Blog do Mário Magalhães, 13/07/2017 10:54
A leitura das 92.742 palavras da sentença assinada ontem pelo juiz federal Sérgio Fernando Moro permite supor que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha mesmo cometido os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelos quais foi condenado a nove anos e seis meses de reclusão.
A decisão permite igualmente supor que Lula seja inocente no processo, relativo ao triplex no Guarujá. O conjunto indiciário não parece oferecer provas acima de qualquer dúvida razoável de que o ex-presidente seja ou tenha sido o dono do imóvel cuja propriedade seria ocultada e dissimulada por ele. Não é evidente que tenha pedido, recebido ou aceito promessa de vantagem indevida em virtude da função pública que exerceu.
Os indícios e provas colhidos na investigação expõem a inequívoca promiscuidade entre Lula e o empreiteiro José Adelmário Pinheiro Filho, vulgo Léo Pinheiro, sócio da OAS. ''O Léo'', como Lula se referiu ao empresário, com intimidade, no interrogatório em Curitiba.
A relação promíscua é certa e provada, mas não o cometimento de crimes decorrentes ou na origem dela. Ao menos na ação sobre o triplex _há outras quatro em andamento, com Lula na condição de réu. É a impressão que fica ao percorrer os 581.882 caracteres da sentença (incluindo espaços).
Existem provas acima de qualquer dúvida razoável de que no governo Lula a corrupção vigorou na Petrobras, assim como nas administrações da sua sucessora, Dilma Rousseff, e do seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. E de que o Partido dos Trabalhadores manteve e eventualmente ampliou esquemas criminosos de financiamento de campanha e roubalheiras aparentadas (talvez nunca se saiba se a corrupção se ampliou ou se o que aumentou foi o controle sobre a rapina do patrimônio público). O PT igualou-se a PMDB, PSDB e companhia. Lambuzou-se, no eufemismo consagrado do petista Jacques Wagner.
Daí a provar cabalmente que o triplex do Condomínio Solaris é ou era de Lula, ou lhe foi prometido como propina, há distância.
A sentença judicial reforça a semelhança do caso do ''triplex do Lula'' com o do ''apartamento do JK''. Como contado aqui no blog no ano passado, o ex-presidente Juscelino Kubitschek foi investigado pela ditadura como alegado proprietário oculto de um apartamento na avenida Vieira Souto, debruçado sobre a praia de Ipanema. Ele morava lá. Sua mulher, Sarah, mudou o projeto do imóvel, provocou demissão de um mestre de obras. Mais tarde confirmou-se que o dono do apartamento era um empresário amigo de Juscelino.
Pode ser que eu esteja errado. Mas o caso do triplex do século 21 continua lembrando o episódio do apartamento dos anos 1960.
Abaixo, reproduzo o post de março de 2016 com pormenores sobre o ''apartamento do JK''.
Tudo é história.
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Tratado como ladrão, JK foi acusado de ser dono de imóvel em nome de amigo
Depois de deixar a Presidência, Juscelino Kubitschek (1902-1976) foi morar num apartamento novinho em folha na avenida Vieira Souto, Ipanema, o metro quadrado mais caro do país.
A empreiteira que ergueu o prédio havia tocado na região Sul uma obra concedida pela administração JK (1956-1961).
O projeto arquitetônico do prédio foi desenhado por Oscar Niemeyer, que nada cobrou pelo serviço.
Mais de uma vez o ex-presidente visitou as obras do apê que viria a ocupar.
Idem sua mulher, dona Sarah, que pediu numerosas alterações no projeto original.
Um mestre de obras foi afastado, devido a reclamações da antiga primeira-dama.
O imóvel era espaçoso. Jornais publicariam que tinha 1.400 metros quadrados, o que parece exagero. Mas nele JK chegou a discursar para centenas de pessoas.
Juscelino pagava um aluguel irrisório ou morava de graça _as versões variam.
O apartamento em frente ao mar estava em nome de uma empresa controlada pelo banqueiro Sebastião Pais de Almeida.
Multimilionário, o empresário era amigo de JK, em cujo governo havia sido ministro da Fazenda.
Em junho de 1964, a ditadura recém-instalada cassou o mandato de senador de Juscelino e suspendeu seus direitos políticos por dez anos.
O ex-presidente teve a vida devassada, investigado em inquéritos policiais militares.
As autoridades o acusaram de um sem-número de falcatruas, como se fosse um ladrão voraz.
A acusação de maior apelo entre os opositores do ex-governante era a de que, na verdade, o apartamento da Vieira Souto era de Juscelino.
Sem renda para justificar tamanha ostentação, o ex-presidente ''corrupto'' teria preferido ocultar o patrimônio.
Portanto, Sebastião Pais de Almeida seria um laranja. Atípico, tal a sua fortuna, mas laranja.
Certa imprensa fez um Carnaval, chancelando as acusações da ditadura, como se vê em títulos de jornal reproduzidos neste post.
Na Justiça comum, nem julgamento houve.
O procurador considerou não haver provas de que Juscelino fosse o dono do apartamento.
E enumerou provas de que o imóvel pertencia mesmo a Sebastião Pais de Almeida, que o emprestara ao amigo JK.
O juiz mandou arquivar o processo.
Dei com as notícias _onze, abaixo e acima_ na apuração do meu próximo livro, uma biografia de Carlos Lacerda (1914-1977), cujo triplex na praia do Flamengo foi alvo dos seus adversários.
Os recortes integram o acervo do velho SNI, Serviço Nacional de Informações, criado justamente em junho de 1964. Estão no Arquivo Nacional.
É certo que outras publicações jornalísticas trataram do apartamento onde a família Kubitschek vivia.
Mas eu reproduzo o que tenho à mão, a papelada sobre Juscelino selecionada pelos arapongas.
O nome do jornal que veiculou cada texto é identificado pelos burocratas da ditadura na folha de papel onde os recortes foram colados.
Há um caso em que não se informa qual é o jornal.
E outro em que o título foi manuscrito.
Hoje, Juscelino Kubitschek é considerado grande brasileiro.
Dona Sarah dá nome a uma rede de hospitais de reabilitação.
Lula
A história do apartamento que não era de JK significa que o triplex do Guarujá não pertence ao ex-presidente Lula?
Não necessariamente.
Desconheço minúcias do inquérito e do processo sobre o petista.
Isso é com a polícia, o Ministério Público e a Justiça.
Sei é que, sem prova, pode se supor muita coisa.
Mas condenar por suposição não é fazer justiça.
Promiscuidade
Tanto no caso de JK quanto no de Lula há indícios de promiscuidade entre agentes públicos e privados.
Tal promiscuidade é condenável e faz mal ao Brasil.
Se é sempre crime ou não, são outros quinhentos.