"Jair Bolsonaro, mesmo sem querer, acabou contribuindo para a união das esquerdas que estavam meio dispersas desde a última eleição. Até Ciro e Lula fizeram as pazes", escreve o jornalista Ribamar Fonseca sobre a disputa do segundo turno nas eleições municipais
Brasil 247, 17/11/2020, 18:38 h Atualizado em 17/11/2020, 19:16
(Foto: ABr)
O presidente Jair Bolsonaro foi o grande derrotado nas eleições municipais de domingo, um sinal de que em 2022 os seus sonhos de reeleição tendem a ser frustrados. Na verdade, o panorama politico hoje no Brasil é completamente diferente do que existia em 2018, quando a parceria Globo-Lava-Jato criou as condições ideais para a eleição do capitão, criminalizando a classe política e afastando Lula da sucessão presidencial. Incutiu-se na cabeça de parte da população que os políticos eram ladrões e Bolsonaro, de origem militar, surgiu como “salvador da pátria”, credenciado portanto para combater a corrupção que, segundo Moro e a Globo, grassava no país. E o medíocre deputado do Rio de Janeiro, há mais de 20 anos na Câmara Federal quase no anonimato, como num passe de mágica deu um salto do Congresso para a Presidência da República.
Filho do casamento da Globo com Moro, Bolsonaro tornou-se um fenômeno eleitoral, arrastando junto para o poder nomes desconhecidos cuja principal credencial era não ser político, o que, na visão distorcida do eleitorado influenciado pela mídia tradicional, era um sinal positivo. E observou-se uma verdadeira corrida de delegados e militares das mais diversas patentes para a política, conquistando mandatos sobretudo no Legislativo. Alguns provavelmente conseguirão reeleger-se, mas a grande maioria será político de um mandato só porque não terão, em 2022, as mesmas condições criadas pela Globo e Lava-Jato. E o grande puxador de votos de 2018, Jair Bolsonaro, provavelmente não conseguirá eleger nem inspetor de quarteirão porque decepcionou grande parte dos seus eleitores, inclusive militares que até pouco tempo eram seu principal sustentáculo.
Em apenas dois anos de mandato o capitão, com seu comportamento de brucutu, foi perdendo aliados e seguidores, tendo os institutos de pesquisas registrado altos índices de rejeição. O bolsonarismo foi deixando de ser um catalizador de apoios e votos e, por isso, não garantiu a eleição, no pleito de domingo, de muitos candidatos a prefeito e vereador que imaginaram atrair votos com o rótulo do capitão, o que aconteceu em 2018. Nada menos de 78 candidatos inclusive adotaram o nome “Bolsonaro”, convencidos de que isso era suficiente para a conquista do mandato, mas descobriram que o efeito produzido foi contrário ao que esperavam: apenas um foi eleito, mais precisamente o próprio filho do Presidente, Carlos, vereador. Conclusão: ser Bolsonaro, hoje, não vale mais a pena.
Bolsonaro, na verdade, comete os mesmos erros do seu ídolo Donald Trump, de quem só não copiou o topete amarelo, e deverá ter o mesmo melancólico fim político. Até o pretexto de fraude eleitoral o capitão já começa a invocar para justificar sua derrota nas próximas eleições presidenciais, imitando o presidente norte-americano, que está criando um problemão para o seu país, considerado modelo de democracia, ao se recusar a reconhecer a derrota e dificultar a transição para o presidente eleito Joe Biden. Ainda não se sabe como os americanos vão resolver o problema, mas a democracia ficará arranhada mesmo após a saída de Trump que, ao que tudo indica, não será pacífica. E poderá provocar graves conflitos nas ruas por parte dos trumpistas, que são tão radicais quanto os bolsonaristas. Enquanto isso, o mundo espera o desfecho da novela das apurações americanas para respirar aliviado, após quatro anos de tensão do governo Trump.
As eleições municipais de domingo também alteraram o equilíbrio das forças políticas, com o crescimento do DEM e do PSOL. Este último se tornará mais forte ainda se Guilherme Boulos for eleito prefeito de São Paulo, credenciando-se para vôos mais altos no futuro. O PT e o PCdoB já declararam oficialmente apoio a ele no segundo turno e tudo indica que a esquerda marchará unida em torno do seu nome, ampliando as suas chances de vitória. Como o atual prefeito Bruno Covas é afilhado político do governador João Dória, adversário político de Bolsonaro, não está descartada a possibilidade dos bolsonaristas despejarem seus votos em Boulos, a não ser que o capitão faça as pazes com o governador paulista, já que em politica não existe a palavra “impossível”. De qualquer modo, o panorama se mostra mais favorável para o candidato do PSOL.
O segundo turno vai provocar a união das esquerdas em todo o país, com a eleição dos candidatos progressistas nas principais capitais. Além de Boulos em São Paulo, os partidos de esquerda deverão se unir em torno das candidaturas de Manuela D´Ávila em Porto Alegre, Sarto em Fortaleza, Coser em Vitória e Marilia em Recife. Constata-se, desse modo, que Bolsonaro, mesmo sem querer, acabou contribuindo para a união das esquerdas que estavam meio dispersas desde a última eleição. Até Ciro e Lula fizeram as pazes. Isso significa que no pleito de 2018 as esquerdas poderão estar unidas na definição do nome do candidato que concorrerá à sucessão de Bolsonaro. A Globo, que está empenhada em ressuscitar Moro casando-o com Luciano Huck para o próximo pleito presidencial, já não tem a mesma força de antes e dificilmente conseguirá emplacar essa chapa.
Moro, na verdade, é um morto-vivo que busca desesperadamente oxigênio para sobreviver politicamente, mas as revelações sobre a sua parceria com os Estados Unidos para ferrar Lula e privatizar a Petrobrás, entregando o pre-sal para os americanos, vai sepultar de uma vez os seus sonhos presidenciais. Talvez até precise se mudar para os Estados Unidos, onde seus velhos parceiros poderão empregá-lo, pois será muito difícil permanecer no Brasil, onde será visto como traidor da Pátria. Aliás, nesse ponto, Bolsonaro deve ser cumprimentado: ele acabou com o poder de Moro, que se tornara o homem mais poderoso do país até ser levado para o Ministério da Justiça e ser descartado como imprestável. No momento ele só tem a Globo como bóia de salvação, mas a própria emissora dos Marinho está se debatendo para não ser afogada pelo capitão. A situação dele, portanto, é complicada. Como diz a Biblia: “A semeadura é livre mas a colheita é obrigatória”.