O governador do Maranhão e ex-juiz federal Flávio Dino disse, em entrevista a blogueiros no Barão de Itararé, que o ex-presidente Lula enfrentou uma “acusação móvel” no processo em que foi condenado em segunda instância no TRF-4.
Na acusação original do MPF, Lula teria recebido vantagens indevidas da OAS por conta de três contratos específicos da empreiteira com a Petrobrás.
Na sentença de Moro, Lula passou a solicitar vantagens em 2009, não mais de contratos da Petrobrás, mas genéricas.
No TRF-4, Lula teria comandado um “caixa geral” de propinas para beneficiar o PT — aplicou-se a teoria do “domínio do fato”.
Um resumo da fala de Dino na abertura do evento (vídeo):
Se havia alguma dúvida acerca da existência de uma articulação política nos casos atinentes ao presidente Lula, isso se tornou mais claro a partir do momento em que três desembargadores não só confirmaram, como agravaram a condenação imposta e o fizeram numa espécie de pacto corporativo, um pacto sustentado por um certo ethos institucional autônomo, mas também sustentado pela dita opinião publica, ou pelo poder que os grupos de mídia institucional tem de impor uma agenda, que foi nesse caso cumprida por intermédio desses processos judiciais.
No caso do TRF-4 com ingredientes novos, que nem o juiz Sérgio Moro havia tido a ousadia de fazer: me refiro, por exemplo, ao tamanho da pena.
Algumas milhares de páginas do Direito brasileiro foram rasgadas naquele julgamento do TRF-4.
Em primeiro lugar, no crime de corrupção passiva, porque nós sabemos que é um crime próprio cometido por funcionário publico.
Ou seja, todos os atos que foram apontados como atinentes a reformas, móveis, etc. se deram quando Lula já não era mais presidente. Ou seja, era impossível dizer que havia corrupção passiva.
Para isso foi preciso fazer retroceder a consumação dos crimes para antes de 2010.
Como se tornou incontroverso nos autos que não houve recebimento, se mudou o núcleo do tipo penal do recebimento para solicitação.
Então o crime passou a ser solicitar. Não se prova onde, quando, como. E não se prova para evitar o debate sobre prescrição.
A técnica — é daí eu digo que são ingredientes novos — usada pelo juiz Moro foi dizer que eram atos de ofício indeterminados.
O TRF-4 criou outros exoterismos jurídicos.
Criou o exoterismo do crime de corrupção complexo, ou seja, ninguém sabe a data em que ele foi cometido.
E aumentou a pena porque, se fosse a pena do juiz Sérgio Moro, no futuro iria dar prescrição, porque o Lula tem mais de 70 anos. A prescrição corre pela metade.
Corrupção passiva, a pena original do Moro era de seis anos, prescreveria em doze, mas como Lula tem mais de 70 anos, prescreve em 6.
A suposta solicitação [de vantagens] foi em 2009, a denúncia foi recebida só em 2016, daria a chamada prescrição retroativa.
Entre o suposto fato e o recebimento da denúncia seriam 7 anos e a prescrição seria em 6.
Qual foi a saída? Por isso fica nítido o ajuste… foi formar um consenso inusitado de aumentar a pena. Se essa pena não nos serve, mudemos a pena.
O crime de corrupção passiva tem pena mínima de 2, pena máxima de 12. Eles puseram 8 anos para um réu primário e de bons antecedentes.
Isso jamais aconteceu no Direito brasileiro. Porque o artigo 59 do Código Penal, que fixa as regras com as quais você impõe a pena, tem requisitos.
Para um juiz se afastar da pena mínima, é preciso que ele fundamente em fatos objetivos, e um destes fatos jamais pode ser de que eu vou me afastar para evitar prescrição.
Tanto que isso não é dito, mas foi isso que aconteceu, eles saíram da pena mínima, quase chegando à pena máxima, para afastar prescrição, no delito de corrupção passiva.
No caso de lavagem de dinheiro o esoterismo é maior ainda, porque a OAS é laranja dela mesma.
Um caso inusitado em que o detentor do bem continua sendo o mesmo. É realmente surrealista.
Talvez essa força bruta [aplicada] seja resultado da fraqueza da decisão [de Moro].
As pessoas estão vendo. Na comunidade dos intérpretes da Lei reina hoje uma maioria avassaladora de que o julgamento foi atípico.
Outros consideram que quem estava em julgamento não era Lula, era o Sérgio Moro, essa inversão corporativa que lastreou boa parte do julgamento [seria resultado disso].
Tirando essas pessoas, todos sabem que não havia suporte sequer para a competência da Vara de Curitiba, o apartamento fica no Guarujá, não havia correlação atinente com nenhum ato da Petrobrás.
Nao havia suporte para lavagem, inventaram um crime novo para a corrupção passiva.
Temos um retrocesso de 300, 400 anos no Direito Penal. É um processo de feição inquisitorial.
Primeiro Lula é culpado e depois buscam as provas. E ele é culpado de algo que não se sabe bem o que é. A denúncia é móvel.
A denúncia fala em três contratos que originaram uma propina… a condenação no TRF-4 já é totalmente diferente disso. Moro disse que não tem dinheiro da Petrobrás e o TRF-4 diz que foi [Lula, o chefe de] um caixa geral de propinas, outra acusação.
É um direito penal fundado na pessoa do acusado, que é culpado. Paradoxalmente, é pré-capitalista, anterior às instituições liberais.