terça-feira, 29 de novembro de 2016

O que Marcelo Calero disse à Polícia Federal?

Íntegra do depoimento de Marcelo Calero à Polícia Federal é divulgada. Confira o que disse o ex-ministro da Cultura
O ex-ministro da Cultura Marcelo Calero

O ex-ministro da Cultura Marcelo Calero afirmou em depoimento à Polícia Federal que gravou conversa que teve com Michel Temer no Palácio do Planalto na semana passada na qual ele afirma que o presidente da República interveio em favor dos interesses do agora ex-ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, para liberar uma obra em Salvador.

Em depoimento à Polícia Federal (PF) prestado na última quarta (23), Calero disse que foi “enquadrado” pelo presidente para que encontrasse uma “saída” para que fosse autorizada a continuidade da construção do condomínio La Vue, na capital baiana, no qual Geddel comprou um apartamento.

Nesta sexta (25), Geddel Vieira Lima enviou, por e-mail, uma carta de demissão ao presidente Michel Temer. Segundo a assessoria do Palácio do Planalto, Temer aceitou o pedido de Geddel, que era responsável pela articulação política do governo federal com o Congresso Nacional.


Leia a íntegra do depoimento de Marcelo Calero à Polícia Federal:

TERMO DE DEPOIMENTO
que presta MARCELO CALERO FARIA GARCIA:

Aos dezenove dias do mês de novembro de 2016, nesta cidade do Rio de Janeiro/RJ, onde presente se encontrava JOSÉLIO AZEVEDO DE SOUSA, Delegado de Polícia Federal, Classe Especial, Matrícula n.º 9.518, lotado(a) e em exercício na Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado – DICOR, compareceu o Ministro da Cultura MARCELO CALERO FARIA GARCIA, nascido em 07/07/1982, na cidade do Rio de Janeiro/RJ, Advertido e compromissado na forma da lei, presta o compromisso de falar a verdade sobre tudo o que lhe for perguntado. Inquirido(a) a respeito dos fatos pela Autoridade Policial, RESPONDEU: QUE é diplomata de carreira, tendo ingressado no Itamaraty no ano de 2007; QUE o depoente é filiado ao PMDB há um ano; QUE foi Secretário Municipal de Cultura na cidade do Rio de Janeiro no período de maio de 2015 a maio de 2016; QUE no ano de 2016 assumiu o cargo de Ministro de Estado da Cultura; QUE assumiu o Ministério da Cultura a convite do Presidente da República, MICHEL TEMER; QUE no dia de ontem, 18, o depoente pediu exoneração do cargo de Ministro da Cultura pelas razões que passa a expor; QUE como Ministro da Cultura, o depoente tinha sob a sua subordinação o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN); QUE tramitou na Superintendência do IPHAN no Estado da Bahia um processo administrativo de autorização para a construção de um empreendimento imobiliário denominado “LA VUE LADEIRA DA BARRA”; QUE a Superintendência do IPHAN na Bahia autorizou a realização deste empreendimento; QUE não obstante a autorização da Superintendência Regional, a presidência nacional do IPHAN revogou tal autorização, por entender que não haviam sido preenchidos os requisitos legais necessários; QUE os argumentos contrários e a favor do empreendimento, assim como as devidas manifestações técnicas dos órgãos relacionados encontram-se lançados no processo de nº 01502.000336/2014-98; QUE tomou conhecimento deste processo e dos interesses que o cercavam quando de uma conversa com a então Presidente do IPHAN, Sra. JUREMA MACHADO; QUE esta conversa se deu na passagem do cargo de JUREMA; QUE, na ocasião, JUREMA mencionou que havia interesses de grupos empresariais naquele empreendimento; QUE não se recorda de JUREMA ter citado nome de pessoas ou empresas interessadas no empreendimento “LA VUE LADEIRA DA BARRA”; QUE por volta do mês de junho deste ano, o depoente recebeu uma ligação telefônica do Ministro-Chefe da Secretaria de Governo, GEDDEL VIEIRA LIMA, solicitando que o depoente fizesse contato com a atual presidente do IPHAN, Sra. KÁTIA BOGÉA, a fim de que ela recebesse os advogados da parte interessada na construção do empreendimento; QUE nesta ocasião, GEDDEL afirmou que a decisão do IPHAN que resultou na paralização da obra era absurda e que trazia prejuízos à atividade econômica da região, a exemplo de outras decisões do IPHAN; QUE o depoente então fez contato com KÁTIA BOGÉA, orientando-a a receber tais advogados e a agir da maneira como deveria, observando a normatização pertinente e as práticas administrativas regulares do IPHAN; QUE posteriormente, KÁTIA BOGÉA comunicou ao depoente que o processo administrativo e a decisão que resultou no embargo da obra tinham de fato uma irregularidade processual, uma vez que a decisão de embargo foi tomada sem a realização do contraditório junto à parte interessada e que por esta razão cabia verdadeiramente a abertura de prazo recursal e anulação dos atos administrativos que foram tomados sem a observância da ampla defesa; QUE no dia 28 de outubro, por volta das 20hs, o depoente recebeu uma ligação de GEDDEL VIEIRA LIMA, que pediu ao depoente, em tom assertivo, que o IPHAN homologasse a decisão autorizativa da obra tomada pela Superintendência do IPHAN da Bahia; QUE nesta ligação, GEDDEL disse ao depoente que possuía um apartamento naquele empreendimento; QUE além disto, GEDDEL apresentou argumentos pelos quais entendia que o empreendimento deveria ser liberado; QUE em resposta, o depoente disse a GEDDEL que ambos poderiam conversar de maneira mais detida na reunião que teriam na segunda-feira seguinte, 31; QUE após esta ligação, o depoente procurou KÁTIA BOGÉA a fim de se inteirar dos últimos passos do processo; QUE então KÁTIA BOGÉA informou que o processo encontrava-se na Procuradoria do IPHAN e que, segundo a sua experiência profissional a respeito, ela entendia que o empreendimento teria sim de reduzir a suas dimensões para adequar-se as normas aplicadas; QUE o depoente, em face destas considerações, disse-lhe que a decisão haveria de ser estritamente técnica; QUE o depoente disse-lhe ainda que não iria incorrer em ilícitos penais ou administrativos que pudessem ser ventilados futuramente; QUE na reunião com GEDDEL, no dia 31, o mesmo, sempre de maneira assertiva, expôs ao depoente o seu entendimento da situação; QUE, inclusive, GEDDEL disse ao depoente que tinha ouvido rumores, oriundos do IPHAN da Bahia, dando conta de que o prédio deveria ser reduzido quanto ao número de andares; QUE a este respeito GEDDEL chegou a dizer “e eu que comprei em andar alto como fico?”; QUE GEDDEL, de maneira enfática, disse que o IPHAN deveria convalidar a autorização concedida pelo IPHAN da Bahia; QUE mesmo não havendo relação formal de subordinação à pasta administrada por GEDDEL, o depoente sentia-se subordinado a GEDDEL, uma vez que este integra o núcleo “palaciano” da Administração Federal; QUE no dia 06 de novembro, o depoente recebeu a mais contundente das ligações realizadas por GEDDEL; QUE nesta ligação, GEDDEL disse ao depoente que não gostaria de ser surpreendido cm qualquer decisão que pudesse contrariar seus interesses; QUE GEDDEL indagou a respeito do andamento do processo e chegou a dizer que o depoente deveria “enquadrar” a presidente do IPHAN; QUE, por fim, GEDDEL disse ao depoente, sempre de maneira muito arrogante, que se fosse preciso “pediria a cabeça” da presidente do IPHAN e que falaria até com o Presidente da República; QUE após esta ligação, o depoente recebeu em outro dia uma outra chamada de GEDDEL, no período da manhã, a qual não atendeu; QUE logo em seguida, ligou o Ministro Chefe da Casa Civil, ELISEU PADILHA; QUE ELISEU PADILHA argumentou com o depoente no sentido de que se a questão estava judicializada, não deveria haver decisão administrativa definitiva a respeito; QUE ELISEU PADILHA disse são depoente para que tentasse construir essa saída com a AGU; QUE o depoente não procurou a AGU e nem tomou qualquer iniciativa de buscar saída que contemplasse a tese apresentada por ELISEU PADILHA; QUE no dia 07 de novembro o depoente encontrou-se com GEDDEL na antessala do gabinete da Presidência da República; QUE GEDDEL estava acompanhado do Secretário de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, GUSTAVO ROCHA; QUE, na ocasião, GEDDEL falou de maneira genérica sobre o assunto e GUSTAVO ROCHA perguntou ao depoente se a AGU já havia lhe procurado; QUE em face da negativa do depoente, GUSTAVO ROCHA tentou imediatamente fazer contato com alguém da AGU, cujo nome o depoente não se recorda; QUE GUSTAVO ROCHA não teve êxito em sua tentativa; QUE após isto, despediram-se; QUE ainda nesta semana, o Procurador-Chefe do IPHAN, HELIOMAR ALENCAR DE OLIVEIRA, assim como um dos Procuradores do MINC, EDUARDO, foram chamados na AGU para prestar informações a respeito do processo em tela; QUE os citados procuradores foram chamados na AGU por algum servidor daquele órgão, mas cujo nome o depoente não pode precisar; QUE a AGU tinha por certo que o depoente teria se manifestado nos autos do processo com despacho encaminhando a ela, AGU, o processo para resolução, o que não ocorreu; QUE no dia 16 de novembro, o IPHAN, após manifestação favorável da Procuradoria do órgão, deu parecer definitivo determinando que o empreendimento deveria se enquadrar aos preceitos normativos aplicáveis ao caso e, por consequência, reduzir a quantidade de andares; QUE após esta decisão de mérito, o depoente passou a receber ainda mais pressões, vindas de diversos integrantes do Governo; QUE ainda no dia 16 do corrente mês, o depoente despachou com o Ministro-Chefe da Casa Civil ELISEU PADILHA, ocasião em que o depoente expôs ao Ministro a decisão contrária aos interesses de GEDDEL; QUE, por duas vezes, o depoente disse ao Ministro que o mesmo poderia ficar à vontade quanto a eventual demissão do depoente por conta dos fatos relacionados a este processo; QUE ELISEU PADILHA pediu ao declarante que tentasse ganhar tempo quanto a resolução desta questão; QUE nesta conversa com ELISEU PADILHA, o depoente teve a impressão de que ELISEU PADILHA queria lhe preservar e mantê-lo no cargo de Ministro da Cultura; QUE ainda no dia 16 de novembro, o depoente compareceu a um jantar oferecido pelo Presidente aos Senadores no Palácio da Alvorada; QUE logo na entrada, o depoente encontrou-se com GEDDEL, ocasião em que desconversou rapidamente a respeito dos fatos que lhe interessavam; QUE logo em seguida o depoente encontrou com NARA DE DEUS, Chefe de Gabinete do Presidente MICHEL TEMER; QUE o depoente narrou a NARA todos os fatos, bem como a sua preocupação; QUE NARA ficou estupefata com os fatos narrados e concordou com o depoente quando o mesmo afirmou que deixaria o Governo para não ser envolvido nestes acontecimentos; QUE ainda neste jantar o depoente conversou com o Ministro da Educação MENDONÇA FILHO, que sugeriu ao depoente que reportasse todos os fatos ao Presidente MICHEL TEMER; QUE, então, o depoente procurou, ainda no jantar, o Presidente MICHEL TEMER; QUE após contar-lhe toda a história, o Presidente disse ao depoente para que ficasse tranquilo, pois, caso GEDDEL lhe procurasse, ele diria que não havia sido possível atender a seu interesse, por razões técnicas; QUE no dia seguinte, 17, ELISEU PADILHA ligou para o depoente indagando a respeito de como GEDDEL poderia recorrer da decisão do IPHAN; QUE em resposta, o depoente explicou a ELISEU PADILHA como funcionam, genericamente, os recursos de atos administrativos; QUE logo depois, o depoente recebeu uma ligação de CARLOS HENRIQUE SOBRAL, Chefe de Gabinete de ELISEU PADILHA, indagando a respeito dos prazos recursais; QUE na quinta-feira, 17, o depoente foi convocado pelo Presidente MICHEL TEMER a comparecer no Palácio do Planalto; QUE nesta reunião o Presidente disse ao depoente que a decisão do IPHAN havia criado “dificuldades operacionais” em seu gabinete, posto que o Ministro GEDDEL encontrava-se bastante irritado; QUE então o Presidente disse ao depoente para que construísse uma saída para que o processo fosse encaminhado à AGU, porque a Ministra GRACE MENDONÇA teria uma solução; QUE no final da conversa o Presidente disse ao depoente “que a política tinha dessas coisas, esse tipo de pressão”; QUE o depoente, ao final da conversa com o Presidente, ficou bastante desapontado, uma vez que foi advertido em razão de ter agido sem cometer qualquer tipo de irregularidade; QUE sentiu-se decepcionado também pelo fato de não ter mais a quem reportar-se a fim de solucionar esta situação, uma vez que o próprio Presidente da República o havia “enquadrado” ; QUE então, sua única saída foi apresentar seu pedido de demissão; QUE, em razão desta decisão pessoal, o depoente retornou no início da noite ao Palácio do Planalto e comunicou ao próprio Presidente que estaria se demitindo; QUE o Presidente disse ao depoente que era ele e não GEDDEL o Presidente da República, e brincou dizendo que cometeria um abuso de autoridade e não deixaria jamais o depoente sair do Governo; QUE o depoente argumentou que tinha tomado conhecimento que estariam sendo “plantadas” na imprensa informações desabonadoras e falsas a seu respeito; QUE o Presidente lhe disse que esse tipo de informações falsas eram comuns de serem divulgadas pela imprensa e ele mesmo já havia sido objeto delas; QUE por fim, o depoente disse ao Presidente que não se sentia à vontade para tomar qualquer decisão naquele processo, e assim despediu-se do Presidente; QUE no dia seguinte, 18, o depoente recebeu uma nova ligação de GUSTAVO ROCHA, Secretário de Assuntos Jurídicos da Casa Civil; QUE GUSTAVO ROCHA comunicou ao depoente que havia ingressado com recurso da decisão administrativa junto ao MINC e ao IPHAN e que o depoente deveria encaminhar os autos do processo para a AGU ; QUE o depoente respondeu que já havia tratado a respeito deste assunto com o Presidente, ocasião em que disse que não tomaria qualquer decisão neste processo; QUE então GUSTAVO ROCHA disse ao depoente que também havia conversado com o Presidente e que seu intuito era o de que o depoente encaminhasse os autos para a AGU; QUE o depoente respondeu que iria refletir a respeito; QUE este último episódio foi determinante para a saída do depoente do Governo, pois demonstrava a insistência do Presidente em fazer com que o depoente interferisse indevidamente no andamento do processo; QUE, como último ato, o depoente ligou para o Presidente no fim da tarde do dia 18 disse que entregaria o seu cargo; QUE o Presidente disse que não via razões para isto, mas que o depoente as teria; QUE não mencionou para o Presidente a última ligação de GUSTAVO ROCHA, na manhã do dia 18; QUE afirma que durante todas estas tratativas não foi sinalizado, de maneira ostensiva ou velada, o oferecimento de vantagens indevidas para o depoente. Nada mais disse e nem lhe foi perguntado(a). Foi então advertido(a) da obrigatoriedade de comunicação de eventuais mudanças de endereço em face das prescrições do Art. 224 do CPP. Encerrado o presente que, lido e achado conforme, assinam com a Autoridade Policial, com o(a) Declarante, e comigo, ANDRE LUIS ACOSTA DOS SANTOS, Escrivão de Polícia Federal, Classe Especial, Matrícula n.º 8.676, em exercício na Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado – DICOR/PF, que o lavrei.

Nenhum comentário: