terça-feira, 17 de abril de 2018

Em conluio com governo e parlamentares, planos privados de saúde querem garfar mais o SUS

Usuários pagarão 2 vezes

Viomundo, 14/04//2018 às 20h18
Esperidião Amin (PP-SC). Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

por Luís Carlos Bolzan*, especial para o Viomundo

O SUS na marca do pênalti.

Em evento realizado na última terça feira, 10/04, em Brasília, intitulado “1º Fórum Brasil – Agenda Saúde: a ousadia de propor um Novo Sistema de Saúde”, a turma do golpe avançou mais um passo no descaramento contra direitos constitucionais.

De mãos dadas, Ministério da Saúde, Federação Brasileira dos Planos de Saúde e ilustres deputados e senadores celebraram o lançamento de ideia antipopular.

O evento, de nome pomposo, passou logo para o desavergonhamento, ao defender proposta de que o SUS repasse recursos para operadoras de planos de saúde para que façam assistência de alta complexidade.

Geralmente serviços médicos/odontológicos que implicam maior risco à segurança e vida dos pacientes, realizados muitas vezes em hospitais, ou mesmo em clínicas, como, por exemplo, a hemodiálise.

O ex-ministro da Saúde, Alceni Guerra, ligado ao DEM, não se conteve em buscar morte lenta do SUS pela asfixia financeira.

Ele também escarneceu da inteligência popular ao defender a criação de um conselho nacional de saúde suplementar, com indisfarçável papel de debilitar o atual Conselho Nacional de Saúde (CNS) e fragilizar o controle da população sobre a prestação de serviços ao povo com dinheiro público.

Pela boca de outro participante, o deputado federal Esperidião Amin (PP/SC), ficaram evidentes os objetivos e as motivações.

Na maior caradura, Espiridião Amin disse que “o SUS é um projeto comunista cristão”. Portanto, não pode ser tolerado, afinal a solidariedade cristã e comunista não faz bem à direita capitalista egoísta.

Vamos aos fatos.

Desde outubro de 2014, quando Dilma Rousseff saiu vitoriosa do segundo turno da eleição presidencial, a direita urdia o plano de retomada do poder político para impor a proposta perdedora e rejeitada pelos eleitores brasileiros nas urnas.

Em 31 de agosto de 2016, conseguiu. Num golpe regado à compra de votos e encabeçado por horda de corruptos na forma de impeachment, a direita derrubou Dilma e tomou de assalto o Palácio do Planalto.

Em dezembro de 2016, governo golpista de Michel Temer (MDB) aprovou a emenda constitucional 95, a EC do “teto de gastos”.

Com a “emenda da morte”, como é chamada a EC 95, o governo congela recursos orçamentários de despesas primárias por 20 anos.

Em consequência, paralisará orçamentos de políticas públicas, como o SUS e educação, por “singelos” 20 anos.

Por que congelar recursos de despesas primárias?

Porque basicamente são recursos de custeio, ou seja, transformam-se principalmente em pagamento de salários de trabalhadores da ativa ou mesmo inativos, além de materiais de consumo.

Assim, são muito diferentes em sua aplicabilidade dos recursos de investimento, também conhecidos por recursos de “capital”, que são exclusivamente usados para compra de bens duráveis, perenes, e para construções.

O orçamento nacional do SUS (soma dos orçamentos federal, estaduais e municipais e distrito federal) é basicamente custeio, ou seja, a maior parte destina-se ao pagamento de pessoal.

Os recursos vão direto das contas públicas para as contas privadas de assalariados que trabalham na saúde pública brasileira.

Dinheiro que, portanto, não pode ser alcançado pelo capital.

Dos cerca de R$120 bilhões do orçamento do Ministério da Saúde, grande parte é custeio.

E isso desespera os rentistas, pois é dinheiro inalcançável para eles na formatação atual.

O mesmo acontece com os recursos da educação, previdência, assistência social, etc.

Mas o SUS também é formado pelas secretarias estaduais e municipais de saúde, além do Distrito Federal.

Vale lembrar que essas esferas de gestão do SUS também usam seus recursos orçamentários para ações de alta complexidade.

A proposta indecente dos planos privados também garfará recursos de estados, municípios e Distrito Federal para alta complexidade?

Ações de alta complexidade sempre tiveram fatia generosa, majoritária, do orçamento nacional do SUS. Uma bolada multibilionária.

Assim, primeiro, o governo golpista congela gastos por 20 anos, assegurando que a “sangria do custeio” não aumente.

Pelo contrário, diminua, dando garantias à banca especuladora de capital improdutivo que poderá pagar mais juros pelos títulos da dívida pública, dinheiro que não gera emprego e não paga impostos.

Aliás, leitor, você conhece algum assalariado que tenha título da dívida pública brasileira?

Certamente, não. Mas pode imaginar que um grupo “seleto” e restrito de pessoas tem estes títulos.

É para proteger os interesses deste grupo “seleto” que o governo golpista age ao congelar por duas décadas recursos da saúde, educação, etc.

Não bastasse isso, o governo golpista apresenta outra proposta indecente: “planos populares”, sem a devida prestação de serviços.

Como funcionariam os tais planos, também conhecidos como “planos vagabundos”, “planos para pobres”, planos “para enganar trouxas”?

Simples. Manteria clientes de planos de saúde, pagando suas mensalidades e asseguraria que o SUS bancasse o filé mignon dos serviços de saúde, ou seja, os serviços de alta complexidade.

Grande sacada do mercado incompetente para garantir a sobrevivência das operadoras e seus planos de saúde, em meio à crise econômica e ao aumento de desemprego, que têm reduzido drasticamente os usuários.

Por essa proposta indecente, os cidadãos pagariam aos planos de saúde duas vezes pelos mesmos serviços.

Uma, de forma direta, ao pagar mensalidades. Aoutra de forma indireta, ao pagar impostos que se destinam ao SUS.

Ou o mercado não é um grande bezerro vadio que diariamente mama deitado nas tetas da mãe vaca sem nunca se saciar?

Voltemos ao orçamento do SUS.

Ele é basicamente custeio e foi congelado por 20 anos, lembra-se?

Assim, como num passe de mágica, o orçamento de custeio congelado para assegurar mais recursos para pagamento de despesas com juros de títulos da dívida pública, agora ficará também mais “à feição” do capital.

Como?

Através de seus representantes na saúde, em especial das operadoras de planos privados para que SUS lhes dê soma bilionária de ações de alta complexidade.

É só isso?

Não. Se mais essa imoralidade for implantada pelo governo golpista, será o fim da universalidade no SUS.

O que é universalidade?

É o tal projeto “comunista cristão” desprezado por Esperidião Amin e capitalistas egoístas. É o direito de qualquer pessoa — eu e você, por exemplo — ser assistida em suas necessidades de saúde sem ter que pagar no ato pelo atendimento.

Ou seja, é a gratuidade.

E se acabar a universalidade, o que acontece?

Você terá de pagar um plano de saúde para ser atendido na alta complexidade. Do contrário, vai morrer.

Assim, se você ou familiar precisar de um transplante de pulmão, coração, fígado ou rim, por exemplo, você terá que pagar.

Como os transplantes de órgãos são procedimentos muito caros, talvez a venda da sua casa seja insuficiente para bancar as despesas.

Por isso os neoliberais odeiam a universalidade. Afinal, ela é a solidariedade “comunista cristã” contra o egoísmo capitalista, onde você paga ou morre.

Não por acaso neoliberalismo e fascismo são duas faces da mesma moeda. Seus adeptos odeiam o princípio da universalidade, que consideram a expressão máxima do comunismo, marxismo, da “ameaça vermelha” .

Além disso tudo, são também contra os direitos humanos. Por isso, atacam os direitos marcados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, nascida em 1948, após a Segunda Mundial e a barbárie nazista.

E o que é o SUS se não os direitos humanos aplicados à saúde, onde a saúde é um direito e não mercadoria?

Não é à toa que o grande expoente do ressurgimento fascista neoliberal seja o economista Von Mises, que se dizia liberal e abraçou o fascismo sem esforço algum.

Até o momento em que escrevo este texto, poucas entidades se manifestaram publicamente sobre a barbárie neoliberal fascista contra o SUS.

Entre elas, Centro Brasileiro de Estudos em Saúde/Pernambuco (Cebes-PE) e os conselhos dos secretários municipais de Saúde do Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro (Cosems/RS e Cosems/RJ).

Guardam escandaloso silêncio o Conselho Nacional de Secretarias de Saúde (Conass), que representa secretarias estaduais de saúde, e o Conselho Nacional de Secretaria Municipais de Saúde (Conasems).

Essas duas entidades são as mesmas que, em 2017, traíram reforma psiquiátrica brasileira. Ambas pactuaram com o Ministério da Saúde a inserção dos manicômios, precursores dos campos de concentração nazistas, na rede de atenção psicossocial do SUS.

A luta de resistência é uma necessidade e imposição. É uma luta de vida ou morte. Da civilização contra a barbárie.

Para essa luta os conselhos de saúde e entidades ligadas à saúde pública e coletiva têm papel central, junto com estudantes, trabalhadores, aposentados e usuários em geral.

Organizar movimento, denunciar, resistir e lutar.

Conformar-se significa aceitar que todos aqueles que não podem pagar por um plano de saúde — são mais de 150 milhões de brasileiros — sejam deixados à própria sorte, abandonados, isolados, excluídos para sofrerem até a morte.

Um plano nazista, num contexto de direito nazista, onde doentes, pobres e “inferiores” não têm vez.

A luta pelo SUS é a luta pelos direitos humanos na saúde, odiados pela turba fascista.

Cabe aos humanos a luta pela vida e dignidade humanas e a negação do ódio, intolerância e egoísmo desumanos de quem ama a violência e o dinheiro acima de tudo e de todos.

Luís Carlos Bolzan – psicólogo, especialista em psicologia da saúde e mestre em gestão pública com ênfase em saúde pela FIOCRUZ. Foi diretor do Departamento Nacional de Auditoria do SUS – DENASUS/MS, e do Departamento de Ouvidoria Geral do SUS – DOGES/MS.

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