a
Semad foi noticiada pela imprensa paraense (que recebe milhões em verbas de
propaganda do Governo do Pará) como algo perfeitamente natural.
Mas, não é assim.
Em primeiro lugar, mesmo que não seja
ilegal, continua a ser imoral a nomeação de parentes diretos para cargos
públicos: trata-se, em primeiro lugar, de um comportamento claramente
patrimonialista – a tortuosa visão que transforma a coisa pública em mera
extensão da Casa Grande.
Em segundo lugar, não parece estar
pacificado no Supremo Tribunal Federal (STF) o entendimento de que toda e
qualquer nomeação de parentes para ministro ou secretário municipal ou estadual
não se enquadra na Súmula 13, do STF, que proibiu o nepotismo na totalidade da
administração pública.
É verdade que o próprio STF abriu um
janelão na Súmula 13, ao criar a pitoresca figura do “agente político”:
ministros e secretários estaduais e municipais seriam cargos políticos, e não
administrativos. Daí a possibilidade de tais cargos serem ocupados por parentes
do mandatário, transformados, assim, em “agentes políticos”, imunes ao
enquadramento por nepotismo.
O primeiro problema é que essa exceção
não existe na Súmula 13, que diz: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou
parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau,
inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica,
investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de
cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na
Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante
designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”
O segundo, é que se há várias decisões
de ministros do STF permitindo o emprego de parentes de prefeitos e
governadores no primeiro escalão, há, também, decisões no sentido de que cada
caso é um caso.
Em novembro de 2011, por exemplo, o
ministro Joaquim Barbosa, hoje presidente do STF, concedeu liminar para o
afastamento do secretário de Educação do município de Queimados, por aparente
descumprimento da Súmula 13, já que o rapaz é irmão do prefeito.
A Reclamação, de número 12478, ajuizada
pelo MP do Rio de Janeiro, ganhou, aliás, parecer favorável da Procuradoria
Geral da República (PGR), em maio do ano passado.
Nela, o MP sustenta que a Súmula 13 não
menciona exceções para “cargos políticos”.
Ao conceder a liminar, Barbosa lembrou
que o Pleno do STF apreciou possíveis exceções à Súmula 13 em pelo menos duas
ocasiões.
Mas em ambas, escreveu Barbosa, ficou
claro que não se estava a criar um precedente, ou jurisprudência, e que as
supostas exceções à Súmula 13 têm de ser analisadas caso a caso.
“Assim, em linha com o afirmado pelo
reclamante, tenho que os acórdãos proferidos por este Supremo Tribunal Federal
no RE 579.951 e na medida cautelar na Rcl 6.650 não podem ser considerados
representativos da jurisprudência desta Corte e tampouco podem ser tomados como
reconhecimento definitivo da exceção à súmula vinculante 13 pretendida pelo
município reclamado”, escreveu Barbosa.
E acrescentou: “Bem vistas as coisas, o
fato é que a redação do verbete não prevê a exceção mencionada e esta, se vier
a ser reconhecida, dependerá da avaliação colegiada da situação concreta
descrita nos autos, não cabendo ao relator antecipar-se em conclusão contrária
ao previsto na redação da súmula, ainda mais quando baseada em julgamento
proferido em medida liminar”.
E arrematou: “Registro, ainda, que a
apreciação indiciária dos fatos relatados, própria do juízo cautelar, leva a
conclusão desfavorável ao reclamado. É que não há, em passagem alguma das
informações prestadas pelo município, qualquer justificativa de natureza
profissional, curricular ou técnica para a nomeação do parente ao cargo de
secretário municipal de educação. Tudo indica, portanto, que a nomeação
impugnada não recaiu sobre reconhecido profissional da área da educação que,
por acaso, era parente do prefeito, mas, pelo contrário, incidiu sobre parente
do prefeito que, por essa exclusiva razão, foi escolhido para integrar o
secretariado municipal”.
Leia aqui a decisão de Barbosa:
Outro ministro, Ricardo Lewandowski,
cujas desavenças com o atual presidente do STF já se tornaram célebres,
concedeu liminar, em setembro de 2012, na Reclamação 14549, para reintegrar a
irmã do prefeito do município de Americana (SP), no cargo de secretária
municipal de Promoção Social, do qual havia sido afastada pela Justiça.
Mas também Lewandowski escreveu, ao
recordar duas decisões em plenário, sobre possíveis exceções à Súmula 13:
“Consigno, contudo, que, no julgamento plenário desses dois arestos já
referidos, ficou ressaltado que aquelas decisões referiam-se aos casos
concretamente analisados e que a investigação das situações de nepotismo, mesmo
na hipótese de cargos políticos, deveria ser realizada caso a caso”.
E acrescentou, mais adiante, lembrando
voto anterior: “Por ocasião do julgamento do leading case que levou à edição da
Súmula 13 estabeleceu-se que o fato de a nomeação ser para um cargo político
nem sempre, pelo menos a meu ver, descaracteriza o nepotismo. É preciso
examinar caso a caso para verificar se houve fraude à lei ou nepotismo cruzado,
que poderia ensejar a anulação do ato”.
Leia aqui a decisão de
Quer dizer: aparentemente, cabe, sim,
uma Reclamação ao STF, pela nomeação de Guto Coutinho para secretário de
Administração de Zenaldo.
Até porque, nas decisões favoráveis a
essas exceções, foram consideradas questões bem específicas, como a
indisponibilidade de um profissional de Saúde mais qualificado para uma
cidadezinha do interior; ou o fato de a irmã do prefeito de Americana, nomeada
para a Secretaria de Promoção Social, ter sido coordenadora da APAE.
Mas, no caso de Guto Coutinho, qual a
experiência profissional tão relevante a qualificá-lo para a Secretaria de
Administração de uma capital problemática, como é o caso de Belém?
Ao longo de quase 30 anos de carreira
política, Zenaldo construiu a imagem de um político capaz e sem envolvimento em
maracutaias – o que é bastante raro, mesmo entre parlamentares que só exerceram
praticamente funções legislativas, como é o caso dele.
E as nomeações do mano Guto e de Rosa
Cunha e Tereza Cativo representam, infelizmente, nódoas que ele bem que poderia
ter poupado a sua biografia.
É, caro leitor: ainda vai rolar muita
água debaixo dessa ponte...
Fonte:Blog da Perereca, 03/01/13