sábado, 26 de dezembro de 2015

Esquizofrenia Política - Parte I

*Leandro Dias

No filme “Obrigado por fumar”, Nick Naylor (vivido por Aaron Eckhart) é o porta-voz da “Academia para Estudos do Tabaco”, um grupo de estudos científicos que na prática serve de fachada para o lobby da indústria do cigarro. Durante uma acareação sobre os malefícios do cigarro, Naylor é questionado por um senador se as prioridades do seu grupo de estudos eram afetadas pelo fato de as corporações de cigarro serem os maiores patrocinadores dele. Sr. Naylor responde: “Não. Da mesma forma que, certamente, as contribuições de campanha não afetam o seu mandato” (Thank you for smoking, citado em IMDB).

O silêncio irritado do senador que se segue exala o cinismo que se instaura na democracia moderna quando o assunto é o financiamento de candidaturas políticas: é óbvio que as prioridades de um senador financiado por determinados grupos econômicos são afetadas pelos interesses de seus patrocinadores, da mesma forma que um centro de estudos financiado pela indústria do tabaco jamais servirá para dar prejuízo para quem paga suas contas. A lógica já foi denunciada há 150 anos pelo filósofo que adoram odiar: “o governo moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa” (Karl Marx, Manifesto Comunista, cap. 1). E não é segredo que a ideia original de parlamento não fosse exatamente democrática, como Eric Hobsbawm escreveu em seu A Era das Revoluções:

No geral, o burguês liberal clássico de 1789 (e o liberal de 1789-1848) não era um democrata, mas sim um devoto do constitucionalismo, um Estado secular com liberdades civis e garantias para a empresa privada e um governo de contribuintes e proprietários. (1977, p. 106-107, grifo nosso).

Não há, portanto, cinismo ou dissonância do lobismo em relação aos princípios democráticos. Inclusive, dada a lógica de mercado, é de se supor que, quanto mais rico seja o grupo de interesses privados, maior seja sua influência sobre o parlamento (GILLENS, 2012). Em vista disso, é imensamente importante para um país capitalista que se pretende republicano e transparente estabelecer parâmetros legais para o lobby empresarial, a fim de instituir instrumentos de controle legal sobre a influência de grupos de interesses privados nas políticas públicas.

Não é por acaso que hoje seja difícil encontrar um país capitalista rico em que não haja regulamentação ao lobby. Isto é, a atividade de lobista no interior do parlamento se tornou algo tão reconhecidamente estabelecido que, mesmo nos países onde ela já seria protegida pela liberdade de expressão como os EUA, Alemanha ou no parlamento da União Europeia, fez-se necessário dar transparência e organização ao “mercado de congressistas”. Assim, admite-se que haja, desde que de maneira pública, organizada e legalizada, a influência inevitável de grupos de interesses particulares sobre as decisões dos congressistas. Isso inclusive reforçaria a ilusão de que “qualquer um pode influenciar igualmente o seu parlamentar” e que o eleitor pode fazer a escolha mais “informada”. O afirmado tacitamente é que, sem a regulamentação do lobby, o que reina é a mais rasteira e escusa corrupção, a troca de favores e a concessão de privilégios nos bastidores, exatamente como era na corte real do Ancien Régime que os burgueses liberais vieram a derrubar no final do século XVIII.

Leia integralmente a matéria, através deste link: Esquizofrenia politica

Fonte: Pragmatismo Político, 28/08/2015

Nenhum comentário: