segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Os riscos e limites na exposição dos filhos nas redes sociais

Fotógrafo americano cria mostra após ser alvo de críticas por publicar imagens da filha de dois anos nua

POR SÉRGIO MATSUURA / JOSY FISCHBERG

Exposição de crianças nas redes sociais. A mãe Gisella criou uma conta de histagram para mostrar a filha Laura para parentes. - Fábio Seixo

RIO - Bruna completa três anos no mês que vem, mas suas fotos com roupas extravagantes são acompanhadas por quase 27 mil seguidores pelo Instagram. A conta é de sua mãe, Desirrê Moraes, mas a estrela é a pequena garotinha. O que começou como uma forma de mostrar o crescimento da filha para amigos e parentes tomou proporções inesperadas, mas a popularidade repentina não preocupa Desirrê. Contudo, especialistas recomendam precaução quando o assunto é exposição de crianças na internet. Pesquisa recente da fabricante de antivírus AVG aponta que 80% dos pais com filhos entre 0 e 5 anos já publicaram fotos dos rebentos em redes sociais. E nem todos se preocupam com a segurança.

— Não acho errado o que eu faço. É normal as crianças quererem imitar os pais. No nosso caso, se transformou em uma brincadeira de mãe e filha, ela me pede para colocar looks para tirar foto, mas sempre respeito os limites dela — conta Desirrê. — Me falam que não é muito bom toda essa exposição, que a gente não sabe quem está olhando, mas nunca aconteceu nada. Eu até evito fotos com o uniforme da escola, mas não tenho muita preocupação.


Gisella Maria Quaresma Leitão é mais cuidadosa com a circulação de imagens da filha Laura, de apenas 11 meses. Logo após o nascimento, a bebê ganhou uma conta no Instagram, mas ela é fechada para amigos e parentes. A mãe também toma outros cuidados, como não publicar fotos de Laura sem roupa e não dar informações sobre a localização dos passeios e da casa onde mora.

— A gente não sabe quem está do outro lado. Existe o risco de sequestro, violência sexual — diz Gisella. — As fotos que eu publico são mais para os parentes que moram em outros estados. Mamãe coruja gosta de compartilhar tudo.

Essa é a recomendação de Débora Marcello, fotógrafa especializada em bebês e crianças. A tecnologia existe e deve ser usada, mas é importante ter bom senso. A internet não pode receber o mesmo tratamento que um álbum de família, pois o alcance das imagens compartilhadas é praticamente ilimitado. Informações sobre o local onde a criança estuda ou fotos que possam identificar a escolinha devem ser evitadas, assim como a marcação de localização dos passeios e fotografias dos filhos desnudos ou em situações embaraçosas.

— Ter o registro do crescimento dos filhos é uma coisa muito boa, é importante guardar essa lembrança — diz Débora. — Mas os pais devem ter algum cuidado com o que compartilham na internet.

Traçar o limite entre o que deve ou não ser compartilhado não é tarefa simples. O fotógrafo americano Wyatt Neumann virou alvo de xingamentos e ameaças na internet após a publicação de fotos que tirou durante uma road trip com a filha Stella, que completou três anos na última sexta-feira. Entre belas paisagens de campos e estradas, registros de momentos de descontração da menina, sendo que em alguns ela está despida ou com pouca roupa.

— Do dia para a noite eu virei um pervertido — conta Neumann. — Eu sou pai e fotógrafo que faz registros da filha, não um pedófilo.

Após intensa campanha de críticos, suas contas no Facebook e no Instagram chegaram a ser retiradas do ar e só retornaram por causa de amigos do fotógrafo que trabalham na empresa. Incomodado com a situação, Neumann montou a exposição “I feel sorry for you children: the sexualization of innocence in America” (Eu sinto muito pelos seus filhos: a sexualização da inocência na América, em tradução livre).


— A perversão está nos olhos de quem vê — diz Neumann. — Nós precisamos enfrentar o medo. As pessoas se privam de suas liberdades com medo que alguém possa fazer algum mal. Eu não vou podar a liberdade da minha filha por causa de meia dúzia de pedófilos.

Na mostra, instalada na galeria Safari, em Nova York, Neumann expõe algumas das fotos que foram alvo de críticas, mostrando os xingamentos que recebeu ao lado da explicação do momento fotografado. O próprio título da exposição foi retirado de uma mensagem que recebeu.

Que parâmetros ao retratar os pequenos?

Para o antropólogo e fotógrafo Milton Guran, coordenador do FotoRio, o Encontro Internacional de Fotografia do Rio de Janeiro, há algumas questões importantes que estão interligadas e se relacionam a essa situação. A primeira delas se refere aos limites do que é permitido ao se fotografar uma criança. Outra é a noção de pornografia. É necessário pensar ainda no direito dos pais de disponibilizarem imagens dos filhos e, por fim, nos novos parâmetros estabelecidos pela própria internet.

— O fotógrafo colocou as fotos na rede e uma grande quantidade de pessoas leu as imagens de uma maneira que ele não leu. São pessoas que provavelmente têm dificuldade de lidar com a sexualidade e a nudez, não estou dando razão a elas. Mas, quando ele coloca as fotos na rede, expõe a filha a esse tipo de olhar. E isso pode ser visto como uma falta de cuidado com a menina — diz o antropólogo.

Elis Monteiro, professora da FGV e da UVA e especialista em mídias sociais, reconhece que a vigilância agressiva da sociedade em relação a vários assuntos pode ser maléfica, mas a preocupação com questões como pedofilia deve ser levada muito a sério:

— É claro que há muito exagero por parte de quem escreveu para o fotógrafo agressivamente. Infelizmente, apesar de repudiar essas ofensas, acho que ele foi ingênuo e não valorizou o alcance da pedofilia e outros crimes praticados na internet e fora dela. Não saímos por aí mostrando fotos de nossos filhos nus para estranhos.

E qual seria, então, o limite para a publicação de fotos de crianças na internet? Para Carlos Nepomuceno, consultor de estratégia digital, o mundo vive um momento de transição e as pessoas ainda estão se acostumando às novas possibilidades e responsabilidades. Ter uma conta no Facebook ou no Instagram representa mais que se relacionar com amigos e conhecidos, é controlar um canal de comunicação. Cabe a cada um ter o bom senso para discernir o que deve ou não ir ao ar.

— Sobre a publicação das fotos das crianças sem roupa na internet, vai um pouco da cultura dos pais. Meus pais, por exemplo, não ficavam pelados em casa, mas na casa dos outros esse critério pode não existir. Tem pais que deixam os filhos sem roupa na praia. E aí? Como fica? O que é mais saudável? — questiona Nepomuceno.

Fonte: O Globo, 31/08/14

Nenhum comentário: