Embora principal beneficiário objetivo da morte de Adriano, Flávio acusa o governo da Bahia... E, pela primeira vez, vemos alguém da família referir-se à tortura de modo negativo... Parece que pegaria mal na Zona Oeste do Rio não defender um "parça"... Imagem: Reprodução do Twitter
O governo da Bahia protagoniza um desastre de relações públicas — ou de relações com o público — no caso da operação que resultou na morte do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, ligado a Flávio Bolsonaro. O estrago é de tal monta que deu ao presidente e a seu filho senador a oportunidade de sair por aí a acusar queima de arquivo. Ocorre que os principais interessados num eventual arquivo queimado são os próprios Bolsonaros... É um espanto!
Nesta quarta, o presidente afirmou ter tomado as devidas providências legais para que seja feita uma "perícia independente" no corpo do miliciano. É mesmo? Com que autoridade? Flávio — que queria tudo, menos que Adriano fosse preso com vida e pudesse virar, por exemplo, um delator — recorreu às redes sociais para, a exemplo do presidente, acusar uma execução.
Como o senso de limite não é exatamente o que move a família, o parlamentar postou um vídeo com aquele que seria o suposto cadáver de Adriano
Adriano, que exibiria o que ele chamou de marcas de tortura. O corpo é filmado de lado, e não é possível afirmar se ali está mesmo o cadáver do amigão dos Bolsonaros. Nota: se estiver, quem passou as imagens a Flávio? Existe gente sua infiltrada na área de segurança do Estado da Bahia?
Nesta quarta, às portas do Alvorada, o presidente indagou a quem interessaria a morte de Adriano... Embora o miliciano fosse do círculo de relações de Flávio — que empregou em seu gabinete a mãe e a mulher do ex-policial —, Bolsonaro mandou bala: sugeriu que o beneficiário com o fim de um dos chefões da milícia é o PT. Por quais caminhos? Ele não disse. Nem teria como.
Ainda mais espetacular: o advogado do presidente e do senador também veio a público. E com uma reivindicação nada sutil: a federalização do caso. Transcrevo trecho do "Painel", da Folha:
O advogado de Jair Bolsonaro e Flávio Bolsonaro, Frederick Wassef, defende que a investigação sobre a morte do ex-PM Adriano da Nóbrega seja federalizada e que o Ministério da Justiça seja acionado. Ele afirma que o ex-capitão do Bope era um cidadão inocente e que o caso é "muitíssimo mais grave" do que o de Ágatha Félix, de 8 anos, morta por um tiro de um PM no Complexo do Alemão no ano passado, assunto sobre o qual o presidente não se manifestou até hoje e que gerou comoção no país.
Está espantado, leitor? Wassef falou mais. Definiu Adriano como "um cidadão inocente que foi brutalmente torturado e posteriormente assassinado, com a conivência de, certamente, altas autoridades". E ainda sobrou tempo para alguma poesia:
"A vida humana é preciosa, e ninguém vale mais do que ninguém. Mas o que estou dizendo é que é absolutamente impossível e incomparável uma cena de perseguição policial em favela carioca e troca de tiro com uma situação de uma diligência com autorização e participação do governo da Bahia".
Eis aí. Até o advogado de pai e filho vira seu dedo acusatório para o governo baiano, que foi engolfado pela falta de explicações razoáveis para o desastre da operação. Observem que a fala dessa turma, a uma só tempo, busca três efeitos:
a: fingir que a morte de Adriano não atende a seus interesses objetivos;
b: demonstrar solidariedade com a, digamos, "categoria" dos milicianos. Afinal, são todos da mesma "famiglia";
c: fazer proselitismo político contra a gestão petista.
FEDERALIZAÇÃO?
Que coisa, né? Federalizar agora? Moro nem sequer havia incluído Adriano na lista dos bandidos mais procurados do país. E, no que concerne ao governo federal, não era mesmo. Tudo o que se pretendia por ali era que Adriano jamais fosse encontrado -- razão por que não seria... procurado!
O glorioso ministro da Justiça, ao deixar Adriano fora da lista, estava a anunciar que as milícias não chegam a ser um caso que preocupa a sua pasta. Eis a verdade inequívoca. Agora, o próprio Bolsonaro defende a federalização. Estaria querendo uma investigação, digamos, mais segura?
MINISTÉRIO PÚBLICO DA BAHIA
A pedido do Ministério Público da Bahia e de familiares de Adriano, o juiz Augusto Yuzo Jouti determinou que o corpo do miliciano seja submetido a uma nova perícia, a ser realizada pelo Instituto Médico Legal do Rio de Janeiro, não podendo ser cremado até a realização do exame. Trata-se de uma decisão prudente e necessária. Jamais um cadáver procriou tanto!
Enquanto isso, parece, o governo da Bahia segue perdido. Em vídeo que circula na Internet, Maurício Barbosa, secretário de Segurança, e Mário Câmara, diretor do IML, asseguram a correção da perícia feita, mas não conseguem, por exemplo, negar que seja de Adriano o corpo exibido, de modo indecoroso e imoral, por Flávio. Diz, por exemplo, Câmara:
"Hoje nós fomos surpreendidos por essas imagens que estão circulando na Internet. Nós não temos como analisar um vídeo que não foi autenticado pela perícia.
Não sabemos se foi adulterado, onde foi feito, não sabemos nem se aquele corpo é realmente do senhor Adriano. Então não faremos comentários sobre o vídeo (...)".
Não seria uma tarefa complexa demais comparar a imagem apresentada com a do corpo, que não foi cremado e será submetido a nova perícia.
Na guerra de informação, os Bolsonaros estão dando um banho. De empulhação, inclusive! É impressionante que os principais beneficiários objetivos da morte do miliciano — o presidente e sua família de políticos — apontem o dedo contra o governo baiano, que, por óbvio, nada teriam a ganhar.
Para sair da sinuca, o governo da Bahia teria de reconhecer o óbvio: dadas as circunstâncias, Adriano deveria ter sido capturado vivo. Houve, portanto, quando menos, um erro. E a operação deveria ser submetida a uma profunda investigação. Tendo a achar que isso não será feito porque governos não gostam de comprar uma encrenca desse tamanho com a sua área de segurança.
A gestão de Rui Costa está sendo vítima, na melhor das hipóteses, de uma ação desastrada. Mas isso permite que Bolsonaro a coloque na sua mira — e, claro, ao PT —, ao mesmo tempo em que ele, filho e advogado dão as condolências à família. Qual família? A de Adriano? Não! À enorme "famiglia" dos milicianos.
Imaginem! Bolsonaro até se referiu com viés negativo à tortura! Afinal, "capitão Adriano", como ele chama, não era um esquerdista... Assim, não é o caso de evocar o espírito de seu autor de cabeceira: Carlos Brilhante Ustra.
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